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4. Kant e o movimento romântico alemão: a morfologia e os pressupostos artístico-filosóficos para

4.5. Scheling: arte e método em Humboldt

do próprio zénite uma luz cintilante que não se parece tanto, como outras, com as luzes planetárias. Para o sul, algumas nuvens isoladas levantam-se perpendicularmente ao horizonte, fazendo o efeito das montanhas afastadas. Vapores densos estendem-se pouco a pouco, à guisa de nevoeiro, para o zénite. O ruído do trovão anuncia ao longe a chuva que há-de beneficiar a terra. (HUMBOLDT, 1952, p.22)

O papel da linguagem é, portanto, elemento necessário na construção científico-artístico- filosófica de Humboldt, uma vez que penetra na verdade presente numa realidade sempre móvel e traz para a construção do conhecimento a força da imaginação. Na verdade, a própria explicação da natureza exige uma ampliação do sentido da linguagem, afinal, existe entre elas uma correspondência que é própria daquele processo de formação do espírito e da natureza.

Tudo quanto tende a reproduzir a verdade da natureza, dá nova vida à linguagem, quer se trate de descrever a impressão sensível produzida em nós pelo mundo exterior, quer os nossos sentimentos íntimos e as profundidades em que se agita o nosso pensamento. (...) A investigação constante desta verdade é o fim de toda descrição que tem por objeto a natureza. (HUMBOLDT, 1952, p. 260)

Essa linguagem como expressão da relação entre espírito e natureza deixa no conjunto de descrições a marca de tudo quanto se dispõe historicamente nesse diálogo. A língua é o registro que permite penetrar na história do desenvolvimento humano em sua relação com a natureza; é a fonte elementar de um recurso a ser usado nesse esclarecimento e nos passos seguintes do espírito no seu sentido maior de realização. Descrever pela prosa poética é mais do que a tarefa de explicar a natureza em seu processo, antes disso, é a tarefa de produzir a elevação do espírito nessa realização.

Essa idéia é fechada pela filosofia da arte em Schelling, é ela, enfim, que dá sentido a toda esta repercussão da arte, ou seja, que apresenta a resposta sistemático-filosófica de um movimento de valorização da arte no rumo do conhecimento.

4.5. Scheling: arte e método em Humboldt

No “Sistema Transcendental” de Schelling, que destacamos no capítulo anterior, tem papel importante a arte (TORRES FILHO In: SCHELLING, 1979); há, no intermédio da filosofia

da natureza e a do espírito, a filosofia da arte. Aqui se realiza a síntese final que propomos na apresentação do sistema filosófico schellinguiano, enfim, é neste ponto que confluem os sistemas na síntese no Absoluto. Essa mediação, em um primeiro momento, se revela ao homem, elemento de confluência destas duas esferas, pela intuição intelectual. A intuição, como vimos já nos primeiros trabalhos de Schelling (1979) e como destacamos também em Goethe, permite conhecer integradamente, sem rupturas, para além de uma visão fragmentada e segregadora do sujeito com relação ao objeto. Esse primeiro passo também é valioso para Humboldt:

La tentativa de descomponer en sus diversos elementos la magia del mundo físico, llena está de temeridad; porque el gran carácter de un paísaje, y de toda escena de la simultáneidad de ideas y de sentimientos que agitan al observador. El poder de la naturaleza se revela, por decirlo así, en la conexion de impresiones, en la unidad de emociones y de efectos que se producen en cierto modo de una sola vez (HUMBOLDT, 1874a, p. 07)

A tarefa de reunir no instante a imagem da relação entre todo e partes pela representação da forma é dada pelo papel da intuição, é ela que permite esse salto da via analítica formal para uma compreensão que ultrapassa em larga medida a conexão linear. Para Humboldt “a ciência é o espírito aplicado à natureza; mas o mundo exterior não existe para nós, no entanto, senão pelo caminho da intuição que refletimos dentro de nós mesmos.” (HUMBOLDT, 1874a, p. 60, trad. nossa).

Mas há ainda um problema, esta é uma manifestação abstrata, porque filosófica, da unidade da realidade. Ora, vimos até aqui que a idealidade não reside só na abstração e, conseqüentemente, a Filosofia, cujo domínio é justamente este, não pode ir além da intuição intelectual proposta nos primeiros escritos de Schelling.

