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Para a tarefa de harmonização teórica, feita através da inclusão de referenciais externos à ADf, que representam a dimensão cultural e são necessários para análise e interpretação do fenômeno destacado, um conceito se mostrou crucial: a noção de reflexividade, a qual pode ser empregada tanto para a caracterização da sociedade atual e compreensão do contexto macro em que o fenômeno está circunscrito socialmente, como para caracterizar um processo cognitivo individual dos sujeitos, que refletem sobre seus pensamentos e ações.

O enfoque macrossocial desta noção construímos a partir da perspectiva epistemológica estruturalista proposta pelos sociólogos Anthony Giddens, Scott Lash e Ulrich Beck, os quais se dedicam ao estudo da modernização reflexiva. Por sua vez, para o entendimento dos impactos e desdobramentos individuais (microssociais) da reflexividade e do seu funcionamento, experimentados pelos sujeitos desta pesquisa, encontramos lastro através do enfoque epistemológico pós- estruturalista proposto por Donald Schon, que discute as características atuais dos profissionais reflexivos a partir da emergência de suas práticas profissionais para responder aos improvisos e desafios do trabalho.

Portanto, a nossa compreensão do conceito de reflexividade está no “entre- meio” de uma concepção sociológica estruturalista da sociedade, segundo a qual o aprofundamento da racionalidade a conduziu para um estágio de modernização reflexiva, ao lado de uma concepção pós-estruturalista da reflexividade profissional dos sujeitos dessa mesma sociedade, através da qual os profissionais questionam a validade dos seus fundamentos epistemológicos. Neste segundo enfoque, Donald Schon (2000) afirma que a segurança outrora atribuída à previsibilidade do conhecimento científico, oferecido durante a formação, passa a ser – gradativamente – substituído pelo saber que é construído através da prática profissional, a partir da emergência dos acontecimentos e dilemas enfrentados no exercício da profissão (epistemologia da prática profissional), os quais serão combinados com os conhecimentos científicos assimilados durante a formação, para a constituição da identidade e estatuto epistemológico da profissã dos sujeitos.

Identificamos nesta afirmação de Schon sobre a reflexividade, as características do pensamento pós-estruturalista e, quando complementamos à perspectiva estruturalista de Giddens, Lash e Beck, formulamos o “quadro teórico” para a compreensão da reflexividade sócio-profissional constituída pela estrutura e acontecimento, fundamentada por interpelações sociais, pelos improvisos e posicionamentos dos sujeitos frente aos constrangimentos do seu ambiente de trabalho, visão que converge com a nossa concepção sobre o discurso.

Semelhantemente ao enfoque assumido na nossa concepção sobre discurso na ADf, acreditamos que essas perspectivas contraditórias da reflexividade não se anulam nem são incompatíveis, antes, reconciliam-se e complementam o enfoque através do qual interpretamos o fenômeno: acreditamos que a sociedade em que os fatos se inscrevem é marcada por uma dimensão racional, de planejamento e previsibilidade científica, a qual é simultaneamente “perturbada” por acontecimentos e acidentes não previstos na vivência dos sujeitos, que também operam numa epistemologia da prática.

Demonstraremos melhor esta afirmação, a partir de dois exemplos encontrados no trabalho de campo, os quais foram descritos e interpretados no capítulo cinco, na segunda análise realizada: por enquanto, seguiremos formulando esse conceito, utilizando apenas algumas metáforas, como no parágrafo seguinte, para exemplificar o que estamos propondo teoricamente.

A relação entre reflexividade macro e micro, marcada pela estrutura e acontecimento, também, está presente em outros campos, a exemplo do esportivo: o futebol é uma boa metáfora dela, pois a existência de uma previsibilidade racional (estrutura) no planejamento, treinamentos táticos, diagnósticos médicos, exercícios físicos e uso de estatísticas dos jogos na gestão do futebol não dão conta dos acontecimentos que emergem em cada partida, tais como as bolas nas traves, o talento e genialidade individual de um atleta, o drible, o erro do juiz, entre outros. Como explicar a goleada sofrida pela seleção brasileira na semifinal da Copa do Mundo no Brasil em 2014 contra a Alemanha? Um exército de jornalistas, comentaristas, cronistas e especialistas se dedicaram a explicar o jogo, os problemas da gestão do futebol brasileiro, a qualidade do gramado e a estrutura emocional dos jogadores. Contudo, esse é mais um exemplo de como apenas a estrutura não tem capacidade para prever a realidade, tampouco, observar apenas o

acontecimento, o detalhe ou o devir da partida não é a chave para essa leitura: são duas dimensões que, quando conciliadas e complementadas, fornecem pistas e referenciais importantes para a compreensão da realidade que estamos estudando, que é caracterizada pela confluência da reflexividade em suas duas dimensões, as quais são constituídas tanto pela estrutura quanto pelo acontecimento.

