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3.1 PARTICULARIDADES POTIGUARES

3.1.3 Segunda Guerra Mundial: Trampolim da Vitória e da Modernidade

Se na década de 20 a situação geográfica de Natal contribuiu para alavancar transformações urbanas, com a II Guerra Mundial,

tornar-se-ia fundamental para a estratégia de combate da força Aliada (figura 10).

Em 1942, sob o comando dos americanos,

Parnamirim Fields (figura 11), o Trampolim da Vitória, inicia um processo de investimentos que

resultam na transformação das feições da cidade e do cotidiano e costumes da sociedade natalense.

Seis mil operários trabalhavam nas obras de infra-estrutura, serviços e edifícios que, segundo Pinto (2000), davam à região o aspecto de uma epopéia cinematográfica. Eram mais de 1500 prédios, entre outras obras como pistas de pouso e bases militares e um pipe line, para o abastecimento dos aviões, que representavam um momento de desenvolvimento e modernização da cidade em que todos os setores – indústria, comunicação, saúde, serviços, entretenimento, entre outros – voltavam-se para a adequação da cidade à nova realidade.

FIGURA 10 - Presidente Roosevelt na Rampa.

Fonte: CD Natal 400 anos

FIGURA 11 - Base americana em Parnamirim.

A II Guerra Mundial movimentou também o setor econômico, até então fomentado pela força do comércio local. Segundo Soares (1999), até a década de 20 o sistema industrial de Natal refletia o processo de industrialização do país no mesmo período. Uma indústria incipiente e dispersa que não possuía representatividade no quadro econômico da capital32. Os

investimentos para transformar a região em Trampolim da Vitória incluíram a instalação de fábricas que pretendiam, principalmente, abastecer a população americana de suprimentos33.

Natal vivia um período de efervescência, pois ao mesmo tempo em que se via a cidade crescer, com pessoas e veículos transitando nas ruas, a rotina provinciana foi sendo contagiada pelos hábitos norte-americanos, principalmente, pelo idioma. Por isso, beber Coke, fumar cigars e tomar banhos em Miami Beach significava ser up to date nessa época. “Teve quem tomasse o café da manhã com V.8 Vegetable Juice, substituísse o guaraná das crianças por 7-UP, e só bebesse cerveja Budwiser em latinha” (PINTO, 2000, p. 49). O contato com a nova cultura havia de se estreitar ainda mais diante da disseminação das músicas e filmes americanos que, além de movimentar as noites de uma cidade carente em atividades sociais, ampliaria os horizontes de uma sociedade muito ligada à vida interiorana34.

Difundiu-se a mania da leitura das revistas americanas, desde os ‘Comics’, a

Look, Newsweek, Coronet, Time, Life. Acompanhava-se as que faziam

publicidade da Guerra, [...] e Em Guarda, luxuoso magazine americano” (PINTO, 2000, p. 48).

Do ponto de vista das transformações na fisionomia da cidade através de sucessivos empreendimentos, percebe-se que, especialmente pelo crescimento das demandas por moradias, houve um fomento do setor da construção, além de uma “[...] rápida valorização de mercadorias e de imóveis” (SANTOS, 1998, p. 98). Nesse caso, Tirol e Petrópolis continuaram a ser os bairros preferidos para a instalação de mansões de personalidades ilustres da época, muitas delas, militares americanos. A ocupação tardia dos lotes de Cidade Nova estava garantida, principalmente depois da construção da Parnamirim road35.

32 Se por um lado a indústria se instalava discreta e lentamente na região, por outro Natal se destacava pelo

ganho de representatividade do setor agrário. A partir da década de 20, o Rio Grande do Norte ganha força no cenário econômico nacional como um importante produtor de algodão, chegando a exportar o produto para mercados internacionais.

33 Segundo Pinto (2000), entre os investimentos feitos pelos americanos em terras potiguares, está a instalação da

primeira fábrica da Coca-Cola do Brasil.

34 A vida com raízes no interior foi característica da maioria das cidades brasileiras, com exceção dos centros

como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Salvador.

35 A Parnamirim road, onde hoje se tem a Av. Hermes da Fonseca (antiga Oitava do Plano de Cidade Nova, nos

bairros de Petrópolis e Tirol), confirmou-se como um dos principais eixos de expansão da cidade e, por causa disso, uma das primeiras vias a apresentar exemplares modernistas em Natal.

Com relação a essas construções, ao que parece, ainda encontrava-se dependentes de uma indústria local incipiente e ultrapassada. Conforme relata Santos (1998), seguindo informações de um relatório norte-americano, materiais como cimento, madeira, ferragens e suprimentos de encanamentos e elétricos satisfaziam as necessidades da cidade. No entanto, a falta de padronização da madeira, tijolos e telhas comprometeram a execução das edificações, até serem padronizados pelos vendedores locais. Como se podem ver tanto os materiais e técnicas construtivas, como até mesmo a mão-de-obra local, eram consideradas eficazes para atender às necessidades das construções da época, ainda marcadas pela simplicidade tectônica.

O crescimento do mercado imobiliário também ocorreu como um reflexo da migração de grupos vindos do interior e de pequenas cidades próximas. Muitos vinham com a intenção de aproveitar as vantagens do progresso e desenvolvimento econômico. “Gente de toda parte vinha em busca de oportunidades do bem remunerado mercado de trabalho” (PINTO, 2000, p. 41). Juntando-se aos natalenses, essas pessoas formaram uma geração que participou da mudança no modo de “ver” e “fazer” o cotidiano da cidade.

“Perderam as gerações mais novas o espetáculo das formações aéreas que, como nuvens, ganhavam altura no aprumo das vastidões oceânicas. [...] Perderam de ver o impulso de cosmopolitização, decorrente da efervescência humana que transformou Natal, de um lado numa fortaleza, de outro numa espécie de gigantesco bairro dos bazares de Tânger, onde movia-se o colorido das nacionalidades, da diversidades de línguas, da circulação livre das mais exóticas moedas, enquanto passavam senhoras remanescentes da belle époque, com os cabelos enrodilhados em cocos e belos colares de pérolas” (PINTO, 2000, p. 41).

O fato de Natal ter sediado a Base Aliada foi um diferencial com relação às outras cidades pela carga de influências e informações recebidas de uma cultura, já naquela época, mais avançada do que a nossa. Por isso, apesar dos momentos em que prevaleceu um clima conturbado de guerra, a importância da presença americana está na transformação da paisagem e da sociedade da capital, principalmente através do contato, que modificou a percepção dos potiguares quanto ao mundo, tornando a atmosfera sócio-cultural natalense mais sensível e receptiva. Obviamente, ainda foram mantidos fortes vínculos com o passado, uma vez que a cultura de uma sociedade não é rompida bruscamente a ponto de seus valores anteriores serem totalmente anulados.