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A revolução acreana continuaria, entretanto, com a constituição da chamada expedição Floriano Peixoto. Em Manaus, José Maria dos Santos e Efigênio de Sales aprisionam a lancha Alonso, a serviço do governo boliviano, em seguida renomeada Ruy Barbosa (BRASIL, 1900), e prendem sua guarnição. Com o apoio do governador do Amazonas, Silvério Neri, a expedição recebeu os navios Mucuripe e o Solimões e seguiu rumo a Caquetá (COSTA, 2005; RICARDO, 1954; SILVA, 2003).

Sob o comando do engenheiro civil Orlando Correia Lopes27, a expedição era

composta por cerca de sessenta homens, entre eles Rodrigo de Carvalho, Epaminondas Jácome, Deoclécio Coelho de Souza, Perí Delamare, Vitor Francisco Gonçalves, Trajano Chacon, Armando Vieira Machado e Gentil Norberto (BRASIL, 1900; COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

Precedida por uma grande reunião no edifício da Intendência Municipal de Manaus, com a presença de autoridades estaduais e distintos revolucionários do Acre, em fins de 1900, partiam as embarcações Solimões, Mucuripe e Ruy Barbosa rio acima com o objetivo de expulsar os invasores bolivianos (COSTA, 2005; FROTA, 2000).

A expedição realizou um bloqueio “no intuito de impedir conducção de material de guerra e de boca para os Bolivianos” (BRASIL, 1900, p. 25) para posteriormente seguir para Porto Alonso. Nessa operação teria sido necessário, inclusive, o disparo de tiros de advertência a dois navios que desobedeceram ao bloqueio (BRASIL, 1900).

Chegando a Caquetá, a expedição, ocupou-se mais com o aspecto político da situação, figurando-se uma nítida hostilidade entre Gentil Norberto e Rodrigo de Carvalho. Craveiro Costa (2005, p. 127) escreve que a expedição dispunha de “sincera exaltação patriótica”, mas estaria permeada por “interesses pessoais de alguns”. Composta primariamente por “poetas e letrados”28, a expedição carecia de coesão, disciplina e obediência ao comando militar, cada

qual dos “poetas” concebendo um plano de guerra diferente, na maioria das vezes discordantes entre si (COSTA, 2005).

A expedição displicentemente ignorou a mobilização que paralela e espontaneamente se organizava nos seringais. Os acreanos, enquanto “os poetas” moviam-se lentamente,

27 Cláudio de Araújo Lima (1952 apud RICARDO, 1954), relembra que o comando da expedição foi oferecido à

Plácido de Castro, mas este viu-se impossibilitado de aceitá-lo por seu estado de saúde.

28 Gentil Norberto, por exemplo, era engenheiro civil; Dr. Epaminondas Jácome e Dr. Vitor Francisco Gonçalves

eram políticos e futuros governadores do Acre e do Amazonas, respectivamente; enquanto Trajano Chacon era jornalista.

persistiam nas escaramuças e emboscadas buscando a desorganização militar boliviana. Na localidade de Bagaço, J. Xavier reuniu um grupo de revoltosos em posições fortificadas; em Volta da Empresa, Alexandrino Silva havia organizado um batalhão, o Luis Gálvez; e Luiz Caldas, em Bom Destino, comandava cerca de cem homens, preparados para atacar as posições bolivianas (COSTA, 2005). A tudo isso passaram despercebidos os poetas.

Na tentativa de harmonizar as rivalidades pela liderança da revolução, foi criada uma Junta Governativa, composta por Rodrigo de Carvalho, Gentil Norberto e Joaquim Vitor. Nas palavras de Craveiro Costa (2005, p. 128), “o acordo que a prudência aconselhava como meio de ordenar todos aqueles elementos heterogêneos falhou. Todos mandavam. Era a desordem.”

Desse modo, Gentil Norberto – mesmo depois de Rodrigo de Carvalho tentar persuadi-lo do contrário – organizou o ataque às posições bolivianas com Orlando Lopes, que dispunha de um canhão e uma metralhadora, cedidos pelo governo do Amazonas. Dispondo apenas de 132 homens e sem um planejamento de ataque consistente, a expedição assaltou as posições defensivas bolivianas e foi, brevemente, destroçada pelo oponente. A expedição se dispersou de maneira desorganizada, deixando para trás armamento e munição, inclusive o canhão, que seriam úteis para os bolivianos (COSTA, 2005).

Diante de seu expresso fracasso, a expedição acabou por ficar conhecida como a “expedição dos poetas”, conforme explica Cassiano Ricardo (1954, p. 121), por ser “‘Floriano’ nos intuitos, mas ‘de poetas’ no idealismo”.