Sendo assim, o contexto social em que este estudo se situa é o de uma sociedade caracterizada pela modernização reflexiva (GIDDENS; BECK; LASH, 1995), a qual demanda a presença de profissionais reflexivos (SCHON, 2000), fruto de uma racionalidade social que interpela e constrange seus membros para responder constantemente aos improvisos, acidentes e demandas contemporâneas: algumas reflexões e construções que o sujeito realiza nesse processo, para se posicionar e agir, podem ser encontradas nas produções discursivas realizadas durante a sua atuação profissional.

Dessa forma, destacamos inicialmente que percebemos um fluxo dinâmico e uma interdependência causal entre a passagem da reflexividade microssocial e macrossocial na vida dos sujeitos, visto que estes interagem cotidianamente com as instituições em que atuam: instituições que são constituídas através de uma coletividade humana que interpela, constrange, media, influencia ou determina, em alguma medida, as condutas, expectativas e posicionamentos adotados no nível microssocial, pessoal.

Compreender esse processo, com toda sua complexidade e diversidade de visões entre sociólogos e psicólogos, não faz parte do escopo deste estudo: embora transitemos por noções e conceitos da psicologia e sociologia, não é nosso foco resolver tensões existentes entre as diversas escolas desses campos, cuja tarefa teórica exigiria mais do que é possível fazer no período de um trabalho de tese e extrapolaria os limites de nossa abordagem, a qual se interessa mais especificamente pelo impacto que essa reflexividade micro e macro promove nas formações discursivas dos sujeitos na EC.

Como ponto de partida, para a discussão e explicitação de nossa compreensão da noção de reflexidade, tomaremos a noção de reflexividade social que (GIDDENS; BECK; LASH, 1995) desenvolveram para caracterizar a sociedade contemporânea, inclusive compartilhando suas perspectivas em uma obra escrita colaborativamente, denominada “Modernização Reflexiva”, na qual discutem esse fenômeno social, a

partir do enfoque dado a diferentes elementos, tais como a tradição, cultura, economia e política.

Ao se debruçarem sobre as características da sociedade contemporânea, buscando diagnosticar as mudanças e crises experimentadas pela modernidade, esses autores convencionaram chamar o cenário encontrado na sociedade atual de “Modernização Reflexiva”, embora cada um deles tenha destacado elementos e perspectivas diversificadas para descrever as configurações sociais encontradas, as quais vão além do campo do conhecimento epistemológico, pois falar de uma sociedade caracterizada pela modernização reflexiva, na qual situamos nosso objeto de pesquisa, é falar de um período histórico, uma época (éthos social) com suas singularidades na economia, política, tradição e temporalidade.

Começaremos por Giddens, o qual já havia proposto a noção de Modernidade Tardia em suas primeiras produções individuais, para caracterizar as transformações sociais que distinguem o momento histórico atual da Modernidade: o autor enfatiza, em suas análises, as mudanças sociais nas áreas da cultura e tradição com seus desdobramentos sócio-cognitivos, visto que para ele existe hoje uma “extraordinária – e acelerada – relação entre as decisões do dia a dia e os resultados globais, juntamente com seu reverso, a influência das ordens globais sobre a vida individual” (GIDDENS, 1995 p. 92). Para Giddens, o ideal do iluminismo, de quanto mais conhecimento, mais controle sobre a vida social, que seria capaz de transformar o mundo numa experiência previsível, uma “jaula de ferro” prevista por Weber, foi frustrado e nos colocou num cenário de incertezas e riscos que não foram previstos pelas teorias passadas, isto tudo aconteceu não apesar do conhecimento construído, antes, por conta dele. A dissolução de muitos aspectos das tradições culturais, aliada ao encurtamento das distâncias e conexões proliferadas pela globalização, tornou possível a “penetração das instituições modernas nos acontecimentos da vida cotidiana. Não apenas a comunidade local, mas as características íntimas da vida pessoal e do eu tornam-se interligadas” (idem, p.94).

