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Segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20

2.1 A S FONTES ESCRITAS DA LGA

2.1.2 Segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20

Nesta subseção, são listados os autores cujas obras, que integraram o corpus da pes- quisa lexical, descrevem ou registram a LGA veiculada desde a década de 1850 até as primei- ras décadas do século 20. São fornecidos breves comentários sobre as ditas obras e seus auto- res. Todas as menções feitas doravante à “literatura antiga do nheengatu” referenciam as obras que registraram a LGA veiculada no período concernente a esta subseção.

2.1.2.1 Manoel Justiniano de Seixas (?-?)

O Padre Manoel Justiniano de Seixas foi o primeiro regente da Cadeira de Língua Ge- ral do Seminário do Pará, criada em 1851 pelo bispo da província, Dom José Afonso de Mo- rais Torres. O Padre Seixas compôs o Vocabulario da lingua indigena geral para o uso do Seminario Episcopal do Pará (SEIXAS, 1853), que, antes de sua compilação lexical, traz uma resumida explicação sobre a gramática da língua, além de exíguos comentários a respeito de sua fonologia, sob o título de Breves explicações da língua indígena geral. A obra foi pu- blicada em 1853, sendo, segundo o tupinólogo Frederico G. Edelweiss, “a primeira publica- ção da terceira etapa na trajetória do tupi, a fase nheengatu” (EDELWEISS, 1969, p. 189, grifo do autor).

É interessante notar que no verbete nheênga do Vocabulario, de Seixas (1853, p. 37), o termo nheengatu é utilizado com referência à LGA. Segundo Edelweiss (1969, p. 200), esse “é o testemunho mais antigo que achamos dessa acepção da palavra”.

2.1.2.2 Antônio Gonçalves Dias (1823-1864)

Em 1852, ainda antes, portanto, da publicação do Vocabulário da língua indígena geral composto pelo Padre Seixas, o poeta Gonçalves Dias enviara ao Instituto Histórico e Geográfico uma coleção lexical referente à língua geral em uso no Alto Amazonas. A lista de vocábulos lhe fora concedida pelo Bispo do Pará, Dom Morais Torres, e Dias afirma ter feito apenas algumas ligeiras correções de erros que se poderiam introduzir na cópia a ele oferecida (DIAS, 1854, p. 553). O trabalho saiu publicado na revista do IHGB, em 1854, intitulado co- mo Vocabulário da língua geral usada hoje em dia no Alto-Amazonas.

Em 1858, Dias publicaria ainda o Diccionario da língua tupy chamada língua geral dos indígenas do Brazil, obra de valor documental controverso, cujas principais críticas rela- cionam-se aos “anacronismos linguísticos ocasionados pela heterogeneidade das fontes con- sultadas” (ALTMAN, 2012, p. 24). Para Edelweiss (1969, p. 189), o dicionário é “[...] uma mistura indiscriminada de todas as palavras tupis respingadas [...] em diversos manuscritos, sem distinção de região ou tempo e acrescida de alentada série de erros de cópia e impressão”.

Das duas obras de Dias, apenas a primeira foi utilizada como fonte para a pesquisa le- xical empreendida durante a tradução de TMP. Edelweiss, ao comentar sobre o vocabulário publicado em 1854, chama a atenção para seu valor científico: “dos dois vocabulários tupis, que devemos a Gonçalves Dias, ao contrário do que geralmente se pensa, somente este, um dos primeiros registros nheengatus, tem valor científico” (EDELWEISS, 1969, p. 189).

2.1.2.3 Francisco Raimundo Corrêa de Faria (?-?)

O Coronel Reformado Francisco Raimundo Côrrea de Faria foi o segundo e último re- gente da Cadeira de Língua Geral do Seminário do Pará, sucedendo ao Padre Manoel Justini- ano de Seixas quando este precisou deixar o posto para se ocupar de outra comissão (FARIA, 1858, p. II). Faria entrou em contato com a língua geral quando foi encarregado de obras mili- tares na aldeia de Marabitanas, no Alto Rio Negro, nos idos de 1842. Durante sua estadia na região, ele sentiu a “necessidade de [...]entender essa linguagem da qual se servem os que por ali habitaõ, e que é conhecida nas diferentes Tribus desta quasi incommensuravel Provincia, visto, como se sabe, que em todas as Malocas ou Ranxos ha quem a entenda e falle, que por isso a denominação Geral” (FARIA, 1858, p. I).

