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De Ayacucho a Petrópolis: a interdependência entre diplomacia e ação militar durante a questão do Acre

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA HENRIQUE SINICIATO TERRA GARBINO

DE AYACUCHO A PETRÓPOLIS:

A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE DIPLOMACIA E AÇÃO MILITAR DURANTE A QUESTÃO DO ACRE

Palhoça – SC 2016

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HENRIQUE SINICIATO TERRA GARBINO

DE AYACUCHO A PETRÓPOLIS:

A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE DIPLOMACIA E AÇÃO MILITAR DURANTE A QUESTÃO DO ACRE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-Graduação em História Militar, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosa Beatriz Madruga Pinheiro

Palhoça – SC 2016

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HENRIQUE SINICIATO TERRA GARBINO

DE AYACUCHO A PETRÓPOLIS:

A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE DIPLOMACIA E AÇÃO MILITAR DURANTE A QUESTÃO DO ACRE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-Graduação em História Militar, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista.

Palhoça, 5 de setembro de 2016.

_______________________________________ Prof.ª Dr.ª e orientadora Rosa Beatriz Madruga Pinheiro

Universidade do Sul de Santa Catarina

________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos Carneiro de Paula

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DEDICATÓRIA

Aos militares e diplomatas que, muitas vezes mesmo sem a orientação necessária do poder político, continuamente se esforçam para defender e promover os interesses nacionais.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do curso de pós-graduação lato sensu em História Militar da Universidade do Sul de Santa Catarina, em especial à Prof.ª Rosa Beatriz Madruga Pinheiro, à Prof.ª Karla Leonora Darse Nunes, ao Prof. Fabian Costa Rodrigues e ao Prof. Luiz Carlos Carneiro de Paula, meus agradecimentos pela orientação e apoio prestados na elaboração deste trabalho.

Aos familiares e amigos que contribuíram com revisões, comentários e sugestões sobre esta pesquisa.

A todos os demais que, direta ou indiretamente, colaboraram para que este projeto fosse concluído.

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“As notícias do Acre estão chegando boas, e vejo que ele além de chanceler se fez comandante-em-chefe”

(Joaquim Nabuco em carta à Machado de Assis, 14 de fevereiro de 1903)

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RESUMO

GARBINO, Henrique Siniciato Terra. De Ayacucho a Petrópolis: a interdependência entre diplomacia e ação militar durante a Questão do Acre. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-graduação). Palhoça: Unisul, 2016.

No final do século XIX, grande parte da borracha comercializada no mundo era produzida nos seringais da bacia amazônica. A geração de empregos na região atraiu muitos nordestinos que sofriam com a seca e grande parte destes migrantes destinou-se ao território do Acre, que o governo brasileiro até 1903 reconhecia como boliviano. A ocupação do Acre pelos brasileiros, juntamente com ações diplomáticas equivocadas, gerou tensões entre Bolívia e Brasil. Este problema ficou historicamente conhecido como a Questão do Acre. Considerada neste trabalho como o período desde o Tratado de Ayacucho (1867) até o Tratado de Petrópolis (1903), a Questão do Acre oferece exemplos claros da interdependência entre diplomacia e ação militar, bem como da articulação, inicialmente equivocada, dessas duas ferramentas da política externa. Fundamentado na coleta de dados através de pesquisa bibliográfica, valendo-se de fontes valendo-secundárias e terciárias, e na análivalendo-se qualitativa dos dados, este trabalho propõe analisar a interdependência entre diplomacia e ação militar durante este período. Após considerar os diversos casos onde essa relação pôde ser evidenciada, conclui-se que a solução da Questão do Acre, materializada pelo Tratado de Petrópolis, pode ser atribuída à consciência dessa interdependência – tanto pelo Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores, como por Plácido de Castro, chefe militar da Terceira Revolução Acreana. Por fim, coloca-se em perspectiva o distanciamento histórico e corrente entre poder político, diplomacia e pensamento militar, prejudicando o exercício de uma política externa coerente e integrada.

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ABSTRACT

GARBINO, Henrique Siniciato Terra. From Ayacucho to Petrópolis: the interdependence between diplomacy and military action during the Acre Crisis. 2016. Postgraduate monograph. Palhoça: Unisul, 2016.

In the late nineteenth century, much of the rubber sold in the world was produced in the Amazon region. The generation of jobs in the region attracted many migrants from the Brazilian Northeast. Most of these migrants, who suffered from drought, moved to the Acre region, which until 1903 was recognized as Bolivian by the Brazilian government. The occupation of Acre by Brazilians, along with misguided diplomatic actions, generated a diplomatic tension between Bolivia and Brazil. This problem was historically known as the Acre Crisis. Considered in this work as the period ranging from the Treaty of Ayacucho (1867) to the Treaty of Petrópolis (1903), the Acre Crisis offers clear examples of the interdependence between diplomacy and military action, as well as the articulation of these two foreign policy tools, even though initially mistaken. Based on data collection through bibliographic research, drawing on secondary and tertiary sources, and qualitative analysis, this paper aims to examine the interdependence between diplomacy and military action during this period. After analyzing the many cases where this relationship could be demonstrated, it follows that the solution of the Acre Crisis, embodied by the Treaty of Petrópolis, can be attributed to the awareness of this interdependence – by both the Baron of Rio Branco, Minister of Foreign Affairs, and by Placido de Castro, military commander of the Third Acrean Revolution. Finally, it is put into perspective the historical and current distance between political power, diplomacy and military thinking, affecting the exercise of a coherent and integrated foreign policy.

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RESUMEN

GARBINO, Henrique Siniciato Terra. Desde Ayacucho a Petrópolis: la interdependence entre diplomacia y acción militar durante la Guerra del Acre. 2016. Monografía (posgrado). Palhoça: Unisul, 2016.

En el fin del siglo XIX, gran parte del caucho comercializado en el mundo era producido en los campos de árboles del caucho de la cuenca amazónica. La creación de empleos en esta región atrajo muchas personas de la región nordeste, que sufrían con la sequía, y gran parte de estos migrantes se destinaban al territorio del Acre, lo cual el gobierno brasileño hasta 1903 reconocía como boliviano. La ocupación de Acre por los brasileños, juntamente con acciones diplomáticas equivocadas, generó tensiones entre Bolivia y Brasil. Este problema quedó conocido históricamente como la Guerra del Acre. Considerada en este trabajo como el período desde el tratado de Ayacucho (1867) hasta el Tratado de Petrópolis (1903), la guerra del Acre ofrece ejemplos claros de la interdependencia entre diplomacia y acción militar, y también de la articulación, inicialmente equivocada, de estas dos herramientas de la política exterior. Fundamentado en la recolección de datos por medio de búsqueda bibliográfica, utilizando fuentes secundarias y terciarias, y en el análisis cualitativo de datos, este trabajo propone analizar la interdependencia entre diplomacia y acción militar durante este período. Después de considerar los diferentes casos en que esa relación puede ser evidenciada, se concluye que la solución para la guerra del Acre, materializada por el Tratado de Petrópolis, puede ser atribuida a la concientización de esta interdependencia – tanto por el Barón del Rio Branco, ministro de Relaciones Exteriores, como por Plácido de Castro, jefe militar de la Tercera Revolución Acreana -. Por fin, se pone en perspectiva el distanciamiento histórico y corriente entre poder político, diplomacia y pensamiento militar, lo que perjudica el ejercicio de una política exterior coherente e integrada.