Para Schelling, toda filosofia parte y debe partir de um principio incondicionado, absolutamente idéntico y absolutamente no-objetivo, que no es outro que el yo absoluto. Pero este principio – absolutamente simple y absolutamente idéntico a sí mismo – no puede ser aprehendido ni comunicado de una manera descriptiva, ni tampoco conceptualizado em modo alguno. Sólo puede ser intuido, pero esta intuicíon es una intuicíon interior e íntima, indemonstrable e inexplicable a causa de su propia naturaleza. Y dado que la intuicíon intelectual conduce hacia un conocimiento que se alcanza de una manera inconsciente o no deducible logicamente, si se desea comunicar de un modo conceptual o descriptivo no se podrá utilizar el inconsciente, puesto que toda comunicacíon supone um razonamiento. El conocimiento alcanzado mediante la intuicíon intelectual sólo puede comunicarse a través de una

intuicíon inmediata: una intención que es inconcebible y que parece intrínsicamente contradictoria, ya que pretende objetivar lo que no es objetivable. Es decir, nombrar lo innombrable. (MARÍ, p. 187)

É então que se apresenta no Sistema Transcendental de Schelling a intuição estética. Como experiência interior, não pode a intuição intelectual transmitir-se de maneira clara e precisa sem a ajuda da intuição estética. Aqui, a figura do gênio, o artista capaz de tornar prática a manifestação abstrata da intuição intelectual assume um papel crucial. Ser capaz de, por intuição estética, traduzir objetivamente o que se apreende na intuição, é o gênio elemento chave da filosofia schellingiana; é, assim, tanto um produto da natureza, por sua inconsciência, como um produto da liberdade, já que ordena conscientemente os processos e a mensagem na construção da obra de arte. A filosofia da arte realiza a síntese final na imagem do gênio, porque reaproxima ele a natureza e o espírito numa condição privilegiada que revela o progresso e o sentido último de uma realidade em busca do Absoluto.

No domínio teórico, a intuição intelectual realiza a síntese abstrata do Absoluto; no campo da prática, a intuição estética realiza objetivamente esta síntese. Com o gênio, cumpre-se a síntese final entre subjetividade e objetividade; por sua intuição e natureza, representa o gênio, na figura humana, o caminho a ser percorrido no sentido da síntese geral no Absoluto.

Esta idéia de arte é fundamental no trabalho de Humboldt. Primeiro porque ela aparece como medida de síntese entre homem e natureza, entre a atividade do espírito e do mundo natural, segundo porque ela, pela medida simbólica, cumpre, tanto em Schelling como em Humboldt, a união definitiva entre arte, ciência e filosofia. A construção de um saber filosófico e, a partir dele, de um científico derivam de uma mesma fonte, o mito, a imagem simbólica dada pela atividade poética ao pensamento. Reconstruída depois de sua gênese, o saber reclama sua volta à unidade simbólica. Como destaca Suzuki (In: Schelling, 2001b), citando Schelling:

(...) a filosofia “nasceu e foi nutrida pela poesia”, então é de se esperar que, quando estiverem plenamente concluídas, a filosofia e “todas as ciências que são conduzidas pela poesia até a perfeição... voltarão a desaguar, como rios separados, no oceano universal da poesia, de onde elas provieram” (p. 12)

Essa concepção está em Humboldt, é neste ponto que se estrutura o valor definitivo da ciência do Cosmos, esta que vai além das máximas racionalistas, ao tempo que não lhe vira a

face, antes disso, agrupando-a na imagem simbólica, sobretudo proso-poética, e traduzindo, por esse caminho, o sentido último de uma reaproximação do saber com sua origem, a arte.

Para abarcar el conjunto de la naturaleza, no debemos detenermos en los fenómenos esteriores; sino que es necesario que al menos hagamos entrever algunas de esas analogías misteriosas y morales armonías que ligan al hombre com el mundo esterior, y demonstrar como al reflejarse la Naturaleza en el hombre há quedado envuelta á veces en un velo simbólico que dejaba apercibir graciosas imágenes, haciendo otras veces, que se desarolle en él el noble gérmen de las artes. (HUMBOLDT, 1874b, p. 04)

O homem cumpre nesse processo aquilo que outrora não poderia, a tomada de uma postura diante da natureza; natureza que, originalmente simbólica para o homem, é reinterpretada por uma história construtiva na superação do que então se separou em nome do conhecimento. O

Cosmos é, portanto, tanto no conteúdo de sua análise como na forma que ele assume, a tarefa de

reagrupar a natureza e o espírito no processo histórico de sua construção pela arte e para a arte. Este papel fundamental da arte para a ciência do Cosmos repercute na Gênese da Geografia Moderna, na incorporação metodológica do simbólico como medida de exposição superior, como forma de representação mais acabada de uma dinâmica que, por outro caminho, só pode ser reproduzida de maneira imperfeita e limitada. Fechando de maneira coerente a proposta de Humboldt, a arte é a síntese objetiva da dialética universal, e o é também na sua Geografia.

Capítulo V

Alexander von Humboldt e a Gênese da Geografia

Moderna