Em 1858, já como lente da Cadeira de Língua Geral, Faria publicou seu Compendio da lingua brazilica para uzo dos que a ella se quizerem dedicar, obra que, nas palavras do tupi- nólogo Edelweiss, “são apenas 28 páginas de noções gramaticais e nelas nem tudo é propria- mente nheengatu; mais de um trecho lembra ensinamentos do pe. Figueira” (EDELWEISS, 1969, p. 190). De fato, o Compendio de Faria seguramente não se pautou pelo estrito registro da língua geral então falada, pois sua gramática distancia-se em vários pontos dos registros que lhe são contemporâneos, aproximando-se, muitas vezes, de descrições do tupi antigo. O próprio autor admite que os escritos do Padre Figueira tiveram influência na composição de sua obra, embora tenha notado que a língua descrita pelo jesuíta no século 17 divergia consi- deravelmente da então veiculada na Amazônia: “[...] pois que o Livro do Padre Luiz Figueira [...] sendo escripto em o anno de 1685, de entaõ para cá se tem perdido quasi inteiramente os modos por que nessa época fallavam o idioma Brazilico: entretanto muito aproveitei ainda do penozo trabalho desse instruido Missionario” (FARIA, 1858, p. II).

O Compêndio de Faria foi também utilizado como fonte em nossa pesquisa lexical, pois o cotejo com outras obras pôde dirimir as consequências das anacronias de seus registros. Fica, porém, a ressalva de que, isoladamente, é fonte pouco confiável para o conhecimento do nheengatu oitocentista21.

2.1.2.4 José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898)

O General Couto de Magalhães nasceu em Diamantina (MG) e foi presidente de al- gumas províncias brasileiras: Goiás (1862-3), Pará (1864-5), Mato Grosso (1866-8) e São Paulo (1888). Realizando diversas viagens pelos sertões do País, ele teve contato com muitos falantes da língua geral e aprendeu esse idioma motivado, principalmente, pelo desejo de compreender e estudar as narrativas indígenas que eram veiculadas em nheengatu. Em 1876, foi publicada sua obra mais conhecida, O selvagem (MAGALHÃES, 1975), que, além de um estudo etnográfico das etnias do Brasil central, conta com um curso de língua geral e um con- junto de narrativas transcritas em nheengatu, com tradução interlinear para o português: Curso da língua geral segundo Ollendorf comprehendendo o texto original de lendas tupis. As len- das coligidas pelo general compuseram um trabalho pioneiro que inspiraria futuros estudiosos do nheengatu, além de repercutir nos estudos etnológicos e na literatura brasileira, tendo in- fluenciado Mario de Andrade e outros autores modernistas.

Para Altman (2012, p. 28), “foi Couto de Magalhães quem efetivamente concretizou, na emergente antropologia e linguística brasileiras, a observação direta como método de reco- lha de dados”. O general não indica as suas fontes, mas, segundo o linguista Gerald Taylor (1985, p. 3), “é evidente, pela variedade das formas atestadas, que recolheu material tanto no complexo Solimões Baixo-Amazonas quanto no Rio Negro”. A popularização do termo nheengatu com referência à LGA é, segundo Edelweiss (1969, p. 198), fruto da obra de Magalhães.

21 O geólogo Charles Frederick Hartt perceberia, na década de 1870, que a língua descrita por Faria divergia

consideravelmente da que ele ouvira em uso no Baixo Amazonas: “O Coronel Faria, de Óbidos, publicou em 1858 um folheto de 28 pp., intitulado Compêndio da Língua Brasileira, escrito para uso do mesmo Seminário; mas é curioso que se baseie num dialeto falado no alto Rio-Negro, muito diferente da Língua geral, como é pròpriamente chamada, e não intelegível no Amazonas. Êsse compêndio, inseguro sob vários respeitos, mostra, contudo, que aquêle dialécto conserva algumas formas importantes da estrutura do velho Tupí, do tempo em que se tornou absoluto no Amazonas” (HARTT, 1938, p. 309, grifo do autor).

