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3.1 A DIGNIDADE HUMANA NA PATRÍSTICA

3.1.11 Santo Agostinho

Santo Agostinho define a justiça como: “Vir ao socorro dos infelizes”.452 Nesta definição, afirma, com clareza, o direito dos pobres, para ele, justiça é dar ao que sofre uma dignidade que lhe é garantida por direito. Santo Agostinho coloca a justiça como uma virtude cardeal, junto à temperança, à fortaleza e à prudência (cf. Sb 8,7). Desse modo, a justiça é dar a cada um conforme o seu direito, portanto existe um direito dos pobres que deve ser reconhecido e garantido pela justiça: “o que se dá ao pobre é uma dívida fundada na justiça”453. Aqui nos confrontamos, novamente, com o binômio “justiça e direito”, tão proclamado pelos profetas.

Para Agostinho, não dar aos necessitados o que lhes é devido por direito é praticar o mal, uma vez que para o bispo de Hipona, “o mal é a privação de algum bem próprio de um sujeito, seja uma pessoa, um ser vivo ou mesmo uma ‘coisa’”,454 portanto, praticar o bem é defender algo que é inerente à pessoa, que é próprio de alguém ou de alguma coisa. Ao subtrairmos este direito deixamos que o mal aconteça.

451

Cf. São Jerônimo, Carta 77. PL. 22, 294, apud FAUS, José I. G. Vigários de Cristo: os pobres na teologia e na espiritualidade cristãs: antologia comentada. São Paulo: Paulus, 1996, p. 55.

452 “Santo Agostinho: “De Trinitate”, 1, 14, cap. 9. PL, 42, 1046. “Justitia est in sobveniendo miseris”. Appud

BIGO, Pierre. A Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Loyola, 1969. p. 43.

453

Santo Agostinho, appud, BIGO, Pierre; ÁVIDA, Fernando B. de. Fé cristã e compromisso social: elementos para uma reflexão sobre a América Latina à luz da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1982, p.168.

454 Santo Agostinho, appud, BOGAZ, Antonio S; COUTO, Márcio A; HANSEN, João H. Patrística: caminhos

da tradição cristã: textos, contextos e espiritualidade da tradição dos padres da Igreja antiga, nos caminhos de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulus, 2008, p. 161.

“O mais profundo filósofo da era patrística e um dos maiores gênios teológicos de todos os tempos foi santo Agostinho, cuja influência plasmou a Idade Média”,455 pois Agostinho, não obstante seu ministério de pregação e produção literária, dedicou-se com zelo à incansável missão de socorro aos pobres, deixando a marca indelével de um cristão repleto de bondade e zelo pastoral.456

Na questão pública, Agostinho dá uma nova visão de Estado. Para ele, os homens têm uma atração natural de associar-se com seus semelhantes, concedida diretamente pelo espírito, pois é Deus mesmo quem os convoca à sociedade e cria o Estado. Para Agostinho a função do Estado é servir à geração e manutenção da paz, a qual, por sua vez, só acontece onde a justiça garanta equidade da distribuição dos bens materiais. Agostinho afirma que onde não há justiça, não há paz.457

Agostinho, também, defende e demonstra, num de seus escritos dogmáticos, do ano 413, De fide et operibus, que a salvação depende tanto da fé como das obras,458 e que o amor mútuo deve levar à ajuda recíproca, unindo-se na caridade e no vínculo da paz, e que concretiza-se quando os que possuem sabem partilhar com os que não possuem.459

Agostinho coloca a riqueza como fruto da cobiça, pois ela gera acúmulo daquilo que deve ser de todos nas mãos de poucos; o acúmulo de riquezas é uma injustiça que se pratica contra os pobres. Ele afirma que os que não usam bem sua riqueza, no sentido de partilhá-la, é um “usurpador sem vergonha”:460 “as riquezas são injustas ou porque as adquiristes injustamente, ou porque elas mesmas são injustiças [...] vossa cobiça não é obra de Deus como o são vosso corpo, vossa alma e vossa figura [...] sempre que possuas algo supérfluo, possuis o alheio”.461

Devemos acolher ao pobre e peregrino com simplicidade de coração, sem soberba, Cristo foi pobre e peregrino e também o que acolhe deve ser como Ele, pois o rico que acolhe, muitas vezes, é mais necessitado do que o que é acolhido: “Talvez careças tu de coisas mais

455 FOLCH GOMES, Cirilo. Antologia dos santos padres: páginas seletas dos antigos escritores eclesiásticos.

São Paulo; Paulinas, 1979, p. 332.

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Cf ALTANER, Berthold; STUIBER, Alfred. Patrologia: vida, obras e doutrina dos Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1988, 2ª ed. p. 415-416.

457 Ibidem, p. 444. 458 Ibidem, p. 425. 459

FOLCH GOMES, Cirilo. Antologia dos santos padres: páginas seletas dos antigos escritores eclesiásticos. São Paulo; Paulinas, 1979, p. 367.

460 Agostinho, Sermão 50. PL 38, 327, apud, FAUS, José I. G. Vigários de Cristo: os pobres na teologia e na

espiritualidade cristãs: antologia comentada. São Paulo: Paulus, 1996, p. 63.

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Agostinho, Sermão 50. PL 38, 327, apud, FAUS, José I. G. Vigários de Cristo: os pobres na teologia e na espiritualidade cristãs: antologia comentada. São Paulo: Paulus, 1996, p. 62.

importantes: talvez esse a quem acolhes é justo e se ele precisa de pão, tu precisas de verdade, ele precisa de teto e tu de céu, ele precisa de dinheiro e tu de justiça”.462

Para Agostinho, os pobres são portadores de direitos inalienáveis que devem ser garantidos pela justiça e, quando não garantimos esses direitos, faltamos com a justiça e deixamos que se instale o mal. Para Agostinho, a partilha é um dom que promove a paz. Quando partilhamos com os pobres, equiparamos as condições de sobrevivência de todos, de modo que a justiça seja instalada, pois o bispo de Hipona afirma que toda e riqueza é injusta, ou pela forma de aquisição ou por ela mesma, pois a riqueza é fruto da ganância e esta não provém de Deus, sendo assim, o que dela se consegue é usura, é posse dos bens alheios.

Conforme Ignácio Faus, Agostinho não se coloca na galeria dos profetas dos pobres, pois ele está mais para uma moral sexual do que social, atendendo mais aos direitos dos bons do que aos dos homens de uma forma geral. No entanto, Agostinho, em alguns momentos, cruza o caminho de seus precedentes no que tange à “injustiça da riqueza, à necessidade de dar o supérfluo, à hipoteca social da propriedade e à dignidade do pobre”.463