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1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ... 11 1.1 Problema ... 11 1.1.1 Formulação do problema ... 12 1.2 Justificativa ... 13 1.3 Objetivo da pesquisa ... 14 1.3.1 Objetivo geral ... 14 1.3.2 Objetivos específicos ... 14 1.4 Metodologia ... 15 2 A QUESTÃO DO ACRE ... 16

2.1 Ocupação brasileira do Acre ... 16

2.2 Ouro negro ... 19

2.3 “Uma dependência geográfica do Brasil” ... 20

2.4 Tratado de Ayacucho ... 21

2.5 Protocolo de 19 de fevereiro de 1895 ... 30

2.6 Protocolo de 22 de outubro de 1898 ... 34

2.7 Primeira Revolução Acreana: Luis Gálvez ... 36

2.8 Protocolo de 30 de outubro de 1899 ... 38

2.9 Bloqueio à canhoneira inglesa ... 40

2.10 Segunda Revolução Acreana: expedição dos poetas ... 41

2.11 Bolivian Syndicate ... 44

2.12 Terceira Revolução Acreana: Plácido de Castro ... 52

2.13 Modus vivendi ... 63

2.14 Tratado de Petrópolis ... 66

3 O MILITAR E O DIPLOMATA NA QUESTÃO DO ACRE ... 70

3.1 A Guerra da Tríplice Aliança e a assinatura do Tratado de Ayacucho ...70

3.2 O protocolo de 22 de outubro de 1898 e a Primeira e Segunda Revolução Acreana 71 3.3 Bloqueio à canhoneira inglesa e fechamento do Amazonas ... 73

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3.5 Proclamação do Estado Independente do Acre ... 76

3.6 Decisão de levar a revolução à Bolívia ... 76

3.7 O estabelecimento do modus vivendi ... 77

3.8 A Questão do Acre e o Tratado de Petrópolis ... 79

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...82

REFERÊNCIAS ...84

ANEXOS ... 91

Anexo A – Tratado de Ayacucho, de 27 de março de 1867 ... 91

Anexo B – Protocolo de 19 de fevereiro de 1895 ... 101

Anexo C – Protocolo de 22 de outubro 1898 ...102

Anexo D – Bloqueio à canhoneira inglesa ... 103

Anexo E – Declaração de Independência do Acre ... 104

Anexo F – Protocolo de 30 de outubro de 1899 ... 105

Anexo G – Carta de D. Lino Romero ao Sr. Presidente da República da Bolívia José M. Pando, de 25 de outubro de 1902 …... 107

Anexo H – Modus vivendi, de 21 de março de 1903 ... 111

Anexo I – Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1902 ...113

Anexo J – Exposição de motivos sobre o tratado de 17 de novembro de 1903 entre o Brasil e a Bolívia ...119

Anexo K – Tratado de Tordesilhas (1949) ... 136

Anexo L – Tratado de Madri (1750) ... 137

Anexo M – Interpretação gráfica da Questão do Acre ... 138

Anexo N – Terceira Revolução Acreana ... 139

Anexo O – Território declarado litigioso pelo Barão do Rio Branco ... 140

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1 INTRODUÇÃO

“Sabia-se que um gaúcho comandava a revolução acreana feita pelos cearenses e era em Petrópolis que se discutia a sorte do Acre” (RICARDO, 1954, v. 1, p. 11-12)

Este trabalho de conclusão de curso (TCC) foi realizado na área de estudo das instituições militares brasileiras, tema da História Militar; e na linha de pesquisa da defesa e da participação em conflitos externos. O TCC aborda o tema da interdependência da diplomacia e ação militar, mais precisamente propõe-se a analisar aquela entre o Brasil e a Bolívia durante a Questão do Acre, do Tratado de Ayacucho, de 1867, ao Tratado de Petrópolis, de 1903.

1.1 PROBLEMA

É possível estabelecer uma série de paralelos entre ações diplomáticas e militares nos anos que compreenderam a Questão do Acre. Observa-se que, em diversas situações, ações militares foram tomadas em consequência de decisões políticas e negociações diplomáticas, bem como ações diplomáticas tiveram de ser desencadeadas em resposta a ações militares.

Dessa forma, podem-se elencar as seguintes questões relativas ao tema: quais foram as ações militares que compreenderam a Questão do Acre e quais foram suas consequências políticas e diplomáticas? Quais foram as decisões e ações político-diplomáticas relativas à Questão do Acre e quais foram as suas consequências militares? Quais foram os desdobramentos do Tratado de Ayacucho, de 1867? Quais foram os fatores que levaram ao estabelecimento do Tratado de Petrópolis, de 1903? Quais motivos incitaram a eclosão das três revoluções acreanas1? Qual foi a reação boliviana às revoluções acreanas? Qual foi a reação brasileira às revoluções acreanas e às reações bolivianas?

1 Apesar de o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 – que passou a vigorar no Brasil em 2016,

sendo conhecido como “Novo Acordo Ortográfico” – reconhecer somente o gentílico “acriano”, a grande maioria dos habitantes e instituições públicas e privadas do Acre, incluindo a Academia Acreana de Letras, defende o uso do gentílico “acreano”. Decidiu-se por utilizar o gentílico “acreano” nesta monografia, em respeito à vontade da maioria do povo acreano. Ressalta-se que, no momento da redação deste trabalho, encontra-se em tramitação um processo legal para sancionar a utilização de ambas as formas.

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1.1.1 Formulação do problema

A Questão do Acre, considerando a intrincada relação entre as negociações político-diplomáticas e as ações militares que a envolveram, torna-se um objeto de estudo para a História Militar. Nela, têm-se exemplos concretos de decisões diplomáticas equivocadas, especialmente durante a liderança do Itamaraty por Dionísio Cerqueira e por Olinto de Magalhães, que resultaram em revoltas armadas, bem como ações militares indesejadas resultando em demoradas negociações políticas e diplomáticas. A atuação do Barão do Rio Branco, no entanto, foi marcada por ações precisas e ponderadas em ambos os campos, diplomático e militar.

No campo político-diplomático, pode-se invocar: Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, com seu ideal pacifista e o conceito do uti possidetis, que nortearam os consequentes tratados e, pode-se dizer, a política exterior conduzida pelo Itamaraty; o Tratado de Ayacucho, em 1867, redigido às pressas pelo Governo Imperial durante a Guerra da Tríplice Aliança, com o receio de um novo conflito no continente e com a necessidade de firmar alianças, e dessa forma falho e impreciso; os protocolos do Ministério das Relações Exteriores de 18 de fevereiro de 1895, de 23 de outubro de 1898 e de 30 de outubro de 1899, que, repetidamente, regiam contra os brasileiros no Acre; a concessão boliviana das terras do “Aquiri” ao Bolivian Syndicate; o modus vivendi estabelecido para que fossem iniciadas as negociações; e, por fim, o estabelecimento do Tratado de Petrópolis.

No campo militar, pode-se destacar as três revoluções acreanas: a de Luiz Galvez e a intervenção da flotilha mercante brasileira contra os revolucionários; a “expedição dos poetas” e o bloqueio brasileiro à canhoneira inglesa com destino ao Acre; a Terceira Revolução Acreana, do gaúcho Plácido de Castro e o bloqueio à livre navegação do Amazonas, como resposta ao Bolivian Syndicate. Além da marcha do Presidente Pando para o norte, juntamente com a marcha para o sul como resposta brasileira à ofensa boliviana.

Em diversos casos, ficou evidente a relação entre as ações político-diplomáticas e as ações militares, revolucionárias – dos insurgentes acreanos, apoiados pelo Estado do Amazonas, sem consentimento do governo federal – ou legalistas, variando desde ações em apoio ao governo boliviano e em repressão aos movimentos revolucionários, em um primeiro momento, até a resguarda destes e servindo como dissuasão às tropas bolivianas. Orquestrar essas ações – tanto político-diplomáticas como militares – foi a tarefa assumida pelo Barão do Rio Branco, e apoiada por Plácido de Castro, e que teve como resultado o Tratado de Petrópolis.

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1.2 JUSTIFICATIVA

A assinatura do Tratato de Petrópolis em 1903 pelos plenipotenciários brasileiros e bolivianos gerou muita controvérsia e aclamadas discussões. Distintas personalidades políticas criticaram o Tratado, quer abertamente, como, por exemplo, Rui Barbosa (ANDRADE; LIMOEIRO, 2003), quer veladamente, como o Barão de Jaceguai. Contudo, não faltaram outros para defendê-lo. Diversos historiadores, biógrafos do Barão do Rio Branco e outros estudiosos entendem o Tratado de Petrópolis como a melhor solução possível da intrincada Questão do Acre (ARAÚJO; RICUPERO, 2002; LINS, 1945; RICARDO, 1954; VIANA FILHO, 2008).

Da mesma forma como o acordo foi mal interpretado no início do século XX, discussões sobre o assunto ainda são, atualmente, repletas de dúvidas e conceitos errôneos. A exemplo pode-se citar a falácia do Presidente Evo Morales, durante a crise de petróleo que passou a Bolívia no ano de 2006, que afirmou o Brasil ter trocado o Acre por um cavalo (ATTUCH, 2006; NARLOCH, 2009; GARCIA; MONTEIRO, MARIN, 2006); ou, ainda, a declaração de José Sarney, no Senado, temendo a liberação de documentos oficiais do Itamaraty sobre a construção das fronteiras brasileiras:

Se pegarmos todo o nosso acervo histórico do Itamaraty, da construção das fronteiras do Brasil e formos divulgar neste momento, nós vamos abrir feridas com nossos vizinhos. Os nossos antepassados nos deixaram esse país com as fronteiras consolidadas. Por que vamos agora abrir para esses países? (AZEVEDO, 2011).