Diferente do enfoque dado por Giddens aos aspectos sócio-cognitivos desta nova configuração social, Beck se debruça sobre as transformações da política e subpolítica, deste mesmo fenômeno de mudança social. De acordo com este autor, estamos presenciando a transição de dois modelos sociais:

Um mundo duplo está adquirindo vida, e uma parte dele não pode ser representada na outra: um mundo caótico de conflitos, jogos de poder, instrumentos e arenas que pertencem a duas épocas diferentes, aquela do “não ambíguo” e aquela da modernidade “ambivalente”. (BECK, 1995, p. 35).

Ulrich Beck destaca a transformação de uma sociedade moderna, com os resquícios da estrutura industrial, linear, “não ambígua”, para uma sociedade de risco, autoconfrontada com os problemas gerados pelo aprofundamento da modernização; para ele, modernização reflexiva significa “autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema da sociedade industrial” (idem, p. 18). Ainda de acordo com Beck, este paradoxo social desemboca na dimensão política, visto que “as formas de envolvimento político, protesto e retirada misturam-se em uma ambivalência que desafia as velhas categorias de clareza política” (idem 41). A tomada das ruas, em todo Brasil, pelos movimentos sociais em junho de 2013, com múltiplas bandeiras e sem uma liderança centralizada ou a representação de partidos políticos, pode ser um exemplo elucidativo desta nova organização e mobilização política emergente a que o autor se refere.

Por sua vez, Scott Lash destaca a estetização e customização da economia, a qual desenvolveu os sistemas produtivos que se organizaram para produções em escalas mais flexíveis, cujos reflexos vão ser percebidos nas mudanças das “novas” classes sociais (LASH, 1995 p. 198):

Na modernidade reflexiva, as coisas são diferentes. A classe trabalhadora e a produção de bens fabricados transformam-se em um momento crucial, ainda que subordinados à rotatividade da produção de bens informacionais. À medida que a produção de bens informacionais vai se tornando o novo princípio fundamental do acúmulo de capital, é criada a (nova) classe média.

De acordo com Lash, a mudança da produção industrial para a produção informacional gerou uma nova classe social que é ainda menos favorecida e estruturada que a classe trabalhadora da modernidade; vale frisar, que o poder outrora vinculado ao capital migrou para o complexo poder/conhecimento que esta produção baseada na informação promoveu. Segundo ele, a noção de modernização reflexiva está sustentada na tese de “uma libertação progressiva da

ação em relação à estrutura” (idem, p.181), na qual os agentes sociais experimentam uma crescente autonomia dos sistemas rígidos sociais.

Há, nesta obra coletiva desses três sociólogos, muitos pontos de convergência e intersecção que as suas pesquisas e análises encontraram sobre a sociedade atual e a configuração alcançada pela modernização reflexiva, entre os quais destaco dois: que a modernização reflexiva constitui uma época de transição, na qual muitas certezas, referenciais e expectativas da modernidade foram superadas, abandonadas, frustradas; e que ela representa o produto da modernização da modernização. É importante destacar, que não há um consenso ou uma definição precisa desse fenômeno na descrição desses autores, os quais divergem sobre suas causas e consequências futuras, enfim, em que direção nosso mundo segue com o seu aprofundamento: um debate interessante, mas que fugiria ao nosso escopo.

