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5 O ESTUDO

5.5 SEGUNDA ENTREVISTA: IDENTIFICAÇÃO DE OBJETOS GEOMÉTRICOS

A segunda entrevista foi realizada, individualmente, com o aluno 3 e o aluno 4 e está dividida em cinco partes.

Na primeira parte da entrevista, apresentamos alguns objetos, que fazem parte da rotina do aluno, para que ele identifique o que é cada um deles e de que material é feito. Os objetos são uma caneca de plástico, uma colher de alumínio, uma colher de plástico, uma faca de plástico, uma bolinha de plástico (ping-pong) e um potinho de leite fermentado, que estão apresentados na foto na figura 33. Nesta parte pretendemos observar como o aluno cego reconhece objetos que fazem parte do seu dia-a-dia, como ele observa esses objetos e se o reconhecimento é imediato.

Figura 33: objetos utilizados na primeira parte da entrevista

Fonte: produção do autor

O aluno 3 identificou prontamente todos os objetos que lhe foram apresentados. O reconhecimento foi rápido, sem precisar observar cada detalhe dos objetos. O aluno 4 também identificou rapidamente os seis objetos, sem ter que observá-los parte por parte.

Na segunda parte apresentamos ao aluno representações de figuras geométricas planas confeccionadas em madeira, que o aluno deveria identificar e justificar sua resposta. As figuras oferecidas são as de um quadrado, de um retângulo, de um círculo e de um triângulo, que podem ser observadas na figura 34. Pretendemos verificar como o aluno cego observa essas representações, quais características são observadas primeiro e se ele reconhece todas essas figuras geométricas.

Figura 34: figuras geométricas em madeira

Ao segurar o modelo do quadrado, rapidamente o aluno 3 o identificou, mas não conseguia justificar por que representava um quadrado. Ele disse: “O quadrado tem quatro pontas, mas o retângulo também tem quatro pontas, não sei como explicar”.

Diante desta dúvida, pedimos para que o aluno 3 observasse o modelo do retângulo. Ele identificou rapidamente o objeto como sendo a figura do retângulo. Perguntamos, então, porque essa figura era de um retângulo e não de um quadrado. O aluno 3 respondeu: “porque uma das partes é maior que a outra”. A figura 35 mostra o aluno 3 observando o quadrado e depois o retângulo de madeira.

Figura 35: Aluno 3 observando a figura do quadrado e do retângulo de madeira

Fonte: produção do autor

Pedimos ao aluno 3 que observasse novamente a figura do quadrado e perguntamos como são os lados desta figura. Ele respondeu que sabia que era diferente do retângulo, mas não sabia explicar. Pedimos que ele observasse os lados da figura do quadrado e dissesse qual a relação entre esses lados. O aluno hesitou, mas acabou dizendo que os lados eram iguais. Ressaltamos que esta era uma das características que poderia identificar o quadrado. Optamos em não falar de ângulos neste momento.

Em seguida, entregamos ao aluno um modelo de triângulo. O aluno 3 identificou rapidamente a figura do triângulo e justificou dizendo que tinha três “pontas”. Perguntamos qual a diferença entre os “cantinhos” do triângulo e os do quadrado e o aluno disse que para ele eram iguais, a única diferença era que o quadrado tinha quatro e o triângulo apenas três. Perguntamos se ele sabia o que era ângulo e ele disse que não. Na figura 36 podemos observar o aluno comparando os ângulos do modelo de quadrado com os ângulos do modelo de triângulo.

Figura 36: Aluno 3 comparando ângulos da figura do quadrado com a do triângulo

Fonte: produção do autor

Em seguida, apresentamos ao aluno 3 o modelo de um círculo que ele identificou facilmente e justificou dizendo que não tinha pontas.

Para o aluno 4, o primeiro modelo de figura geométrica em madeira apresentado também foi o do quadrado. Ele o reconheceu rapidamente, mas não soube justificar sua resposta. Em seguida, apresentamos um modelo de retângulo e ele disse não se lembrar do nome da figura. Dissemos a ele que era a representação de um retângulo e perguntamos qual diferença entre a figura do retângulo e a do quadrado. Ele disse que a do retângulo tinha dois lados maiores e dois menores e que na do quadrado os lados eram iguais.

O modelo do círculo não foi identificado pelo aluno 4. Ao segurar o modelo do triângulo, ele disse não se lembrar do nome dessa figura geométrica. Perguntamos, então, quantos lados ela tinha, neste momento ele respondeu “três” e se lembrou do nome “triângulo”. Entregamos novamente ao aluno 4 o modelo de um círculo, ele identificou o formato redondo, mas não se lembrou do nome “círculo”.

Na terceira parte da entrevista, apresentamos a cada aluno, individualmente, as representações de alguns sólidos geométricos desenhados em relevo no papel. Os sólidos representados foram: o cubo, o paralelepípedo, a pirâmide de base quadrada, o cone e o cilindro, que podem ser observados na figura 37. As representações em perspectiva, com as medidas que foram apresentadas aos alunos, encontram-se no apêndice B.