Ademais, a Bolívia apresenta atualmente um quadro instável no contexto sul-americano, cujos efeitos são refletidos no cenário nacional brasileiro. Pode-se citar, por exemplo, a nacionalização de refinarias da Petrobras na Bolívia, em 2006 (EXÉRCITO, 2006), ou a ocorrência de crimes transfronteiriços, como o tráfico de entorpecentes e o roubo de veículos nacionais com destino ao país vizinho (POGGIO, 2011).

Questão de maior importância – que também remete às preocupações do Barão do Rio Branco quando assumiu a frente da pasta de negócio exteriores, em 1902 – é a situação dos brasileiros residentes no país vizinho. Segundo fontes oficiais, são pouco menos de 32 mil os brasileiros que residem na Bolívia (BRASIL, 2008), apesar de números não oficiais chegarem a decuplicar a cifra oficial. Na Bolívia, os brasileiros têm participação importante na economia local, chegando a dominar aproximadamente 35% da produção de soja desse país (CRUZ; MATHIAS, 200?). O presidente Evo Morales, que apoia seu governo em uma

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retórica populista, em recorrentes discursos inflama o povo boliviano contra o “imperialismo brasileiro”, colocando em risco a vida dos brasileiros residentes na Bolívia.

A atuação do Barão do Rio Branco durante as negociações que envolveram a Questão do Acre, materializando-se na elaboração e assinatura do Tratado de Petrópolis, pode ser considerada um exemplo da ação política ponderada, do “manejo do poder e da capacidade de transigir em doses precisas e bem proporcionadas” (ARAÚJO; RICUPERO, 2002, p. 80). Na questão foi evidenciada a importante e delicada interdependência entre as ações militares e as político-diplomáticas.

Mesmo sendo clara a relação entre política, diplomacia e poder militar, em raras ocasiões na história do Brasil se soube ponderar esses vetores com tamanha maestria. Ainda nos dias de hoje existe uma falta de entrosamento entre o poder civil e as estruturas militares na política externa brasileira, mesmo com a criação do Ministério da Defesa, em 1999. Nas palavras do coronel Delano Teixeira Menezes, “o diplomata e o militar, que deveria ser as duas faces de uma mesma moeda, não se comunicam” (MENEZES, 1997, p. 14).

Dessa forma, espera-se, com a confecção do presente trabalho e o estudo da Questão do Acre, especificamente da interdependência entre as ações militares que a envolveram e as ações político-diplomáticas tomadas, alertar para a necessidade de manter um diálogo constante entre as três esferas, política, diplomática e militar.

1.3 OBJETIVO DA PESQUISA

1.3.1 Objetivo geral

Analisar a interdependência entre as ações militares e as negociações político-diplomáticas entre o Brasil e a Bolívia durante a Questão do Acre, do Tratado de Ayacucho, de 1867, ao Tratado de Petrópolis, de 1903.

1.3.2 Objetivos específicos

a) Identificar e descrever quais foram as consequências do Tratado de Ayacucho, de 1867, para a Questão do Acre;

b) Identificar e descrever as ações militares, legalistas ou revolucinárias, que envolveram a Questão do Acre, no período considerado;

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c) Identificar e descrever as consequências políticas e diplomáticas das ações militares em questão;

d) Identificar e descrever as ações políticas e diplomáticas que levaram o desencadeamento de ações militares, legalistas ou revolucionárias;

e) Analisar quais foram os fatores que levaram ao estabelecimento do Tratado de Petrópolis, de 1903;

1.4 METODOLOGIA

A presente monografia trata-se de uma pesquisa de natureza explicativa, fundamentada na coleta de dados através de uma pesquisa bibliográfica, valendo-se de fontes secundárias e terciárias, e na análise qualitativa dos dados. Será estudada a bibliografia constante sobre a Questão do Acre, o Tratado de Petrópolis, o Barão do Rio Branco, Plácido de Castro, relações de poder militar-político, entre outros.

Inicialmente, será apresentada a Questão do Acre em suas diversas frentes: os tratados que a antecederam; a demarcação das fronteiras; o “boom” da borracha; a ocupação brasileira; entre outros.

Em seguida e mais esmiuçadamente, serão tratadas as negociações político-diplomáticas que envolveram a Questão, em especial os seguintes aspectos: o Tratado de Madrid e as concepções de Alexandre de Gusmão; o Tratado de Ayacucho e suas diversas interpretações; o protocolo de 19 de fevereiro de 1895; o protocolo de 23 de outubro de 1898; o protocolo de 30 de outubro de 1899; a invenção do Bolivian Syndicate; e o modus vivendi estabelecido para que se iniciassem as negociações que encerrariam a Questão do Acre com a Bolívia.

Quanto às ações militares, serão tratadas as três revoluções e suas implicações militares: a Primeira Revolução Acreana, com Luiz Galvez, e a interveção da flotilha mercante; a Segunda Revolução Acreana, a “expedição dos poetas” e o bloqueio à canhoneira inglesa; a Terceira Revolução Acreana, com Plácido de Castro, e o bloqueio à livre navegação do rio Amazonas e a marcha para o Acre e posterior ocupação da área litigiosa pelas forças legalistas.

Posteriormente, serão discutidas as implicações do Tratado de Petrópolis, com o enfoque na interdependência das ações militares e negociações político-diplomáticas que foi evidenciada na Questão do Acre que se consolidava na assinatura do Tratado.

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2 A QUESTÃO DO ACRE

“A princípio, a geografia domina a história; mas, depois, é a história quem domina a geografia.” (RICARDO, 1954, v. 1, p. 40)

Cassiano Ricardo (1954, v. 1, p. 40) explica simbolicamente a Questão do Acre com a afirmação de que “a princípio, a geografia domina a história; mas, depois, é a história quem domina a geografia”. Para manter verdadeira essa assertiva, contudo, “geografia” e “história” devem assumir significados concretos e bem localizados na intricada Questão do Acre.

A hidrografia do Acre, subordinada às águas indiscutivelmente brasileiras; as montanhas e desertos que separam o território de La Paz; a impenetrabilidade da selva amazônica; a seca devastadora que expulsou milhares de nordestinos; a ampla ocorrência das seringueiras naquela região. Estes são alguns dos fatores que, sim, dominaram, ou ainda, construíram a história.

Por sua vez, o Tratado de Ayacucho e, mais importante, a inexecução plena de seus termos; os “protocolos espúrios” (RICARDO, 1954, v. 1, p. 28) de 19 de fevereiro de 1895, 22 de outubro de 1898 e 30 de outubro de 1899; o Bolivian Syndicate; e três revoluções foram os fatos históricos que, ratificando Cassiano Ricardo, desafiaram a geografia.

O escritor Álvaro Lins (1996, p. 262), biógrafo do Barão do Rio Branco, parafraseando Cassiano Ricardo, o traduz:

O caso do Acre fora a princípio de Geografia e História; depois, uma questão de ordem política e econômica. Deveria pertencer ao Brasil pela sua colocação geográfica: o acesso a esse território só se fazia pelos caminhos fluviais do sistema amazônico. Veio, porém, a caber à Bolívia em virtude de um tratado feito em época na qual não estavam ainda povoadas as bacias do Alto Purus e do Alto Juruá, embora já exploradas e conhecidas como brasileiras.

A essa situação – a ação política contestando uma realidade natural – chamou-se, à época, Questão do Acre. Somente com a atuação do Barão do Rio Branco, e a consequente assinatura do Tratado de Petrópolis, teria a situação um fim favorável às duas partes.

2.1 OCUPAÇÃO BRASILEIRA DO ACRE

Cassiano Ricardo, em O Tratado de Petrópolis (1954), divide a ocupação da região do atual Estado do Acre em três fases: a primeira, de meados do século XVI ao início do século XIX, dos conquistadores portugueses e bandeirantes paulistas; a segunda, do início do século XIX a meados deste mesmo século, dos exploradores da região, dos regatões e das expedições

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de reconhecimento do Alto Purus e do Alto Juruá; e a terceira, a partir de meados do século XIX, dos povoadores cearenses que “se apossam definitivamente do território” (v. 1, p. 62). A Bolívia, no entanto, só viria a ocupar as terras do Acre durante a terceira fase.

O primeiro registro que se tem do rio Purus, todavia, provém da expedição de Gonzalo Pizarro e Francisco de Orellana, que percorreram o rio Amazonas durante dois anos e oito meses, de Quito à sua foz no Oceano Atlântico. Em três de junho de 1542, Gaspar de Carvajal, frei dominicano espanhol, relata, em seu manuscrito Relación del descrubimiento del famoso rio grande de las Amazonas, a descoberta de um rio “mais caudaloso e maior, pelo braço direito [do Solimões]; era tão grande que na entrada havia três ilhas, razão pela qual o denominamos Rio da Trindade” (SILVA, 2010, p. 268).