Um dos principais pontos de convergência entre os teóricos da reflexividade social, incluindo aí outros autores que se dedicam ao estudo das novas configurações sociais e que acreditam na superação do modelo constituído na modernidade, tais como Bauman (2007), com sua noção de sociedade líquida; Lahire (2003), com sua aposta no homem plural; Dubar (2009), com o diagnóstico da crise das identidades, entre outros, é que o mundo no qual vivemos hoje não foi previsto pelos teóricos do iluminismo e pelos sociólogos do passado: dentro daquela perspectiva epistemológica estruturalista, principal e hegemônica visão científica da modernidade do século passado, esperava-se um desdobramento lógico e linear para a sociedade, pois, naquele paradigma, quanto mais o mundo fosse conhecido (nesse caso, especificamente, refiro-me ao mundo social), mais eficazmente poderia ser controlado e dirigido para alcançar e realizar os fins desejados, porém, a realidade se mostrou muito mais complexa do que essa visão científica conseguiu prever, promovendo muito mais riscos e incertezas do que se podia imaginar: perigos, problemas e descontroles foram produzidos pelo desenvolvimento do conhecimento humano racional, científico e tecnológico – um acontecimento inesperado e imprevisto que frustrou o ideário iluminista e colocou em “xeque” os pressupostos estruturalistas de que mais conhecimento produz mais controle e mais segurança. Nesse ponto, a leitura e descrição que Giddens, Beck e Lash fazem da sociedade contemporânea se aproxima do nosso pressuposto epistemológico, de que só a racionalidade, sem considerar os imprevistos trazidos pelos

acontecimentos, não é capaz de dar conta da complexidade da nossa realidade social, ou seja, a previsibilidade estruturalista de que o aumento do conhecimento possibilitaria o aumento do controle da vida social foi surpreendida por um oposto ao que era esperado, o conhecimento trouxe mais dúvidas do que certezas.

É também a partir desse pressuposto da modernidade, sustentado na crença de que com o avanço do conhecimento científico seria possível proporcionar uma libertação progressiva da ação humana em relação às rígidas estruturas sociais, que foi disseminada e consolidada a ideologia da flexibilização da produção em massa no setor produtivo, visto que a especialização do consumo exigiu modelos mais flexíveis de produção, os quais, por sua vez, exigem a inovação constante das empresas; vejamos a proposição de Scott Lash sobre esse ponto (LASH, 1995, p. 181):

O consumo especializado estimula as empresas, por um lado, a produzir quantidades menores de um determinado produto e, por outro, a ampliar a série de produtos apresentados. Para que isso seja possível, as empresas e os trabalhadores das empresas devem inovar muito mais rapidamente. E essa inovação sempre mais rápida é uma questão muito maior do que apenas flexibilidade.

Percebemos, através dessa interpretação da sociedade, a explicação que a noção de modernização reflexiva oferece ao processo de especialização do consumo, com a sua demanda por inovação permanente nas empresas para atender a crescente procura por processos e produtos novos e diversificados, uma argumentação convincente para explicar o crescimento vertiginoso de iniciativas de gestão do conhecimento e da aprendizagem organizacional vivenciado no interior das corporações, no qual as estruturações de unidades de educação estão inseridas. Essa é uma leitura capaz de explicar a emergência da inovação como a palavra de ordem e a sua unanimidade nas mais diversas organizações, que ingressaram na corrida pela flexibilização da produção, sustentada pela formação continuada de sua força de trabalho.

Dentro de tal cenário, as antigas estruturas rígidas sociais e a diferenciação que a posse do capital oferecia começaram a perder valor em detrimento da ascensão das complexas redes globais e locais de informação e comunicação, combustíveis da almejada inovação, que na outra ponta forjava o surgimento de milhões de subempregos, massificando o desemprego – com a crescente falência

do setor industrial – e proporcionando o surgimento dos trabalhadores “perdedores da reflexividade” ao lado dos “vencedores da reflexividade” (idem, p. 182), ou seja, aqueles profissionais que conseguiram ampliar suas competências e atualizar suas empregabilidades se mantiveram no mercado de trabalho, enquanto os que não obtiveram êxito neste processo ficaram desempregados, com subempregos ou ingressaram na economia informal – alijados da proteção social do Estado.

Nessa nova configuração social, o sucesso é definido pela capacidade de alcançar as poucas oportunidades que se deslocaram do acesso ao capital produtivo para o acesso das novas (e escassas) estruturas emergentes de informação e comunicação, pois a acumulação de capital passou a ser, cada vez mais, acumulação de informação, numa mudança do paradigma industrial para o informacional, interpretação também realizada por Castells (2001).

Chamando a atenção para o aspecto ambivalente que essa modernidade reflexiva carrega, Ulrich Beck crítica uma visão demasiadamente otimista dela:

A teoria cognitiva da modernização reflexiva é, em seu âmago, otimista – mais reflexão, mais especialistas, mais ciência, mais esfera pública, mais autoconsciência e autocrítica vão abrir novas e melhores possibilidades para a ação em um mundo que está desarticulado. Este otimismo não é compartilhado pela teoria da reflexividade da modernidade. (BECK, 1995 p. 263).