2.1.2.5 Charles Frederick Hartt (1840-1878)

O geólogo Canadense Charles Frederick Hartt foi aluno do naturalista Louis Agassiz, com quem veio ao Brasil pela primeira vez numa expedição científica realizada em 1865. Hartt voltaria ao Brasil por várias vezes até sua morte em 1878, período no qual coletou di- versos dados sobre a terra e as pessoas do país, contribuindo assim para estudos de diversas áreas. Entre muitos assuntos, ele se interessou pela língua geral, aproveitando viagens pelo Pará para estudar e registrar o idioma junto a falantes nativos. Em 1872, suas Notes on the lingoa geral, or modern tupi of the Amazonas (HARTT, 1872) foram publicadas no periódico americano Transactions of the American Philological Association (TAPA), trabalho que seria publicado em português apenas em 1938, pelos anais da Biblioteca Nacional, sob o título No- tas sobre a língua geral ou tupi moderno do Amazonas (HARTT, 1938). A versão em portu- guês, no entanto, não é uma tradução integral do trabalho de 1872, pois carece, por um lado, de parte daquele estudo e possui, por outro, material até então inédito: a primeira publicação traz a transcrição de uma lenda em nheengatu com tradução interlinear para o inglês – Wará oŋanáŋ karaúŋ (the íbis cheats the night-hawk) – e breves comparações da língua geral com os idiomas mundurucu e maué, ausentes da publicação em língua portuguesa. Esta, por sua vez, conta com uma coletânea de frases e com uma conversação, transcritas em língua geral e acompanhadas de suas traduções para o português, que não saíram na primeira publicação.

As publicações de Hartt registram variantes dialetais do nheengatu que eram então veiculadas no Baixo Amazonas – nas cercanias, por exemplo, de Santarém e Monte Alegre. O geólogo coletou vocábulos e frases por meio da observação direta, com o auxílio de falantes nativos e interpretes:

Logo que me tornei um pouco familiar com a linguagem, tomei dos lábios dos nativos centenas de frases para ilustrar a estrutura da língua; finalmente, habituei dois de meus guias a ditarem diálogos, histórias, lendas, fábulas, etc. Tudo era escrito exatamente como era ditado e cuidadosamente corrigi- do com o auxílio do nativo uma e mais vezes (HARTT, 1938, pp. 309-10).

2.1.2.6 Pedro Luís Simpson (1840-1892)

O Major Pedro Luís Simpson, também grafado Pedro Luiz Sympson, nasceu na atual cidade de Manaus. Filho do diretor de índios do Juruá, ele não só aprendeu a falar fluente- mente a língua mas também recebeu educação formal sobre ela durante seus estudos no semi-

nário de Belém, onde seu ensino foi obrigatório entre 1851 e 1863 (FREIRE, 2011, p. 101). Posteriormente, compôs uma gramática do idioma, cuja primeira publicação deu-se em 1877, sob o título Grammatica da língua brasílica geral, fallada pelos aborigenes das províncias do Pará e Amazonas. A obra teve o título original alterado nas demais edições, que somam seis até o presente, nas quais há também menção aos nomes tupi e nheengatu. Simpson é também o autor de um dicionário inédito do nheengatu, com mais de 10 mil vocábulos (FREIRE, 2011, p. 101).

2.1.2.7 João Barbosa Rodrigues (1842-1909)

Nascido em Minas Gerais, Barbosa Rodrigues estudou e lecionou no Rio de Janeiro. Foi comissário do governo na exploração do Rio Amazonas entre 1872 e 1875 e, a partir de 1883, passou a residir em Manaus, onde dirigiu por sete anos o Museu Botânico da cidade. Rodrigues aprendeu o nheengatu e coletou narrativas orais e cantigas nessa língua, publicando-as com tradução interlinear ao português, seguidas de tradução livre, no clássico Poranduba amazonense (RODRIGUES, 1890), cuja primeira edição saiu em 1890. Nessa obra, o autor segue a tendência das coletas mediante observação direta, na esteira de autores como Hartt e Couto de Magalhães, mas, ao contrário do general, indica os rios ou povoações nos quais ouviu os textos que integram cada um de seus registros. As procedências do material coligido são diversas, o que mostra a dispersão de falantes que a língua ainda possuía por uma vasta área: Rio Negro, Rio Branco, Rio Solimões, Rio Purus, Rio Juruá, Rio Madeira, Rio Tapajós etc. Em 1892, Rodrigues publicaria ainda o Vocabulario indígena comparado para mostrar a adulteração da língua (RODRIGUES, 1892), que, assim como a Poranduba, integrou o corpus de nossa pesquisa lexical.

2.1.2.8 Dom José Lourenço da Costa Aguiar (1847-1905)

Primeiro Bispo da Diocese do Amazonas, cargo que ocupou de 1893 a 1905, Dom Costa Aguiar compôs uma doutrina cristã bilíngue em português e nheengatu, Christu muhençaua – doutrina christã (AGUIAR, 1898), publicada em 1898 para servir como material de apoio nos trabalhos de conversão e catequese das populações indígenas e ribeirinhas da Amazônia. O bispo entendia que o conhecimento da língua poderia facilitar os

propósitos da igreja de incorporação da população amazônica marginal, visto que, em suas visitas pastorais, verificou “que famílias inteiras, e por vezes numerosos grupos dellas assim como de aborigenes mansos em vasta proporção só conhecem o nhihingatú” (AGUIAR, 1898, p. 9). Composta de acordo com a fala dos que habitavam as margens do Solimões, Dom Aguiar aventava a necessidade de se “reformar muito do que ora imprimimos, quiçá para a nossa própria Diocese, pois sabemos de muitas discrepâncias phonicas, que ocorrem no Rio Negro” (AGUIAR, 1898, p. 12). Não há notícias, entretanto, de outras publicações de sua Christu muhençaua.

