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Após a Segunda Guerra Mundial, devido às intensas transformações técnicas e políticas começa a ser gestado um novo período no mundo, quando se destaca, especialmente, o papel da informação. A ascensão dos Estados Unidos como principal potência capitalista35 e as consequências da destruição da guerra aos países europeus

acompanhou uma reorganização nos círculos de informações globais. Em relação aos sistemas técnicos de suporte a essas atividades, até o início desse período as agências funcionavam, como visto, com base nas redes telegráficas, que se expandiram na primeira metade do século XX:

35 Embora nosso foco esteja centrado nas agências transnacionais de notícias, é importante notar a existência de diversas outras agências nesse período — sobretudo de alcance nacional — fora do capitalismo, como a soviética tass e a chinesa Xinhua. Ambas constam, atualmente, entre as 10 maiores agências do mundo (aguiar, 2010, p. 14). O mercado de agências na Europa oriental durante a Guerra Fria é analisado por Boyd-Barrett (1980, p. 161-165).

Figura 2. Mapa das redes telegráficas — mundo — 1952

Adaptado de Unesco (1953).

Figura 3. Mapa das redes telegráficas — Europa— 1952

Conforme narra Shrivastava (2007, p. 101-110), nesse período surgiram diversas novas possibilidades, as quais foram apropriadas para compor a base técnica do funcionamento das redes das agências. Entre elas, o telégrafo teleimpressor em substituição ao guiado por código Morse, transmissões a rádio e fios telefônicos de transmissão de fotos. Na década de 1960, as agências transmitiram as primeiras notícias digitalmente e passaram a utilizar as redes de satélite — enviando fotos, textos e cotações da bolsa. Nesse período tem início, também, a informatização do serviço das agências, com os computadores sendo objetos técnicos e informacionais de vital importância.

Em relação à organização normativa e organizacional, muitas mudanças tomaram corpo. Na França, a agência Havas, durante a Segunda Guerra Mundial — na “França de Vichy”, período em que o país foi ocupado pelos nazistas —, foi tomada por esse governo, tornando-se Agence Française d’Information de Presse e atuando somente em função dos interesses estatais, encerrando os serviços comerciais. Após o fim da ocupação, a agência foi refundada por jornalistas da antiga Havas, agora sob o nome de Agence France-Presse (afp) (rangel, 1967, p. 40).

Ao longo desses anos, uma reorganização normativa acompanhou especialmente as agências europeias, que passaram de empresas familiares para

holdings de capital aberto, com subsidiárias para serviços específicos, compondo-se de

uma estrutura complexa e assemelhando-se às corporações de outros setores (lehmann; aguiar, 2010, p. 7). Algumas dessas corporações se tornaram, também, clientes, sócias ou proprietárias das agências (boyd-barrett; rantanen, 2010). Essas mudanças acompanharam uma reorganização técnica do trabalho interno das agências, com a terceirização dos funcionários responsáveis pela parte operacional e a flexibilização do trabalho de correspondentes, assim como a expansão do uso de colaboradores frequentes mas sem vínculo trabalhista (lehmann; aguiar, 2010).

Também nesse período, as agências norte-americanas firmaram seu espaço entre as agências do mundo capitalista, chegando a prevalecer sobre as europeias, enfraquecidas no pós-guerra. Dessa forma, surgiu o termo “Big Four”, referindo-se às

quatro grandes agências da época: Reuters, Agence France-Presse, Associated Press e United Press International.

Nesse contexto, o debate sobre a dependência do sul global em relação às agências dos países capitalistas centrais ganhou força nas décadas de 1960, 1970 e 1980, obtendo espaço na Unesco. Os chamados “países não-alinhados”36, grupo de

países subdesenvolvidos, consideravam que havia se instalado uma estrutura de poder transnacional centralizada nas grandes agências por meio da qual os países centrais perpetuavam sua influência mundial e impunham seus valores e aspirações (páz rebollo, 1999, p. 124). Sendo assim, os países não-alinhados passaram a clamar por uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (nomic ou nwico, na sigla original em inglês)37. Mattelart (2002, p. 112) afirma que

o debate sobre a Nova Ordem Mundial abre-se com a crítica à cobertura frequentemente tendenciosa, inexata, não objetiva e não adaptada feita pelas quatro grandes agências de imprensa dos países desenvolvidos que monopolizam o mercado mundial de notícias. As agências americanas, cuja parcialidade fica claramente comprovada por suas atitudes frente ao regime do presidente do Chile, Salvador Allende, são as mais especificamente visadas.

Esses debates foram fortes no período, levando à criação, em 1975, do chamado

36 Conforme Aguiar (2009b, p. 2), esses países propunham “um reordenamento mundial que contestava o cerne das desigualdades globais (manifesta na divisão internacional do trabalho), geradas pelo capital e mantidas intactas pelo tipo de dominação estrutural do socialismo soviético, e ao mesmo tempo traziam alternativas exequíveis em diversos níveis da organização política e social — inclusive em campos simbólicos, da cultura e da comunicação. Tais alternativas buscavam, intrinsecamente, serem adequadas às necessidades e idiossincrasias do Terceiro Mundo, notavelmente a precariedade de infraestrutura, os riscos e choques inerentes à formação da identidade nacional (em lenta construção nos processos de descolonização) e a fragilidade das instituições do Estado (geralmente submetidas a graus excessivos de corrupção, autoritarismo e burocracia). Em resumo[, tais iniciativas]: deveriam sempre ser baratas, adaptáveis e construídas sob o princípio da cooperação, para não se segmentarem nem chegarem a fim prematuro devido às frequentes crises nos países pobres”.

37 Um dos episódios marcantes desse período e que motivaram a ofensiva contra as Big Four foi a cobertura parcial dessas agências, especialmente as norte-americanas, a respeito do governo de Salvador Allende no Chile (mattelart, 2002, p. 112).

Pool de Agências de Notícias Não-Alinhadas (nanap), uma rede de intercâmbio de

notícias e informações entre essas agências38, por diversos canais (ivacic, 1977, p. 18).

No âmbito da Unesco, esse debate teve como principal resultado o Relatório MacBride39, que buscava apresentar o poder desequilibrado das agências de notícias

dos países centrais e sugerir ações para quebrar os monopólios da informação (macbride, 1980, p. 253-272).

Todavia, houve muita pressão na Unesco por parte dos países do centro do sistema capitalista, especialmente dos Estados Unidos (mattelart, 2002, p. 115-116). Isso culminou com a saída desse país da entidade por 17 anos, enfraquecendo o debate da NOMIC, que saiu da pauta da Unesco em 1989 (shrivastava, 2007, p. 161). Em seguida, no princípio da década de 1990, iniciou-se um novo período no mundo no que diz respeito à circulação de informações, e houve um deslocamento do debate em função do surgimento da internet (palmer; nicey; 2012, p. 111), como veremos adiante.

3.3 |

A GLOBALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E OS CÍRCULOS GLOBAIS DE NOTÍCIAS