Contrariando muitas vezes o Tratado de Tordesilhas ou, ainda, aproveitando-se da unificação das coroas de Portugal e Espanha em 1580, os conquistadores portugueses exploraram o Amazonas e seus principais afluentes. Assinalando sua passagem, fincaram marcos indiscutíveis, conforme expõe Craveiro Costa, “nas fortificações, que construíram; nos aldeamentos dos silvícolas menos refratários, que souberam reunir, atestando o domínio português por toda a parte […]” (2005, p. 66).

Em 1637, o explorador português Pedro Teixeira percorreu o caminho inverso de Pizarro e Orellana. A expedição foi registrada pelo Padre Cristóbal de Acunã, jesuíta espanhol, porém, como a expedição espanhola anterior, apenas a foz do Purus foi identificada (1641 apud SILVA, 2010).

Os bandeirantes paulistas, por sua vez, vindos do rio Paraguai, chegaram até o Guaporé e o Madeira, na “Bandeira de Limites” de Antonio Raposo Tavares, de 1648 a 1651 (CORRÊA, 1899; COSTA, 2005; RICARDO, 1954). Entretanto, ao menos quanto à exploração do território do Acre, escreveu Vianna Moog (1954, p. 175), “ninguém mais bandeirante que o seringueiro”.

O pesquisador alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, em suas explorações nos anos de 1817 a 1820, registrou a impenetrabilidade do Purus: “Acerca do Purus, calam-se todas as mais recentes notícias”, e quanto aos nativos que habitavam suas margens, afirma que “todos ainda estão em absoluta selvageria e conhecidos por sua perfídia”, de tal modo que “ninguém se aventura ainda a fundar missões no Purus” (SPIX; MARTIUS, 1824 apud SILVA, 2010, p. 269).

As primeiras explorações oficiais brasileiras da bacia do Purus, no caminho do Acre, datam de 1847, com a expedição de João da Cunha Corrêa, ou “João Cametá”, por ordem do governo imperial, que subiu o Purus atingindo a confluência com o Ituxi. A incursão de

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Serafim Salgado, em 1852, chegou até a barra do rio Arraia, a 1.710 milhas de Manaus. Manuel Urbano da Encarnação, “o benemérito bandeirante das águas amazonenses”, em 1860 subiu o Purus e, posteriormente, explorou o rio Acre por mais de vinte dias (CORRÊA, 1899; COSTA, 2005, p. 91).

Das experiências de João Cametá e Manuel Urbano resultaram: a viagem do primeiro vapor ao Purus, em 1862, comandada pelo engenheiro João Martins da Silva Coutinho (SILVA, 2010) e acompanhada pelo botânico alemão Gustav Wallis, que encarregou-se dos levantamentos hidrográficos, geológicos, de flora e antropológicos (CORRÊA, 1899); a exploração do cientista britânico William Chandless no mesmo rio, em 1864; e a expedição do cientista no ano seguinte até as vertentes do rio Acre (CORRÊA, 1899; COSTA, 2005). Chandless, inclusive, registrou números expressivos sobre o movimento comercial da bacia do Purus já naquela época2.

Sete anos depois, em 1871, ano da fundação da cidade de Lábrea pelo coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre, o número de seringueiros na região já excedia dois mil. Seguiram-se, posteriormente, pelo baixo Purus, as expedições de Barrington Brown e William Lidstone, sob o comando do capitão Hoefner, em 1872; e de Paul Ehrenreich, em 1885 (EHRENREICH, 1886 apud CORRÊA, 1899).

Quanto ao Juruá, segundo Craveiro Costa (2005), sua exploração comercial antecede o ano de 1870. Tavares Bastos (1937 apud COSTA, 2005), registra a subida em canoa do alferes Borges pelo Iuruá, como era conhecido na época, até próximo do encontro com o Tarauacá, em 1864.

É novamente Chandless quem realiza a primeira exploração científica pelo Juruá, aproximando-se do rio Liberdade, de onde, segundo Craveiro Costa, “recuou à flecha ervada do índio desconfiado” (2005, p. 92). Outros exploradores, como Augusto Hilliges e Lopes Neto, excederam Chandless em viagem científica e chegaram à foz do rio Breu, atual divisa com o Peru (RICARDO, 1954; TOCANTINS, 1979).

A ocupação definitiva, porém, viria somente com o povoamento da região. Dois motivos aceleraram a ocupação brasileira no Acre: o boom da borracha e as secas no nordeste do país no final do século XIX.

No Ceará, nos anos de 1877 a 1879, uma seca devastadora impulsionou uma grande corrente migratória. Em 1877, somente, mais de 14.000 cearenses seguiram rumo à

2 A exportação na bacia do Purus, em 1864 – três anos antes da assinatura do Tratado de Ayacucho –

compreendia 45 toneladas de salsaparrilha, 207 de cacau e 538 de borracha. A importação alcançava a cifra de 20.000 libras esterlinas (CHANDLESS, 1866 apud COSTA, 2005).

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Amazônia. No ano seguinte, foram 54.000 indivíduos que seguiam para o norte do país, fugidos da seca no nordeste (ARAÚJO; RICUPERO, 2002; COSTA, 2005; LINS, 1996; RICARDO, 1954). “A onda povoadora dirigiu-se, de preferência, para as bacias do Juruá e Purus, rios mais facilmente navegáveis, servidos por vapores, com um comércio que se anunciava promissor e a indústria da borracha em adiantada fase de organização” (COSTA, 2005, p. 95).

Nas palavras de Márcio de Souza (1976, p. 46), os cearenses, providos de uma “miséria imperialista”, “não tiveram medo da febre e entraram na região. Empurraram a fronteira com a própria miséria”. Atraídos pela promessa do “ouro negro”, milhares de brasileiros povoaram a região, muitas vezes financiados pelo governo da província do Amazonas (VIANA FILHO, 2008), que se beneficiava com os impostos da exportação da borracha.

Craveiro Costa destaca que, apesar de apoiar a imigração e a exploração das seringas, o governo da província, como o governo geral:

[…] se limitava ao aproveitamento do trabalho intenso que se fazia no interior, sob os auspícios do comércio, e nunca se preocupou com a sua normalização – pela fixação da população invasora ao solo, dando-lhe a posse da terra e defendendo-lhe a saúde; pelo melhoramento das condições e processos de fabricação, rudimentaríssimos, os mesmos dos indígenas; pela defesa da árvore na extração do

látex e seu plantio racional; pela garantia do trabalho mortificante do seringueiro,

vítima, na sua ignorância, das chatinagens dos que se fizeram donos dos seringais, suavizando-lhe o infortúnio, dispensando-lhe essa assistência que é um dever elementar dos governos medianamente esclarecidos (2005, p. 107).

2.2 OURO NEGRO

O látex, extraído da seringueira (Hevea brasiliensis L.), era conhecido pelos nativos americanos há muito tempo antes da chegada do europeu. Cristóvão Colombo já registrava em seus diários de viagem “as qualidades de certa goma” encontrada no Novo Mundo (COSTA, 2005, p. 103; RICARDO, 1954).

Na primeira metade do século XVIII, o cientista e explorador francês Charles-Marie de la Condamine, em expedição à bacia amazônica registrou a utilização da borracha, na tribo dos Cambebas às margens do rio Solimões. A borracha era utilizada na confecção de sapatos e outras vestimentas impermeáveis, e era armazenada em “botijas de formato de pêras, no gargalo, nos quais adaptam-se [sic] tubos de madeira. À pressão daquelas expele-se o líquido pelo tubo, como se fossem seringas, com que se parecem” (COSTA, 2005, p. 103-105). Do relato de la Condamine consolidou-se o termo das seringas e seringueiras, como seriam conhecidas.

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La Condamine introduziu a borracha na França, onde foi submetida ao rigor científico, em especial da química e da botânica, e, com o tempo, popularizou-se na Europa. Em 1770, o inglês Joseph Priestley utilizou o látex para o apagamento de traços de lápis. O escocês Charles MacIntosh, em 1823, dissolveu a borracha e aplicou o subproduto na confecção de roupas impermeáveis, semelhantes àquelas utilizadas pelos Cambebas no Solimões.