2.1.2.9 Conde Ermanno Stradelli (1852-1926)

Nascido na Itália, de família nobre, veio ao Brasil pela primeira vez aos 27 anos, como membro da Reale Societá Geografica Italiana. No ano seguinte, viajou pelo Rio Purus e seus afluentes, depois pelo Rio Amazonas, pelo Rio Negro e por muitos outros rios amazônicos. Instalou-se definitivamente no Estado do Amazonas a partir de 1888, naturalizando-se brasi- leiro em 1893, após o que, foi nomeado promotor público. Trabalhou então nas cidades de Manaus, Lábrea e, finalmente, Tefé. Em 1923, com lepra, foi exonerado de seu cargo e inter- nado no leprosário de Umirizal, onde faleceria em 1926. Durante as décadas de vivência na Amazônia, o conde aprendeu o nheengatu e compôs o maior dicionário já publicado sobre o idioma. Seu Vocabulário português-nheengatu – nheengatu-português (STRADELLI, 2014) foi publicado postumamente, em 1929, pelo IHGB. É uma obra de fôlego, de caráter enciclo- pédico, que congrega informações muito valiosas sobre distintos aspectos culturais da Ama- zônia do século 19 e início do século 20, bem como da natureza local, observados pelo autor durante o longo período de experiências vividas na região. O trabalho contou com a importan- te colaboração do indígena Maximiano José Roberto, falante do nheengatu, cuja participação na coleta e organização de informações foi muito além da de um mero “informante” (BROTHERSTON; SÁ, 2014, p. 17). O dicionário recebeu uma nova edição em 2014, pela Editora Ateliê.

2.1.2.10 Antônio Brandão de Amorim (1865-1926)

Filho de um rico comerciante português radicado no Amazonas, Amorim nasceu em Manaus. Cursou boa parte de seus estudos em Portugal e, retornando ao Brasil, foi secretário de Barbosa Rodrigues no Museu Botânico da capital amazonense. Conhecedor do nheengatu, Amorim revisou e traduziu ao português um conjunto de lendas em nheengatu, as quais havi- am sido coligidas pelo indígena Maximiano José Roberto, a partir de narrativas orais que cir- culavam na região do Alto Rio Negro, sobretudo no Rio Uaupés. Maximiano José Roberto era descendente dos índios manáus, pelo lado paterno, e dos tarianas, pelo lado materno (FREIRE, 2011, p. 145), sendo o conjunto de lendas por ele coletado algo sui generis na his- tória das línguas indígenas brasileiras, haja vista a carência de textos escritos nesses idiomas pelos próprios nativos até meados do século 20.

Diferentemente das narrativas coletadas por autores como Couto de Magalhães, Hartt e Barbosa Rodrigues, que parecem ter transcrito palavra por palavra o que ouviam dos narra- dores nativos, as histórias escritas por Maximiano José Roberto apresentam uma linguagem mais elaborada e poética, que sugere um tratamento mais consciente e autoral com o texto. É bem possível que, para o registro de cada lenda, ele tenha ouvido mais de um narrador, elabo- rando posteriormente as versões escritas, com a intenção de criar textos coesos e esteticamen- te aprazíveis para os leitores. Apesar disso, como era de se esperar, as marcas de oralidade não são ausentes de seus textos. Entre as lendas escritas pelo indígena, há algumas narrativas longas, bem mais extensas do que a média das histórias transcritas em nheengatu por seus contemporâneos e predecessores. O Conde Ermanno Stradelli, que conhecia tanto Roberto como Amorim, referiu-se, em texto publicado como Nota preliminar de seu dicionário, às lendas que foram deixadas aos cuidados do último:

[...] a coleção de Lendas Indígenas recolhidas amoravelmente pelo meu anti- go companheiro de jornada na minha última viagem ao rio Uaupés, Max. J. Roberto, coordenadas, revistas e em grande parte traduzidas por um profun- do conhecedor do nheengatu, o sr. Antônio Amorim, a quem aquele saudoso amigo em boa hora as deixou [...] (STRADELLI, 2014, p. 41).