Embora Ulrich Beck concorde que o processo de modernização reflexiva possa conduzir a uma maior capacidade de reflexão social, na qual os sujeitos poderão analisar mais criticamente a sua inserção nessa sociedade, ele ressalta que isso não significa que vá ocorrer de fato: visão que subscrevemos; nesse ponto, ele propôs uma distinção entre reflexão, que está ligada ao conhecimento, e a reflexividade, relacionada à “autoconfrontação”, autodissolução ou autorrisco não intencional, em que a sociedade se torna um tema e um problema para ela própria, entrando em contradição pelo reflexo provocado pelos efeitos colaterais de seu desenvolvimento. Essa ambivalência, constituída pela coexistência de perspectivas positivas e negativas, simultaneamente, fornece a chave para entendermos este conceito em suas duas dimensões: quando a reflexividade está relacionada a um fenômeno individual, ela toma a forma de um produto, um momento que é plasmado na atividade psíquica dos sujeitos, uma reflexão sobre seus pensamentos e ações, visão que vai ao encontro da proposta de Schon – desenvolvida mais adiante.

Do outro lado, quando esta reflexividade está relacionada a um fenômeno social, ao percurso de uma ação coletiva, ela é o processo que provoca os sujeitos, os quais podem ou não refletir sobre os efeitos da ação que lhes interpela, mesmo que não tenham controle algum sobre ela: de qualquer forma, a reflexividade social estimula a individual e vice-versa numa contínua influência recíproca; é no interior deste processo que os sujeitos elaboram seus discursos, assumem formações discursivas e interpretam a realidade em que trabalham, a partir da tradução deste mundo vivido para um domínio simbólico, através da linguagem: o discurso é o efeito de sentidos permutados entre as dimensões individuais e coletivas dessas práticas sociais que o produz.

Para Beck, essa ambivalência pós-moderna se traduz na luta pelo controle e ordem ao lado do caos e dos riscos crescentes, fazendo emergir um mundo duplo de duas épocas históricas diferentes: a industrial e a informacional em que os sujeitos vivem hoje, por exemplo, um mundo que exige, de um lado, uma escolarização e validação acadêmica para o ingresso no mercado de trabalho, mas que, ao mesmo tempo, questiona o valor e validade do conhecimento produzido pelas instituições de ensino, cuja consolidação da epistemologia da prática nos ambientes profissionais atesta, a qual valoriza o saber construído no processo de trabalho em detrimento da formação escolar.

Por sua vez, Anthony Giddens aponta para outra ambivalência da sociedade reflexiva: a sua construção e destruição da tradição, sendo que ela se apoia inicialmente numa herança para alterá-la em seguida:

A modernidade destrói a tradição. Entretanto (e isto é muito importante) uma colaboração entre modernidade e tradição foi crucial às primeiras fases do desenvolvimento social moderno – período em que o risco era calculável em relação às influências externas. (GIDDENS, 1995 p. 142).

Nessa perspectiva, a tradição esteve inicialmente a serviço dos fins da modernidade, legitimando as novas estruturas e sistemas de poder emergentes: um exemplo elucidativo disso, em nosso estudo, é a apropriação de diversos elementos e rituais escolares que as corporações estão reproduzindo nas suas unidades de educação corporativa, tais como a implantação de projetos pedagógicos, currículos corporativos e arquitetura das salas de aula para, em seguida, afirmar que a

educação corporativa surgiu porque a escola não conseguia mais dar conta das demandas produtivas contemporâneas (MEISTER, 1999; EBOLI,2004).

É justamente nesse contexto social, delineado pelos três autores, no qual a necessidade de preparar os profissionais para que sejam capazes de inovar e atuar com flexibilidade e competência em seus postos de trabalho, que presenciamos a emergência de uma classe trabalhadora mais “reflexiva” em detrimento do proletariado clássico “Fordista”. Contexto no qual os sujeitos se constituem através de processos de aprendizagem formal e informal, as quais implicam complexas interações discursivas e não mais a simples adesão aos rígidos papéis sociais do mundo industrial. Hoje, o acesso às informações e as formações ganharam destaque no interior das corporações, que demandam uma maior presença de profissionais com capacidade para conduzir essas atividades, tais como os