Contudo, o grande salto tecnológico – e econômico – em relação ao tratamento do látex ocorreu em 1839, quando o inventor norte-americano Charles Goodyear descobriu a vulcanização da borracha. Esse processo ampliou sobremaneira a aplicação industrial da borracha, utilizada virtualmente em todos os campos da indústria (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

A demanda pela borracha na Europa data de, pelo menos, 1827, mas foi após a vulcanização o maior crescimento na procura e produção da borracha na bacia do Amazonas. Sabe-se que, no despertar da Primeira Revolução Acreana, em maio de 1899, cerca de 50% dessa produção provinha das bacias do Purus e do Juruá – que os brasileiros ocuparam naturalmente, indiferentes ao Tratado de Ayacucho e às comissões de demarcação de limites (ARAÚJO; RICUPERO, 2002; COSTA, 2005; LINS, 1996; RICARDO, 1954; VIANA FILHO, 2008).

2.3 “UMA DEPENDÊNCIA GEOGRÁFICA DO BRASIL”

Cassiano Ricardo descreve o território do Acre como “uma dependência geográfica do Brasil” (1954, v. 2, p. 45), bem definindo a situação da região. A hidrografia do Acre é cortada, basicamente, pelos dois principais rios: o Purus e o Juruá. A disposição desses rios, mais facilmente navegáveis, subordinava a região ao domínio brasileiro. Eles foram os principais destinos dos imigrantes do Nordeste, que se serviam dos vapores que os subiam e do comércio que se pronunciava às suas margens (COSTA, 2005).

Até a década de 1890, o Acre era completamente desconhecido e ignorado pelos bolivianos. Craveiro Costa discorre sobre a insciência boliviana:

O Acre entrou para os nossos conhecimentos hidrográficos desde 1860, pela exploração de Manoel Urbano, ao passo que os bolivianos o desconheciam por completo, tanto assim que o próprio Beni, “depois de várias tentativas para ser explorado, só o foi em 1881 por Antenor Vasquez e em 1884 pelo padre Armentia” […] A zona limitada pelos rios Javari, Juruá, Purus e Acre, assinalava-se nos antigos mapas bolivianos com o nome de “Terras não descobertas” (2005, p. 92-327).

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O boliviano, ao contrário do brasileiro, teve mais dificuldades para estabelecer-se no clima amazônico. Mesmo o delegado boliviano ao território do Acre, Lino Romero, em 1902, em carta oficial ao presidente boliviano General Pando, assume:

El Acre nominalmente es de Bolivia, pero materialmente es del Brazil, todo contribuye a ello; inmensas distancias y obstáculos que lo separan del resto del país, la población extraña que lo puebla, la falta de vías de comunicación dentro del mismo território y finalmente la imposible adaptación de nuestra raza a este clima mortífero. Los bolivianos en esta región nos sentimos tan extraños, como nos sentiríamos en las más apartadas colonias del Asia, además nos son aquí adversos

la naturaleza y los hombres […]3.

2.4 TRATADO DE AYACUCHO

O Tratado de Ayacucho, assinado em 23 de novembro de 1867 na capital boliviana (à época chamada de La Paz de Ayacucho) foi uma tentativa de definir as fronteiras entre o Brasil e a Bolívia. O litígio, herdado pelos dois países quase meio século antes, tem suas raízes na disputa entre Portugal e Castela (atual Espanha) pelo domínio do Oceano Atlântico e das terras recém-descobertas na costa africana.

Diante da expansão árabe e da ameaça sarracena em meados do século XV, o Papa Nicolau V emitiu a bula papal Dum Diversas, de 18 de junho de 1452, que concedia ao rei Afonso V de Portugal “[...] com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar e capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo [...]” (DAVENPORT, 1917). A permissão de “invadir e buscar” legitimava as navegações e expedições portuguesas no Oceano Atlântico. Em oito de janeiro de 1454, foram estendidas as concessões papais também aos reis da Espanha.

Em sequência da bula anterior, exatamente um ano depois, o Papa Nicolau V emitiu a bula Romanus Pontifex. A bula, ratificada em 1456 pelo Papa Calisto III (bula Inter Coetera4) e em 1481 por Sixto IV (bula Aeterni regis), reconhecia ao reino de Portugal a propriedade exclusiva de todas as ilhas, terras, portos e mares conquistados nas regiões que se estendem desde o cabo Bojador e o atual cabo Chaunar, ao longo da costa da Guiné, além de terras mais ao sul; o direito de continuar com as conquistas contra muçulmanos e pagãos nesses

3 “O Acre nominalmente é da Bolívia, porém materialmente é do Brasil, tudo contribui para isso; imensas

distâncias e obstáculos que o separam do resto do país, a estranha população que o povoa, a falta de vias de comunicação dentro do mesmo território e finalmente a impossível adaptação de nossa raça a este clima mortífero. Aos bolivianos nesta região, nos sentimos tão estrangeiros, como nos sentiríamos nas mais distantes colônias da Ásia, além de nos serem aqui adversos a natureza e os homens [...]” (COSTA, 2005, p. 164).

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territórios; e o direito de comercializar com os habitantes dos territórios conquistados e por conquistar. (BRANDÃO, 2009; DAVENPORT, 1917).

A primeira bula do Papa Alexandre VI, intitulada Inter Coetera, de quatro de maio de 1493, foi ainda mais expressiva que as anteriores. Pelos seus termos, as terras descobertas, ou por descobrir, seriam divididas por um meridiano a 100 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde. Os territórios a oeste estariam sob o domínio espanhol – assegurando à Espanha as terras descobertas por Cristóvão Colombo, no ano anterior – e o que estivesse a leste, seria português – mais especificamente a costa africana e o caminho marítimo que se buscava para a Índia (BRANDÃO, 2009; BULA INTER COETERA (1493), 2012).

As condições da bula desagradaram à Coroa Portuguesa e, no ano seguinte, foram negociados os termos do Tratado de Tordesilhas5. Em sete de junho de 1494, celebrado entre o Reino de Portugal e o recém-formado Reino da Espanha, o tratado dividia as terras do “Novo Mundo”, descobertas e por descobrir. O novo acordo avançava o meridiano da bula Inter Coetera a 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde (CORRÊA, 2009; TRATADO DE TORDESILHAS (1494), 2012).

O Tratado de Tordesilhas, em princípio, resolveria os conflitos entre Portugal e Espanha em relação aos novos territórios descobertos. Ao Reino da Espanha ficava garantida a exploração das terras descobertas por Cristóvão Colombo, em 1492. O tratado garantia, ainda, o domínio português sobre o Atlântico Sul, fundamental para a consecução do objetivo de alcançar a Índia por uma rota marítima.

Com o Descobrimento do Brasil, em 1500, Portugal ampliou seus domínios a oeste e, automaticamente, viu-se barrado pela linha imaginária de 1494 – que Craveiro Costa (2005, p. 66) chamaria de “devaneio diplomático”. Quer por meio de autorizações veladas do governo português, quer por desconhecimento ou por simplesmente ignorarem o Tratado de Tordesilhas, os colonizadores portugueses avançaram a oeste do referido meridiano.

Essa expansão ocorreu por uma série de motivos, sejam eles de natureza econômica (mineração nas regiões centrais, pecuária no sul e nordeste do Brasil e o extrativismo vegetal no norte) ou religiosa, como foi o caso das diversas missões religiosas (jesuítas, franciscanas e carmelitas). Muitas vezes as incursões ao interior eram proibidas ou desestimuladas pelo governo, que tentava manter a população na costa e garantir, assim, a segurança contra-ataques pelo mar. (FURTADO, 2007).

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Durante os sessenta anos da União Ibérica6, de 1580 a 1640, pela união das coroas de Portugal e Espanha, o Tratado de Tordesilhas tornou-se nulo. Mais uma vez, portugueses e brasileiros aproveitaram a situação e penetraram o interior do Brasil, além do meridiano de Tordesilhas.

Com o tempo, a iniciativa conquistadora dos colonos portugueses e bandeirantes avançou a tal ponto que ameaçava mesmo as terras já ocupadas pela Coroa Espanhola. O Conselho das Índias, pela Audiência de Charcas7, chegou a pronunciar-se diante da expansão

portuguesa, temendo que poderia “[…] suceder que ellos se apoderem de las cordileras […] y sean señores de todo el corazón del Pirú8”.