Figura 37: representação de sólidos geométricos desenhados em perspectiva

A observação dos desenhos no papel pelo aluno cego é diferente da observação dos objetos em madeira, é mais cuidadosa. Pelo tato, ele observa cada traço, cada parte da figura. O aluno 3 não identificou nenhuma das representações em perspectiva, a única observação que fez foi em relação à do cone que achou parecida com um coração. A figura 38 mostra o aluno 3 observando a figura de um cubo em relevo.

Figura 38: Aluno 3 observando a figura de um cubo em relevo no papel

Fonte: produção do autor

Ao aluno 4 apresentamos primeiro a figura do cubo e essa não foi identificada por ele. Passamos à figura do cilindro que ele também não identificou, mas achou parecida com a figura do retângulo. As figuras do cone e do paralelepípedo também não foram identificadas pelo aluno. A figura da pirâmide de base quadrada, o aluno virou em diversas posições, tentando identificá-la e respondeu: “retângulo (pausa), dentro dele tem uma cruz”, e indicou com o dedo as linhas da pirâmide. Ele relacionou a figura em perspectiva da pirâmide com a figura de um retângulo com uma cruz no meio. Isso acontece porque o aluno cego analisa a representação como sendo uma figura plana, ou seja, em duas dimensões. Na figura 39 podemos observar a posição em que o aluno 4 relacionou a figura da pirâmide em relevo à figura do retângulo com uma cruz no meio. Destacamos em vermelho as linhas que foram relacionadas à cruz.

Figura 39: Representação da pirâmide como sendo um retângulo com uma cruz no meio – aluno 4

Na quarta parte da entrevista, o aluno deveria observar a representação de alguns sólidos geométricos, os mesmos apresentados na parte três desta entrevista, mas construídos em madeira, como podemos observar na figura 40:

Figura 40: representação de sólidos geométricos em madeira

Fonte: produção do autor

O primeiro modelo de sólido geométrico observado pelo aluno 3 foi o do cubo, que foi rapidamente identificado por ele, que justificou sua resposta dizendo que tinha seis faces iguais. O aluno pegou o modelo de cubo e automaticamente já o identificou, sem ter que observá-lo parte por parte.

Em relação à representação pirâmide de base quadrada, o aluno 3 disse saber que já havia estudado esse sólido no ano anterior, mas não lembrou seu nome. Observou que de uma ponta saía quatro lados que “iam crescendo”, referindo-se às faces da pirâmide. Perguntamos qual o formato de cada “lado” e ele disse que era o de um triângulo. Perguntamos qual o formato da base e ele respondeu que o formato era quadrado. Dissemos ao aluno que o nome do sólido era ‘pirâmide’ e que essa era de base quadrada. Na figura 41 podemos observar aluno 3 manipulando a representação da pirâmide.

Figura 41: Aluno 3 observando a representação da pirâmide em madeira

Fonte: produção do autor

O modelo do cone foi rapidamente reconhecido pelo aluno 3, mas ele não soube justificar porque era a representação de um cone. Já o modelo do paralelepípedo e o do cilindro não foram reconhecidos por esse aluno.

O primeiro modelo de sólido apresentado ao aluno 4 foi o de um cubo, que ele reconheceu como sendo um dado de madeira. Perguntamos se ele sabia que figura geométrica poderia ser relacionada ao dado, ele disse que não.

Em seguida, entregamos ao aluno 4 a representação da pirâmide de base quadrada, ele a observou e identificou como pirâmide. Perguntamos quantos “lados” tinha uma pirâmide e ele respondeu quatro, no formato de triângulo. Perguntamos, então, qual o formato da base dessa pirâmide e ele respondeu quadrado. Questionado sobre como ele sabia se tratar da representação de uma pirâmide, ele disse que já tinha “visto” uma de madeira antes.

O modelo do cone de madeira foi rapidamente reconhecido pelo aluno 4, identificando sua base redonda. O modelo do paralelepípedo não foi reconhecido pelo aluno 4. O do cilindro foi reconhecido como um “tubo redondo”, dissemos ao aluno que o nome do sólido representado era cilindro. Na figura 42 podemos observar o aluno 4 manipulando alguns modelos de sólidos geométricos em madeira.

Figura 42: Aluno 4 manipulando representações de sólidos geométricos em madeira

Fonte: produção do autor

Na quinta parte da entrevista, apresentamos novamente ao aluno as representações em perspectiva desenhadas em relevo no papel, para observarmos se ele as reconheceria depois de ter manipulado as representações dos mesmos sólidos geométricos em madeira.

A primeira figura em perspectiva apresentada ao aluno 3 foi a do cubo, mas ele não a identificou. Em seguida apresentamos a figura da pirâmide. Neste momento o aluno 3 disse: “Esse aqui é o mesmo que você já me mostrou, não é?”. Confirmei e ele disse: ”Então esses desenhos estão se baseando em alguma coisa que você já me mostrou...”. Confirmei novamente, mas, mesmo assim, não reconheceu a pirâmide e disse ser difícil reconhecer, em perspectiva no papel, os objetos geométricos.