Em 1926, após a morte de Amorim, sua família publicou as lendas na revista do IHGB, em versão bilíngue, sob o título de Lendas em nheengatu e em português (AMORIM, 1987). O trabalho foi publicado apenas sob o nome de Brandão de Amorim, sem créditos à participação de Roberto. Em 1987, a obra foi republicada pelo Fundo Editorial – Associação Comercial do Amazonas.

2.1.2.11 Dom Frederico Benício de Sousa Costa (1875-1948)

Natural da Vila de Boim, às margens do Rio Tapajós, Frederico Costa foi o primeiro prelado de Santarém, ocupando o cargo entre 1904 e 1906, ano em que foi nomeado Bispo do Amazonas (FONSECA, 1996, pp. 81-82). Sucedia, então, a Dom Costa Aguiar, falecido em 1905, tornando-se, assim, o segundo bispo daquela diocese, cargo que ocuparia até a sua re- núncia em 1914. A exemplo de seu antecessor, Dom Frederico Costa percebeu a relevância do nheengatu para a comunicação com a população indígena e ribeirinha de sua diocese, sobre- tudo do Rio Negro. Assim ele narra suas primeiras impressões diante do contato com morado- res de Santa Isabel, no médio curso daquele rio: “Pela primeira vez sentimo-nos como que exilado dentro da nossa própria pátria; parecia-nos estar em outras terras, entre povos extra- nhos. Ouviamos falar ao redor e não entendíamos” (COSTA, 1909, p. 23).

Ele aproveitou as viagens pelo Rio Negro para travar contato com falantes e estudar a língua, o que lhe permitiu compor os Elementos necessários para aprender o nheengatu (COSTA, 1909):

E nossa preocupação d’então era aprender a lingua geral sem a qual, bem o percebemos immediatamente, inutil, infructifera, baldada seria a nossa via- gem. Procuramos, pois, desde esse momento pôr-nos em contato directo e immediato com o pessoal indigena que nos rodeava muito admirado e come- çamos a tomar nossos apontamentos (COSTA, 1909, p. 23).

Além de breves explicações gramaticais sobre o idioma amazônico e um vocabulário nheengatu → português, português → nheengatu, seu trabalho contém versões em língua ge- ral de algumas orações cristãs, de duas breves narrativas religiosas – uma sobre a vida de São Cristóvão e outra sobre a vida de Jesus Cristo – e da lenda da cigarra e da formiga. Traz, ain- da, um manual em formato bilíngue, nheengatu → português, que prescreve como se devem celebrar os casamentos na ausência de um padre: Mahie ia-munhan quau mendariçaua ti ra- mé ahiqué pahy - modo de celebrar cazamento na auzencia do padre.

Os escritos de dom Frederico Costa, segundo o próprio autor, registram e descrevem unicamente a variante do nheengatu veiculada no Rio Negro:

Meu trabalho é unica e exclusivamente para o Rio Negro. Muito folgarei si alguma utilidade tiver tambem para o Solimões e outros logares onde se falla o Nheengatú; porém como sei que ha variantes notabilíssimas, declaro que tudo quanto disser e escrever refere-se unica e exclusivamente ao que ouvi e aprendi no Rio Negro (COSTA, 1909, p. 156).

2.1.2.12 Constantino Tastevin (1890-1962)

Nascido na Bretanha em 1890, Constantino Tastevin foi missionário na Amazônia. Residiu muitos anos em Tefé, onde se dedicou aos estudos sobre o nheengatu, descrevendo e registrando a língua tal como era falada no Solimões. Ele compôs uma gramática e um dicio- nário do nheengatu, trabalhos escritos em francês e publicados conjuntamente em Viena no ano de 1910, sob o título La langue tapïhïya – dite tupï ou ñeengatu (belle langue). A obra foi publicada em português no ano de 1923, com o título de Grammatica da lingua tupy (TASTEVIN, 1923). Tastevin teceu alguns comentários sobre sua tradução ao português:

Reformei ligeiramente o Prefacio onde exponho novos conceitos sobre a na- ção dos Tapihiyas, e também não me obriguei a traduzir ao pé da letra a edi- ção franceza da Grammatica. Porém nos seus pontos essenciais a obra é a mesma, e as ideias propugnadas sustentam-se aqui com a mesma convicção [...] (TASTEVIN, 1923, p. 537).

Para Edelweiss (1969, p. 191) o estudo de Tastevin “é o melhor compêndio do tupi mo- derno, ainda que perigoso em muitos dos seus ensinamentos e apreciações”. A ressalva do filó- logo refere-se, sobretudo, às confusões que o autor francês fazia entre o nheengatu e o tupi anti- go, pois parecia acreditar que a língua que descrevia no século 20 era a mesma que os jesuítas