O Tratado de Madri9, assinado em 1750, garantiria às duas Coroas o domínio das terras ocupadas, independentemente do direito de posse de tratados anteriores, por meio do princípio do uti possidetis, ita possideatis10. O acordo, redigido por Alexandre de Gusmão, foi baseado na compensação de territórios e no pressuposto de que tanto Portugal quanto Espanha haviam violado os limites de Tordesilhas, com as incursões portuguesas na América (Sul, Norte e Centro-Oeste do Brasil) e as espanholas na Ásia (Filipinas, Ilhas Marianas e Ilhas Molucas) (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

O acordo foi uma tentativa de pôr fim aos litígios luso-espanhóis a respeito dos limites de suas colônias; ele garantia a paz entre as colônias mesmo quando as metrópoles estivessem em guerra e regulava a permuta de diversos territórios. Portugal cedeu à Espanha a Colônia de Sacramento, pondo um fim às pretensões portuguesas no estuário do Prata. Em compensação, recebeu da Espanha territórios das missões jesuíticas, que compreendia partes de Santa Catarina e Paraná, o atual Mato Grosso do Sul e a região entre o Alto Paraguai, o Guaporé, o Madeira, o Tapajós e o Tocantins (TRATADO DE MADRI (1750), 2012). O tratado também

6 Em 1578, o rei de Portugal, Dom Sebastião I, morreu na batalha de Alcacer-Quibir, contra os mouros, no norte

da África, sem deixar herdeiros. O cardeal Dom Henrique, tio-avô de Dom Sebastião I, assumiu como regente o trono português, vindo a morrer dois anos depois, em 1580. A morte de Dom Henrique simbolizava o fim da disnatia de Avis e instaurava uma crise sucessória em Portugal.

Por ser neto de Dom Manuel, o Venturoso, o rei da Espanha, Filipe II, julgava-se o candidato com mais direito ao trono português. Dessa forma, tropas espanholas invadiram Portugal e Filipe II tomou a coroa portuguesa em 1580, unindo os dois reinados. Essa união, chamada de União Ibérica, estendeu-se até 1640. Vale ressaltar que o conceito de “dominio espanhol” pode gerar interpretações equivocadas do período, uma vez que as duas nações mantiveram-se separadas, mesmo sendo reinadas pelo mesmo monarca (SOUSA, 2016).

7 Audiência e Chancelaria Real da Prata dos Charcas, ou simplesmente Audiência de Charcas, era o mais alto

tribunal da Coroa Espanhola no Alto Peru (atual Bolívia).

8 “[…] acontecer que eles se apoderem das cordilheiras […] e sejam senhores de todo o coração do Peru”

(COSTA, 2005, p. 67).

9 Ver Anexo L – Tratado de Madri (1750).

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garantia, em tese, o fim da expansão portuguesa ao oeste. Alexandre de Gusmão adverte os espanhóis que seria “conveniente a solução proposta, pois não sabia até onde iriam parar os brasileiros, na sua marcha para o ocidente” (RICARDO, 1954, v. 1, p. 46).

O Tratado de Madri traçava, assim, a linha da fronteira:

Baixará pelo álveo dêstes dois rios, já unidos, até a paragem situada em igual distância do dito rio Amazonas ou Marañon, e da boca do dito Mamoré; e desde aquela paragem continuará por uma linha leste-oeste até encontrar com a margem oriental do Javarí que entra no rio das Amazonas pela sua margem austral; e baixando pelo álveo do Javarí até onde desemboca no rio das Amazonas ou Marañon prosseguirá por êste rio abaixo até a boca mais ocidental do Japurá que deságua nele pela margem setentrional (TRATADO DE MADRI (1750), 2012).

A região entre os rios Madeira e Javari, contudo, permanecia desconhecida aos autores do tratado e as fronteiras seriam traçadas “às cegas”, como escreve Craveiro Costa (2005, p. 67). Uma comissão mista deveria encontrar-se no local e seus demarcadores deveriam tomar a linha leste-oeste como um ponto de apoio, uma referência inicial para o traçado da fronteira definitiva. O princípio do uti possidetis, bem como os acidentes geográficos, deveria ser respeitado na demarcação (RICARDO, 1954).

Francisco Xavier de Mendonça, irmão do Marquês de Pombal, e D. José de Iturriaga, enviado da Espanha, foram os primeiros demarcadores. Mendonça, porém, aguardou a chegada de Iturriaga de 1754 a 1759, quando finalmente se encontraram. Pouco tempo depois, D. Antonio Rolim de Moura substituiu Mendonça e quando procurava o demarcador espanhol, Iturriaga já havia regressado à Espanha. A região, onde estava o ponto “mais difícil de toda a demarcação de limites” (RICARDO, 1954, v. 1, p. 67), permaneceria desconhecida.

Ademais, a execução do Tratado de Madri encontrou obstáculos em ambos os lados das negociações. Tanto os padres jesuítas e os índios guaranis se negaram a conceder o território a Portugal (o que levaria a eclosão da Guerra Guaranítica), como o Marquês de Pombal e colonos portugueses recusaram-se a entregar a Colônia do Sacramento aos espanhóis (GÓES FILHO, 1991). Visando a permanência da paz firmada entre Portugal e Espanha, foi assinado em 12 de fevereiro de 1761, o Tratado Anulatório de El Pardo, que anulava, para todos os efeitos, o Tratado de Madri (TRATADO DE EL PARDO (1761), 2012). Em 1777, com a finalidade de mais uma vez tentar pôr um fim nas questões de limites entre Portugal e Espanha, foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso, que praticamente restaurava as condições do Tratado de Madri, de 1750.

Assinado em 11 de março de 1778, o “Tratado de amizade, comércio, neutralidade e garantia recíproca firmado entre Espanha e Portugal pelo que este cede à Espanha as ilhas de

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Fernão Pó e Ano Bom”, ou Tratado de El Pardo11, consolidou a aproximação luso-espanhola e

validou o Tratado de Santo Ildefonso, firmado no ano anterior (REZENDE, 2006). O tratado de 1777 definia que a fronteira:

Baixará a linha pelas águas dêstes dois rios Guaporé e Mamoré, já unidos com o nome de Madeira, até a paragem situada em igual distância do rio Maranhão ou Amazonas e da boca do dito Mamoré; e desde aquela paragem continuará por uma linha leste-oeste até encontrar com a margem oriental do rio Javarí (TRATADO DE SANTO ILDEFONSO (1777), 2012).

O acordo, no entanto, declarava sua provisoriedade até que fosse enviada à região uma comissão demarcadora mista e emitisse seu parecer sobre a localização exata do Javari e demais considerações necessárias para a demarcação definitiva da fronteira. A comissão chegou a se reunir, mas não houve consenso sequer sobre como realizar a demarcação e o tratado de 1777 acabaria por cair no esquecimento (COSTA, 2005).

Riquena, comissário espanhol, sugeriu uma nova linha, que partisse da origem do rio Madeira, ou seja, na confluência do Beni com o Mamoré, e não mais de seu ponto médio. A sugestão parecia vantajosa para Portugal, se a linha realmente atingisse o Javari, como era esperado. Após sérias divergências, acabou-se aceitando a proposta de Riquena, mas a chancelaria espanhola sequer respondeu ao comunicado do governo português que aceitava a confluência do Beni como ponto originário da linha divisória (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

Em 1801, a França de Napoleão Bonaparte, desejosa de romper a aliança anglo-portuguesa, apoiou a Espanha na efêmera Guerra das Laranjas – com duração de apenas 18 dias – contra Portugal. Sob forte pressão espanhola e ameaçado pela invasão das tropas francesas estacionadas em Ciudad Rodrigo, na fronteira de Portugal, o Príncipe-Regente D. João ratificou, em 14 de junho de 1801, o Tratado de Paz de Badajoz (REZENDE, 2006).

A Paz de Badajoz, como ficou conhecido o acordo, estabelecia as condições de paz impostas, e evidentemente desvantajosas, a Portugal. O tratado, porém, não fazia menção alguma sobre as colônias portuguesas e espanholas na América do Sul (TRATADO DE BADAJOZ (1801), 2003). Por não revalidar o Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, nem qualquer outro tratado de limites, acabou por anulá-lo.

O próprio Barão do Rio Branco observa que a não confirmação de acordos anteriores, pelo Tratado de Badajoz, afigurava-se como novidade nas relações entre Portugal e Espanha:

Examinando os Tratados de Paz entre essas duas coroas depois da Restauração de Portugal ver-se-á que a revalidação expressa de todas as convenções ante bellum, e muito especialmente das que versavam sobre limites, era condição indispensável

11 Não confundir com o Tratado de El Pardo, de 12 de fevereiro de 1761, citado anteriormente e que anulou o

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para que eles readquirissem a anterior vigência. Assim é que o artigo 13º do Tratado de Utrecht, de 6 de fevereiro de 1715, revalidou os Tratados de 13 de fevereiro de 1668 e de 18 de junho de 1701; que pelo artigo 2º do Tratado de Paris, de 10 de fevereiro de 1763, foram revalidados os de 1668 e 1715 e o de 12 de fevereiro de 1761; e pelo artigo 1º do Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, foram ratificados os de 13 de fevereiro de 1688, 6 de fevereiro de 1715 e 10 de fevereiro de 1763 em tudo aquilo que expressamente não fosse derrogado pelas disposições do novo tratado (BRASIL, 2012a, p. 66).