A próxima figura em relevo apresentada foi a do paralelepípedo, que também não foi reconhecida por ele. Pedimos para que observasse parte por parte da figura e perguntamos, se ele tivesse que a relacionar com algum dos modelos de sólidos geométricos em madeira que ele havia manipulado, com qual ele a relacionaria, o aluno 3 respondeu que, como um dos “lados” era retangular, relacionaria ao paralelepípedo, mas que, a “parte de cima” do desenho estava atrapalhando, pois não tinha nenhum significado para ele. A parte a que o aluno 3 se refere está indicada em vermelho na figura 43. Podemos observar que são exatamente os traços que indicam profundidade na perspectiva que estão atrapalhando a interpretação da figura pelo aluno.

Figura 43: representação de um paralelepípedo

Fonte: produção do autor

Ao apresentarmos a figura do cone ao aluno 3, ele já tentou relacionar com os sólidos geométricos e disse que poderia ser a representação da pirâmide, porque tinha um triângulo, mas disse que também poderia ser a do cone.

Ao observar a figura do cilindro, o aluno 3 disse não saber o que era. Pedimos, então, para que ele observasse se a parte inferior e a superior da figura poderiam ser relacionadas a algo arredondado. O aluno 3 respondeu que sim e a relacionou ao objeto que “era todo circular”. Entregamos ao aluno 3 todos os modelos de sólidos que ele havia observado anteriormente, e pedimos para que selecionasse o que ele achava que estava representado na figura, ele selecionou o do cilindro e o colocou sobre a figura na posição correta. Observamos que uma pequena intervenção foi suficiente para que o aluno relacionasse a representação no papel ao objeto, reforçando a ideia de que é necessário ensinar o aluno a reconhecer as representações. Na figura 44 podemos observar o aluno 3 relacionando a figura em relevo do cilindro à sua representação em madeira.

Figura 44: Aluno 3 relacionando a figura em relevo do cilindro à sua representação em madeira

Fonte: produção do autor

Após esse reconhecimento, apresentamos novamente ao aluno as figuras do cubo e do paralelepípedo em relevo no papel, mas não foram reconhecidas por ele.

A primeira figura em perspectiva apresentada ao aluno 4 foi a do cone, que ele achou parecida com a figura de um retângulo. Demos ao aluno um modelo de cilindro e um de cone em madeira e perguntamos qual desses sólidos poderia ser representado pela figura em relevo que ele tinha em suas mãos. O aluno 4 escolheu o cone porque tinha ponta. Em seguida, demos ao aluno o modelo do cone e o da pirâmide e perguntamos qual deles poderia ser representado pela figura em relevo, ele disse que poderia ser qualquer um dos dois. Pedimos, então, para que observasse a base da figura em relevo e dissesse se ela se parecia mais com um quadrado ou com algo redondo. Ele disse ser redondo e concluiu que a figura representava o cone.

A próxima figura em perspectiva apresentada ao aluno 4 foi a do cubo, que ele não conseguiu reconhecer e nem relacionar a nenhum dos modelos de sólidos geométricos de madeira observados.

A figura do paralelepípedo em relevo não foi reconhecida inicialmente, mas, quando pedimos para que ele a relacionasse a um dos modelos dos sólidos em madeira, ele disse que poderia ser relacionado ao do paralelepípedo, por ter reconhecido o formato de um retângulo no desenho.

A figura da pirâmide em perspectiva, o aluno 4 achou que poderia representar o “dado”. A figura em relevo do cilindro não foi reconhecida inicialmente, mas, contornando a figura com os dedos e observando melhor, disse: “Se for levar pelo redondo, prô, é aquele que eu tava vendo”. Então, entregamos os modelos de sólidos de madeira em suas mãos e pedimos que selecionasse aquele ao qual estava se referindo e ele selecionou o modelo do cilindro.

Com esta entrevista pudemos confirmar algumas observações que havíamos feito na entrevista anterior, relacionadas às formas de observar os objetos pelo tato. Assim como observado na primeira entrevista, quando os objetos são conhecidos pelo aluno e cabem em suas mãos, os alunos os reconhecem rapidamente, sem a necessidade de explorar seus contornos detalhadamente, como acontece na visualização icônica de um aluno vidente. Já com as representações apresentadas em relevo no papel, os alunos observam parte por parte para depois reconhecer o todo.

Em relação às representações em perspectiva, os alunos 2 e 3 não reconheceram a maioria delas, mas, com algumas intervenções, esses alunos conseguiram relacionar a representação em papel do cone e do cilindro aos objetos concretos. Essas duas figuras têm em comum a base redonda e o fato de serem formadas apenas pela representação das bases e de uma face, sem as representações das faces laterais, tendo assim menos linhas, o que deixa o desenho mais limpo e fácil de ser identificado. Diante disso, resolvemos preparar uma nova entrevista, na qual proporemos novas formas de representar os sólidos geométricos, em relevo no papel, para os alunos cegos.

5.6 TERCEIRA ENTREVISTA: A REPRESENTAÇÃO DE SÓLIDOS GEOMÉTRICOS