A indignação de Rodrigo de Carvalho (apud COSTA, 2005, p. 127-129) pode ser verificada em seu julgamento da expedição planejada por Gentil Norberto, “de indomável bravura acompanhada de muita criançada e falta de bom senso”, e outros “ilustres generais […] mais idiotas do que […] julgava”. O próprio comandante militar da expedição, Orlando Lopes, desiludido, renunciava de seu posto de general, conforme registra Craveiro Costa (2005, p. 129):

[…] quanto à minha demissão do comando das forças expedicionárias, não vejo que ela possa influir na vitória da nossa causa; botando de parte a modéstia, me acho incapaz de ser comandante, sem ter comandados que me acompanhem. […] irrevogavelmente não estou disposto a continuar no posto que vocês me designaram e insisto pela minha demissão, mesmo porque me considero demitido.

Aparentemente restabelecida a lei e a ordem no Acre às autoridades bolivianas, o delegado da Bolívia Andréa Muñoz abrandou os antigos rigores (COSTA, 2005), decretou a anistia aos revoltosos e suspendeu “o estado de sítio no território Nacional das Colônias”, afirmando que “todos os acreanos encontrarão segurança nas leis da Bolívia” (RICARDO, 1954, v. 1, p. 121-122).

Cabe aqui ressaltar que o governo brasileiro, tão logo ciente da expedição, resolveu, em decreto presidencial ao Ministério da Marinha, deter as embarcações e seus tripulantes para que cessassem o bloqueio ao Acre boliviano e que fossem julgados segundo as leis brasileiras. A intervenção brasileira, contudo, não se consolidou, uma vez que quando aportava em Manaus, a segunda revolução acreana já terminava com o decreto de Muñoz (BRASIL, 1900).

O clima de conciliação, experimentado por Muñoz, acabaria em abril de 1902, data da chegada de D. Lino Romero, novo delegado do território do Acre. Seguro do arrefecimento das revoltas acreanas, como consequência da derrota da expedição dos poetas, Romero iniciou uma administração mais ampla e firme no Territorio del Acre y Alto Purus (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

O novo delegado instaurou, além das taxas alfandegárias existentes, o imposto de capitação, de vinte mil réis em dinheiro ou dois dias de trabalhos públicos, e a exigência da medição e demarcação dos seringais. Esta última era sumária e tinha o prazo improrrogável de seis meses, passado esse período as propriedades “não dadas a registro seriam consideradas baldias ou devolutas e delas passaria a dispor a Bolívia, sem direito da mais leve oposição, embargos ou protestos. Era a espoliação” (COSTA, 2005, p. 115; RICARDO, 1954; SILVA, 2008).

Muitos dos seringais já haviam sido demarcados e tinham seus títulos de posse expedidos pelo governo do Amazonas, mas que nada valiam para a administração boliviana. Craveiro Costa (2005) registra a presença de Antônio G. Fuladori, representando a Sociedad Gomera Boliviana, que percorria os seringais e povoados na intenção de comprar as terras “baldias ou devolutas”.

A pacificação havia de fato sido estabelecida em alguns povoados, como Riozinho e Porto Alonso, de populações predominantemente árabe e turca, atraídas pelas facilidades comerciais da região. Para estes o domínio boliviano não se discutia, mas o mesmo não se confirmava aos demais habitantes do Acre (COSTA, 2005). Gentil Norberto (apud RICARDO, 1954, v. 1, p. 122), “em nome dos verdadeiros revolucionários”, que se encontrava em Esperança, lavra um protesto dirigido a Andréa Muñoz:

O Acre é dos brasileiros, que foram os seus primeiros e únicos exploradores. O tratado de 1867, quer se considere o uti possidetis, quer interpretado tecnicamente, garante ao Brasil a posse desta região, que vós ambicionais porque não tendes saída para o Pacífico. […] Que culpa temos nós de que o Chile e o Peru se tenham apoderado dos vossos portos? […] O Acre é dos brasileiros e a revolução é o direito dos oprimidos.

Os brasileiros de Porto Alonso afastavam-se das autoridades bolivianas e concentravam-se principalmente em Caquetá e no curso inferior do Acre. A emigração foi percebida pela administração de Romero, que reforçava suas defesas, à espera de um novo levante acreano (COSTA, 2005).

O cônsul brasileiro Eduardo Octaviano recebeu, nesse sentido, um ofício de brasileiros que afirmava que os revoltosos teriam deposto suas armas apenas “provisoriamente, a fim de aguardar a decisão do […] governo”, e caso essa fosse desfavorável à causa acreana, “continuaremos a revolução e defenderemos os nossos direitos à força armada” (BRASIL, 1900, p. 27).

A agitação nos seringais, entretanto, não cessaria tão facilmente, de modo que a incapacidade do governo boliviano de assegurar a soberania sobre o território tornar-se-ia patente.