Synezio Sampaio Góes Filho esclarece que “essa omissão contrariava a prática habitual entre as nações ibéricas, de confirmar limites, quando pactuavam tratados de paz” (GÓES FILHO, 1991, p. 198, apud REZENDE, 2006, p. 296). De acordo com a Paz de Badajoz, portanto, as fronteiras das colônias portuguesas e espanholas deveriam retornar à linha de Tordesilhas.

Depois de já ratificado por D. João e Carlos IV de Espanha, Napoleão Bonaparte, entretanto, rejeita o tratado e o altera. Em 29 de setembro do mesmo ano, Portugal e França assinam o Tratado de Madri, que mantinha os termos de Badajoz e impunha, adicionalmente, uma indenização de 20 milhões de francos para Portugal e a cessão de metade do território do Amapá para a França (REZENDE, 2006).

Após fracassar na tentativa de invadir a Grã-Bretanha na batalha de Trafalgar, em 1805, Napoleão decretou o bloqueio continental às ilhas britânicas. Portugal, tradicional aliado dos ingleses, recusou-se a acatar o bloqueio e leva Espanha e França a assinarem o Tratado Secreto de Fontainebleau em 27 de outubro de 1807. O tratado dividia o território de Portugal aos súditos franceses e espanhóis e acarretou a subsequente invasão franco-espanhola ao território lusitano.

O Príncipe-Regente D. João retirou-se para o Brasil ainda em 1807 e em primeiro de maio de 1808 declara nulo o Tratado de Paz de Badajoz por ex justa causa, em razão da invasão do território português (REZENDE, 2006).

Em 1822 e 1825, em seguida, Brasil e Bolívia se declaravam independentes de suas metrópoles, respectivamente. As antigas colônias herdavam, entretanto, as questões não resolvidas sobre seus limites e fronteiras. Passados os primeiros anos do Império, porém, a chancelaria brasileira procurou iniciar as negociações com a Bolívia sobre suas fronteiras. Os diplomatas brasileiros sustentavam “a 'teimosia patriótica' dos demarcadores do ajuste preliminar de Santo Ildefonso” e estendiam a fronteira “até o paralelo que, correndo na latitude de 10º 20', unisse a boca do Beni às vertentes do Javari” (COSTA, 2005, p. 73).

O mesmo não acontecia com a Bolívia, que demonstrava certa incoerência nas suas pretensões, ora recorrendo aos limites do tratado de 1777, ora aos estabelecidos em 1750,

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mesmo tendo o último sido expressamente derrogado pelo Tratado de El Pardo, em 1761 (COSTA, 2005).

Em 1834 o governo da Bolívia enviou ao Rio de Janeiro o General Armaza, para negociar a questão das fronteiras brasileiras. O enviado boliviano propôs uma retificação da linha do Tratado de 1777, sugerindo que:

A fronteira começasse aos 22º de latitude sul na margem direita do Paraguai até a embocadura do Jauru e em vez da linha reta daquela embocadura ao rio Sararé no Guaporé, seguisse a linha as águas do Jauru e Aguapeí, até encontrar a serra do mesmo nome às cabeceiras do rio Alegre, e por este baixasse até o Guaporé (COSTA, 2005, p. 76).

A proposta foi recusada pelo governo imperial e as negociações fracassaram. Iniciava-se uma série de insucessos das negociações sobre a questão. Em 1841, por exemplo, retirou-se da Bolívia a missão especial do conretirou-selheiro Ponte Ribeiro, que tinha por objetivo resolver a questão fronteiriça, “inteiramente desiludida” (COSTA, 2005, p. 76).

Um tema objeto de discórdia entre os governos brasileiro e boliviano, e catalisador da questão de limites, era o rio Amazonas, que o Brasil conservava fechado à navegação estrangeira. O governo de La Paz reclamava o direito à bacia do Amazonas aproveitando-se da inexistência de uma fronteira firmada entre os dois países. Em 1844, a Bolívia tenta franquear o Amazonas à navegação universal, a que se manifestam protestos e discussões na chancelaria brasileira. O lance mais incisivo da diplomacia boliviana nessa questão, todavia, viria em 1853, quando a Bolívia decretou em 27 de janeiro a navegação universal de seus rios (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

A diplomacia brasileira respondeu energicamente à atitude boliviana, e os países discutiram o caso de 1853 a 1858. Rego Monteiro, enviado brasileiro a La Paz, não obteve bons resultados diante da inflexibilidade das exigências bolivianas. A tensão durante as negociações agravou-se e romperam-se as relações diplomáticas, forçando Rego Monteiro a retirar-se do país. Uma guerra com a Bolívia chegou a se pronunciar (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

Menos de uma década depois, o Brasil encontrava-se em guerra com a República do Paraguai. Atingido de surpresa pelo país vizinho, o Império via-se desarmado e corria contra o tempo para mobilizar sua defesa. Fazia-se necessário dissipar as velhas disputas bolivianas e peruanas, distanciando o Paraguai dessas nações sul-americanas (ARAÚJO; RICÚPERO, 2002; COSTA, 2005; GÓES FILHO, 1991; LINS, 1996; RICARDO, 1954; VIANA FILHO, 2008).

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Um novo acordo foi negociado e, apesar da desvantajosa situação em que se encontrava o governo brasileiro, o plenipotenciário Lopes Netto conduziu convenientemente as negociações. Em 27 de março de 1867, na capital boliviana La Paz de Ayacucho, foi assinado o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição, ou, como ficou conhecido, Tratado de Ayacucho (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

“Na opinião dos mais autorizados internacionalistas”, escreve Craveiro Costa, “foi esse tratado um ajuste de rara sabedoria e uma obra política de altíssimo valor” (2005, p. 77), principalmente se considerada a situação de evidente desvantagem do Brasil nas negociações com a Bolívia. O Brasil, contudo, teve de ceder a várias exigências bolivianas.

Na opinião de Cassiano Ricardo, além das negociações malsucedidas anteriores com a Bolívia e da guerra com o Paraguai, explica a aparente fácil assinatura do Tratado de Ayacucho o desapego brasileiro em relação às terras que “pareciam estar sobrando – além de pouco conhecidas, além de distantes, além de ainda não povoadas, embora já exploradas e conhecidas como brasileiras, além de incômodas, como objeto que eram de contínuas reclamações por parte da Bolívia […]” (1954, v. 1, p. 70).

Entretanto, o Tratado de Ayacucho não agradou por completo ao povo boliviano, levando a insatisfação, protestos contra o governo e manifestações de “viva hostilidade”, que foram reprimidos pelo governo (COSTA, 2005, p. 78). Houve oposição ao acordo até mesmo no congresso boliviano. O protesto não fazia referência à construção da estrada de ferro, a cessão do porto ou a livre navegação dos rios amazônicos, mas justamente aos limites traçados na região do Alto Purus e do Alto Juruá (RICARDO, 1954).

Portanto, não se pode dizer que o Brasil cedeu à Bolívia a região do Alto Purus e do Alto Juruá. As concessões foram no sentido de garantir um porto à Bolívia, a livre navegação dos rios amazônicos e a construção de uma estrada de ferro na região (RICARDO, 1954). Em relação à fronteira do Acre, a linha deveria seguir a partir da foz do Beni:

Deste rio para o oéste seguirá a fronteira por uma parallela, tirada da sua margem esquerda em latitude sul 10º 20', até encontrar o Rio Javary. Se o Javary tiver as suas nascentes ao norte daquella linha leste-oeste, seguirá a fronteira, desde a mesma latitude, por uma recta a buscar a origem principal do dito Javary (BRASIL, 1868, Annexo N. 1, p. 63-72).

A fim de evitar que essa linha reta, traçada discricionariamente pelos plenipotenciários sem respeitar a geografia e a ocupação da região, passasse por território incontestavelmente brasileiro ou boliviano, o tratado estabelecia que:

Se para o fim de fixar, em um ou outro ponto, limites que sejam mais naturaes e convenientes a uma ou outra Nação, parecer vantajosa a troca de territorio, poderá esta ter logar, abrindo-se para isso novas negociações, e fazendo-se, não obstante isto, a demarcação como se tal troca não houvesse de effectuar-se. Comprehende-se

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nesta estipulação o caso da troca de territorios para dar-se logradouro a algum povoado ou a algum estabelecimento publico, que fique prejudicado pela demasiada proximidade da linha divisoria (BRASIL, 1868, Annexo N. 1, p. 63-72).

