• Nenhum resultado encontrado

Para problematizar as transformações e permanências na circulação de informações no atual período, resgatamos as noções de círculos informacionais descendentes e ascendentes — os descendentes são baseados na informação que atinge verticalmente o território, enquanto os ascendentes dizem respeito aos dinamismos concernentes aos lugares, à sobrevivência e à resistência (silva, 2010, p. 2).

Entendemos que os círculos dominantes de informações no território brasileiro, cujo conteúdo é comandado, em grande parte, pelas agências transnacionais de notícias, configuram círculos descendentes de informações, que se impõem aos lugares. Permanece, desse modo, a hierarquia do comando dos círculos globais de informação a partir dessas agências — desde suas matrizes, nos países centrais do capitalismo, até seus escritórios nas grandes metrópoles que são os principais centros de gestão do território brasileiro —, que atuam em parceria com os agentes midiáticos nacionais (benayas, 2006, p. 103). Transforma-se a organização das redes das agências, seus objetos técnicos e sua organização normativa, de modo a se adaptar para continuar se apropriando (e participando da construção) do sistema técnico hegemônico da globalização e produzindo o tempo real hegemônico.

A “euforia” acadêmica e política com as novas técnicas da informação e suas possibilidades, merece, assim, uma crítica no sentido de compreendermos a real dinâmica da informação e os limites atuais dessas técnicas, não negando sua potencialidade. Investigar a circulação dessas informações no território — e o alcance territorial dos circuitos informacionais — nos pareceu um caminho profícuo para essa crítica.

O objeto notícia, carregado de sentidos e significados, ainda é, em sua prevalência, produzido por poucos agentes hegemônicos do norte global e circula exaustivamente nas novas redes, carregando e transmitindo seu significado — ainda que este adquira diferentes formas nos lugares. Além do conteúdo, mais facilmente

problematizado, cabe pensar que forma da preponderante maioria das notícias é, como visto, padronizada por meio das técnicas jornalísticas das agências. Essa indissociabilidade entre forma e conteúdo é importante para compreender politicamente as consequências dessa centralização do comando nas agências e pensar alternativas.

Alternativas à dependência de informações das agências dos países hegemônicos do capitalismo atual já foram pensadas, como visto no caso do pool de agências dos países “não alinhados”, do sul global, o NANAP — investigado com profundidade no qualificado estudo de Aguiar (2010). Cabe considerar, nesse caso, que a formação socioespacial brasileira no que tange às comunicações é marcada pela concentração do setor midiático115, ausência de uma regulamentação que garantisse a

democratização desses meios após o fim do período militar (1964-1985), gerando círculos dominantes de informação extremamente centralizados. Os conglomerados que compõem esses círculos não participaram desse pool de agências no período em questão, e boicotam outras iniciativas, como será visto adiante. Outra particularidade da formação socioespacial brasileira é apontada por Aguiar (2013, p. 20), que discute a situação sui generis do país em relação ao mercado de agências: nenhuma agência nacional se dedica ao fluxo internacional de informações, não concorrendo com as agências transnacionais no fornecimento a seus clientes nem intercambiando conteúdo com outras agências.

É fato que as novas técnicas da informação trouxeram avanços na possibilidade de uma circulação de informações menos concentrada, mais comunicacional. Santos (2000, p. 164) já apontava que o computador pessoal poderia levar a uma redução da tendência das inovações tecnológicas em agravar a concentração econômica. O atual período traz uma possibilidade que antes não existia de controle das técnicas pelos de baixo, técnicas consideradas dóceis (santos, 2000, p. 174), flexíveis em sua utilização.

Todavia, atualmente, um dos discursos dominantes da mídia – e sobre ela

115 Com particularidades, outras formações socioespaciais latino-americanas foram historicamente marcadas por conglomerados de mídia, como as redes da Televisa, no México, do grupo Cisneros, na Venezuela (tulloch, 2006) e do grupo Clarín, na Argentina.

própria – é o papel crescente da produção difusa de informações através da internet, qualificando-a como uma rede “livre” e onde todos poderiam se expressar de forma igualitária (paterson, 2006). Em uma breve análise, gostaríamos de impor alguns limites a essa ideia, ainda que reconhecendo os avanços dessas novas técnicas da informação, em geral, e da internet, em particular na possibilidade técnica de novos usos da informação.

Consideramos, como anunciado anteriormente, a rede em seus aspectos material e social (santos, 2006a [1996], p. 262). Em primeiro lugar, quanto ao acesso aos objetos técnicos116 que permitem participação nessas redes, observamos,

anteriormente, que a minoria da população brasileira o possui (cgi, 2012). Outro ponto a considerar reside na dimensão política e social do controle da informação. A despeito do discurso que se prega, da internet enquanto rede livre onde todos têm igual possibilidade de publicar conteúdos, cabe considerar que a consulta às informações nessa rede se dá, atualmente, através de mediações controladas por grandes empresas. Em primeiro lugar, ao observar o acesso aos websites nos diferentes países do mundo, destacam-se os chamados “portais”, grandes websites de grupos de comunicação já atuantes em outras mídias, que nada trazem de novo no sentido de uma circulação de informações descentralizada e horizontal. Além disso, uma grande empresa transnacional117 norte-americana, Google, possui o website mais acessado do mundo

(alexa, 2011), especializado em buscas na própria rede. Uma enorme parcela dos

116 Cabe refletir, também, sobre o controle dos objetos técnicos de suporte à circulação de informações presentes na internet. A tendência atual é a chamada “computação em nuvem” (cloud computing), forma de organização da informação em que os dados ficam armazenados de forma dispersa em computadores acionados sob demanda e interligados via internet. Territorialmente, o que ocorre é que as informações ficam armazenadas em computadores localizados nas empresas que oferecem esse serviço — entre as principais, destacam-se Amazon, Google, Rackspace, Microsoft e Salesforce1, todas norte-americanas. Esse controle da informação, tanto dos objetos técnicos e informacionais quanto as mediações pelas grandes empresas são formas de poder, conforme trata Raffestin (1993) — nesse caso, mais uma vez um poder concentrado por poucos agentes: grandes empresas transnacionais.

