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2 1 SANTA-ANNA NERY PLAGIÁRIO

O COMÉRCIO DAS LETRAS

2 1 SANTA-ANNA NERY PLAGIÁRIO

Francisco Gomes de Amorim, embora não tendo protagonizado nenhuma das ideias em confronto na questão da propriedade literária, tomou partido por Almeida Garrett, na polémica sobre o assunto levantada por Alexandre Herculano

« [...] Afigura-se-me porém que Herculano foi pouco generoso com um homem que tão deveras o estimava sobretudo, tendo apoiado na Câmara dos Deputados uma lei que depois combateu. Sem fazer à sua memóna a injúria de atribuir a mudança a despeitos políticos, não posso deixar de notar a circunstância de ter ele, no seu testamento, legado a propriedade das suas obras - não à sua universal herdeira, mas a seus irmãos; isto é: usou do direito que negava, na parte em que ele parece menos equitativo, que é quando se afasta do direito comum» 4.

A reconciliação dos amigos desavindos deu-se em Novembro de 1854, nem um mês antes da morte de Almeida Garrett, quando o historiador «a pedido do coração» foi visitar o autor de Folhas Caídas. Como importava fosse feito, Francisco Gomes de Amorim, única testemunha do encontro, dá um quadro simples, discreto, mas nobre, da derradeira vez que

se falaram os dois próceres da literatura portuguesa oitocentista:

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«Alexandre sabia que não tornaria a ver aquele amigo sobre a terra dos vivos, e como não era de frases e cumprimentos, apertou-lhe a mão, dizendo:

- Adeus; melhore e saia daí para fora.

Feita esta violência à sua natureza franca e rude, que não sabia mentir, retirou-se sem olhar para trás.

- Fez-me bem esta vmda. E deixou-me mu.to consolado. - Diria o enfermo, reagindo a custo contra a convicção de que não tornariam a falar-se» 5.

Sem fingimento, e apesar da admiração que também tinha por Alexandre Herculano, Francisco Gomes de Amorim reafirmava, em 1888, que «sobretudo a respeito da emigração e da propriedade literária, era completo o antagonismo de opiniões» 6. Quanto à emigração, porque se preocupava mais com as suas tragédias do que com os seus supostos lucros materiais; no tocante à propriedade literária, por não aceitar que um sistema de recompensas fosse a melhor protecção das obras do espírito.

Ora, sendo o Brasil o principal consumidor dos produtos literários portugueses, havia que o isolar, através de uma convenção, da concorrência estrangeira, sobretudo francesa. Nesta ordem de ideias, e sempre fiel ao pensamento de Almeida Garrett, Francisco Gomes de Amorim aproveitava todas as oportunidades julgadas favoráveis à concretização do seu objectivo. Assim, quando Gama e Abreu estava de regresso ao Brasil, chamado pelos seus amigos políticos, que haviam subido ao poder, no mês de Março de 1878 foi obsequiado, em Lisboa, com um jantar de homenagem. Francisco Gomes de Amorim não pôde comparecer, mas escreveu uma carta a Gama e Abreu, lembrando-lhe a necessidade de se celebrar o desejado tratado literário com o Brasil, «há tantos anos baldamente reclamado por Portugal, e cuja realização é talvez possível nesta conjuntura, se se atender aos bons desejos, que sobre esse assunto manifestou sempre o sr. Gama e Abreu, colocado actualmente em situação de muito poder concorrer para o favorável e equitativo desenlace dessa antiga questão» 7.

Francisco Gomes de Amorim tinha, além de tudo, razões pessoais para desejar a convenção literária.

«No Brasil, [a peça Ghigi) foi acolhida com não menor favor - ou antes - com tamanho favor, que até inspirou alguns editores daquele país, zelosos da minha glória, a tirar edições novas e maiores do que a portuguesa para espalharem a fama de meu nome! Muito deve a literatura portuguesa àqueles honrados varões» 8.

Não podendo esgrimir com a lei contra os contrafactores, atacava com a denúncia de, há muitos anos, estar no costume de ver as suas comédias plagiadas até por franceses, como se fossem roupa dos ditos. Igual sorte lhe acontecia com versos, imitados por

poetastros de Portugal e do Brasil, e com o Ódio de Raça, para horror seu transformado em romance. No entanto, os agravos não se ficavam por aí:

«Representam-se peças minhas sob os nomes de outros autores; e quase ninguém me paga os direitos das que se representam em meu nome. Tristes consequências do meu estado valetudinário! Como último escárnio, até já vêm vender-me ao pé de casa os meus livros, reimpressos no estrangeiro pelos ditos sujeitos» 9.

O estendal de queixas era feito no coradouro de uma acusação grave: Santa-Anna Nery, em Le Pays des Amazones, FJ-Dorado, les Terres à Caoutchouc, dera-lhe a honra de ter transcrito notas de Ódio de Raça e de O Cedro Vermelho, ficando ele, Francisco Gomes de Amorim,

«tão alegre e satisfeito, por ver assim confirmadas, por um filho do Amazonas, as minhas recordações e memórias, e foi tal a ilusão dos meus sentidos, que até me pareceu que me estava lendo a mim próprio!» 10.

Em defesa do plagiário saiu o já citado monsenhor Pinto de Campos, para esclarecer os motivos ponderosos que levaram à não citação do verdadeiro autor dos excertos transcritos. A fim de conciliar os pundonores dos seus dois amigos, Pinto de Campos afiançou, publicamente, que Santa-Anna Nery repararia «essa involuntária omissão, ou na próxima segunda edição, ou vertendo em francês todo o drama» 1 1 . 0 ressarcimento não foi de todo exemplar. Com efeito, pelo menos na tradução da obra de Santa-Anna Nery, editada pela Universidade de São Paulo, na nota 108, página 253, pode ler-se o seguinte, sem que o autor dê a mão à palmatória: «Ver as curiosas notas de M. F. Gomes do Amorim, ilustre escritor português, em seus belos dramas - especialmente em "O Cedro Vermelho" - sobre esses costumes amazonianos» 12. Putativamente, M. corresponderá a Monsieur, pois é o único, dos autores citados, com direito a um tal tratamento, e do Amorim, certamente só por gralha.