O tratado prescrevia ainda, como expõe Craveiro Costa, “que [sua] execução efetiva e legal […] dependeria da respectiva demarcação, que se mandaria proceder em comum, condição sine qua non de plena vigência” (2005, p. 78). O acordo, em outras palavras, só entraria em vigor após a demarcação e a fixação definitiva da fronteira entre o Brasil e a Bolívia.

A questão da demarcação, na prática, condicionava-se a localização da nascente do Javari, obedecendo ao princípio do uti possidetis, que norteava o tratado. As hipóteses de sua posição eram duas: a nascente do Javari ficar exatamente sobre o paralelo de 10º 20' ou ao sul do paralelo, de modo que o rio o cruzasse; ou, ainda, a nascente estar localizada ao norte dos 10º 20'.

Na primeira hipótese, a fronteira seguiria indiscutivelmente pela paralela até atingir o Javari. Na segunda, figuravam duas possibilidades, dada as diferentes interpretações do texto do tratado. Ou a linha deveria partir da confluência do Beni com o Mamoré e seguir por uma oblíqua até a nascente do Javari, ou deveria seguir pelo paralelo 10º 20' até o meridiano em que se encontrava a nascente e seguir por norte até o Javari.

Nos três diferentes casos, deveria ser preservada a posse de acordo com a real ocupação das terras. O Tratado de Ayacucho, portanto, não cedia o Acre à Bolívia, nem mesmo implicitamente. Observando-se o princípio do uti possidetis, as bacias do Alto Juruá e Alto Purus, exploradas, conhecidas e já povoadas por brasileiros, deveriam permanecer sobre domínio do Brasil (PEREIRA, 1945; RICARDO, 1954).

A primeira comissão demarcadora, brasileira, iniciou seus trabalhos em 1870, chefiada pelo Visconde de Maracajú. As demarcações pararam na confluência do Beni com o Mamoré, onde começa o Madeira. O Visconde de Maracajú foi posteriormente substituído pelo Tenente-Coronel Francisco Xavier Lopes de Araújo, o Barão de Parimá, em junho de 1878, e este suspendeu os trabalhos no mesmo ano, a fim de verificar as demarcações anteriores (AZEVÊDO, 1901). Os trabalhos relativos à delimitação da fronteira entre o Brasil e a Bolívia permaneceriam suspensos até 1895.

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2.5 PROTOCOLO DE 19 DE FEVEREIRO DE 1895

Os capitães-de-fragata Antônio Luís von Hoenholtz12, brasileiro, e Dom Guilherme Black, peruano, em 1871, recebem instruções para realizar a demarcação dos limites com o Peru. Em 1874, o Barão de Tefé, acreditava ter localizado as vertentes do Javari, a 7º 1' 17'' 5 de latitude sul, considerando como sua nascente principal o rio Jaquirana. Convém salientar que essa comissão em nada se relacionava com as demarcações dos limites entre Brasil e Bolívia.

Diante da interrupção das demarcações referentes ao Tratado de Ayacucho e da crescente pressão boliviana, o Ministro das Relações Exteriores, Carlos de Carvalho Diez de Medina, em 1895, assinou o protocolo de 19 de fevereiro de 1895. Segundo Lopes Gonçalves, o protocolo foi “a origem de todos os males à população do Acre, dos vexames por que tem passado a nossa chancelaria, dos prejuízos suportados pelo Amazonas, ocasionados ao comércio, à liberdade do trabalho, à ordem social” (1901 apud RICARDO, 1954, v. 1, p. 106).

O protocolo em seu segundo artigo definia que:

Ambas as partes adoptarão, como se tivesse sido praticada pela Comissão Mista (a que devia concluir a demarcação da fronteira) a operação pela qual, na demarcação de limites entre o Brasil e o Perú, se determinou a nascente do Javarí. Esta nascente está, pois, para todos os efeitos, na demarcação entre o Brasil e a Bolívia, situada aos 7º 1' 17''5 de latitude sul e 74º 8' 27''07 de longitude oeste de Greenwich (RICARDO, 1954, v. 1, p. 106-107).

Em outras palavras, o governo brasileiro aceitou o primeiro marco da fronteira com o Peru como sendo o último da fronteira com a Bolívia. A Comissão Mista, que deveria finalizar os trabalhos de demarcação, foi, então, constituída pelos coronéis Gregório Thaumaturgo de Azevêdo, ex-governador do Amazonas, e José Manuel Pando Solares, futuro presidente da Bolívia (COSTA, 2005; RICARDO, 1954).

Aceitando a nascente do Javari localizada pelo Barão de Tefé, pelas instruções do protocolo, a linha de fronteira deveria partir do marco do Madeira, na latitude 10º 20' 13''65, e seguir para oeste e a norte até as vertentes do Javari. Ajustes deveriam ainda ser realizados, de acordo com o Tratado de Ayacucho, a fim de melhor corresponder à realidade da ocupação da região e de conformar a fronteira com limites naturais.

Iniciando os trabalhos da Comissão Mista pela nascente do Javari, entretanto, Thaumaturgo de Azevêdo descobriu que a nascente não se encontrava no local indicado. Sancionar esse erro seria perder a área mais rica e produtiva do Amazonas, a região que mais

12 Em 11 de junho 1873, o capitão de fragata Antônio Luís von Hoenholtz receberia o título nobiliárquico de

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abastecia o governo do estado com borracha para a exportação, e, não menos importante, povoada por brasileiros (RICARDO, 1954).

Thaumaturgo de Azevêdo, comprometido em corrigir o equívoco cometido, pronunciou-se contrário a aceitar o marco estabelecido:

Aceitar o marco do Peru como o último da Bolívia, devo informar-vos que o Amazonas irá perder a melhor zona de seu território, a mais rica e a mais produtiva; porque, dirigindo-se a linha geodésica de 10° 20’ a 7º 1' 17''5 ela será muito inclinada para o norte, fazendo-nos perder o alto rio Acre, quase todo o Iaco e o alto Purus, os principais afluentes do Juruá e talvez os do Jutaí e do próprio Javari; os rios que nos dão a maior porção de borracha exportada e extraída por brasileiros. A área dessa zona é maior de 5.870 léguas quadradas. Toda essa zona perderemos, aliás, explorada e povoada por nacionais e onde já existem centenas de barracas, propriedades legítimas e demarcadas e seringais cujos donos se acham de posse há alguns anos, sem reclamação da Bolívia, muitos com títulos provisórios, só esperando a demarcação para receberem os definitivos. Portanto, a serem executadas as instruções que me destes, terá o Amazonas que perder 46% da produção da borracha ou, anualmente, 2.610:960 $600, no caso da [sic] linha de limites não abranger os afluentes do rio Juruá; ou, se abranger, a perda será de 68% e a renda desfalcada de 3.859:680 $000 e maior ainda será o prejuízo e desfalque na renda, se a mesma linha não salvar os afluentes do rio Jutaí e os do próprio Javari, como ltecuaí, já navegado por vapores em muitos dias de viagem. Nestas condições, penso que podeis apresentar ao ministro boliviano o alvitre de ser descoberta a verdadeira origem do Javari, e, uma vez reconhecida, ali se colocar o último marco da fronteira com a Bolívia (COSTA, 2005, p. 84).

Carlos de Carvalho aceitou o alvitre do agora general Thaumaturgo e o propôs ao plenipotenciário boliviano (COSTA, 2005). A Bolívia, todavia, não aceitou a proposta, alegando que seria um absurdo reiniciar “nuevas y dificiles investigaciones sobre un punto de límite ya deliberadamente estabelecido y definitivamente reconocido”13 pelos dois países. A demarcação, dessa forma, prosseguiu, persistindo no erro de von Hoenholtz.

Agravando ainda mais a situação, em 1896, o general Dionísio Cerqueira assumiu a pasta do Exterior. O novo ministro discordou da posição de Thaumaturgo (CERQUEIRA, 1903), que diante do desprestígio acabou por demitir-se da comissão.

Em O Acre: limites com a Bolívia, o general Thaumaturgo registra, veementemente, as críticas que recebera. A oposição considerava os que apoiavam o general (e ele próprio) “espíritos pouco escrupulosos, sob a máscara de um falso patriotismo”, “pouco ilustrados a serviço de especuladores de pouca consciência”, que “tergiversando os fatos, procurando servir suas ambições pessoais e angariar proventos”, “só por perversidade de ânimo, por ignorância ou por venalidade pode desconhecer o direito da Bolívia ao Acre” (AZEVÊDO, 1901, p. 32-33).

13 “[…] novas e difíceis investigações sobre um ponto de limite já deliberadamente estabelecido e

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