117 Segundo o ranking do jornal Financial Times, o Google seria a 28ª maior empresa em valor de mercado (http://on.ft.com/google-ft).

conteúdos visualizados pelos usuários da internet é “encontrada” por seu intermédio, com sua mediação. Seu algoritmo de posicionamento dos outros websites em seus resultados de busca condiciona quais conteúdos serão ou não encontrados e visualizados pelos usuários.

Voltando às notícias, outra importante distinção deve ser feita entre a produção e a redistribuição de informações noticiosas. Boa parte das notícias que circulam na

internet, mesmo em blogs e outros sites pessoais não vinculados a empresas, são

oriundas de “portais” de notícias e baseadas em informações de agências transnacionais de notícias118. Dessa forma, a despeito do discurso presente na mídia e

da possibilidade técnica, a circulação de notícias efetivamente realizada está baseada em poucos agentes globais.

A análise das transformações e permanências dos círculos de informações noticiosas no território brasileiro a partir do processo de globalização indica essa permanência das agências transnacionais enquanto agentes centrais à produção de informações. A constituição, nesse período, de um sistema de objetos técnicos funcionais à fluidez global da informação favoreceu a ampliação da atuação dessas agências, configurando os círculos descendentes que atingem verticalmente os territórios. Nessa direção, Moraes (2010, p. 208) crítica o grave fato de convivermos com “uma abundância de dados, sons e imagens que se originam, na maior parte das vezes, de fontes de emissão controladas por superempresas que se movimentam pela Terra sem prestar contas a ninguém, exceto a seus acionistas”.

Daí nos referirmos à violência da informação como uma característica do período (santos, 2000, p. 38), já que a informação, embora cada vez mais essencial à vida social e econômica, tem seu comando centralizado em poucos agentes — sobretudo grandes empresas globais. Segundo Santos (2000, p. 40), é preciso

118 Um exemplo pode ser encontrado na reportagem da Folha de S. Paulo sobre as matérias que circularam nas redes sociais durante os protestos de junho de 2013 no Brasil (ainda que com ressalvas à análise feita pelo jornal): 80% dos links de maior alcance nas principais ‘hashtags’ (“palavras-chave”) do Twitter sobre o tema partiram dos grandes meios de comunicação tradicionais. Disponível em: http://bit.ly/fspjornalismoprotestos.

considerar o caráter cada vez mais ideológico que possuem essas informações, a relação “carnal” entre a produção de notícias e a publicidade, e a facilidade da produção de falsidades, fábulas e mitos a partir da distorção dos fatos pelos poucos agentes controladores da informação, especialmente no caso da informação noticiosa. Essa violência da informação é tratada, também, por Ribeiro (1991, p. 47), que afirma que “podemos reconhecer, numa pluralidade de processos sociais da atual fase da sociedade brasileira, o consenso alcançado em torno difuso, e ainda pouco esclarecido, poder exercido pelos processos modernos de comunicação”.

Essa violência da informação pode ser entendida, também, por meio da desinformação que marca a circulação de notícias. Como diz Nora (1976, p. 186), “esquartejada dessa forma entre o real e sua projeção espetacular, a informação perdeu sua neutralidade de órgão de simples transmissão. […] A informação remetia a um fato da realidade que lhe era estranho, que ela significava. Qualquer que seja a tecnicidade do sentido que lhe dermos, a Informação, com maiúscula, funciona em princípio sempre como um redutor de incerteza”. Todavia, o historiador prossegue,

considerado globalmente, o sistema informativo dos media fabrica o ininteligível. Bombardeia-nos como um saber interrogativo, sem núcleo, sem sentido, que espera de nós seu sentido, nos frustra e nos satisfaz por sua vez com sua evidência enfadonha: se um reflexo de historiador não interviesse, isso seria, nas circunstâncias extremas, se apenas um ruído que confundiria a inteligibilidade do seu próprio discurso.

Essa informação que se apresenta com violência, carregada de significados exógenos e racionalidades externas aos lugares, produz, como visto, uma alienação do território brasileiro. Essa alienação pode ser entendida pela mediação que o agendamento pelas agências das pautas nacionais traz aos feixes de eventos que vão ou não atingir os lugares segundo intenções de fora, por meio da transformação da escala de resultado desses eventos geográficos e pelas significações a eles atribuídas, além do desconhecimento dos acontecimentos próximos, sempre sujeitos a essas mediações. A alienação territorial que os círculos descendentes de informações impõem ao território brasileiro produz, na psicosfera, referências a uma práxis invertida, guiada pela

racionalidade hegemônica — configurando densidades informacionais, guiadas pela exterioridade.

De outro lado, o território usado revela, também, o novo na comunicação e na circulação de notícias — novos usos, possibilidades, outras temporalidades e racionalidades contra-hegemônicas. É a partir do novo que devemos pensar a transformação do presente e projetar o futuro.

6.2 |

OS CÍRCULOS ASCENDENTES DA INFORMAÇÃO, A EMERGÊNCIA DO NOVO E AS