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3. O ESTADO E O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

3.4 Seguranças da proteção social do SUAS

3.4.1 Segurança de Acolhida

O conceito de segurança de acolhida defendido na NOB/SUAS apresenta diferenças daquele exposto pela PNAS/2004. Ousa-se mencionar que ambos são mesmo divergentes, ou, que no mínimo, o conceito oferecido pela Política Nacional de 2004 caracteriza-se como restrito, enquanto que a segurança de acolhida definida pela Norma Operacional Básica de 2005 apresenta uma perspectiva ampliada, ou, pode-se avaliá-la mesmo como qualificada.

Na PNAS, a acolhida é caracterizada como a garantia

de ações, cuidados, serviços e projetos operados em rede [...] destinada a proteger e recuperar as situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, restaurando sua autonomia, capacidade de convívio e protagonismo mediante a oferta de condições materiais de abrigo, repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições pessoais desenvolvidas através de acesso às ações socio- educativas (BRASIL, 2005a, p. 40).

A Política Nacional apresenta a segurança de acolhida restrita à noção da necessidade de provimento de um espaço onde os sujeitos possam ser abrigados, institucionalizados, até que a situação da família se altere, para que o sujeito possa retornar ao convívio familiar e comunitário, em sua família natural, ou ser encaminhado para família substituta. Considera-se esta definição de acolhimento, ou de segurança de acolhida como reducionista, pois, restringe a categoria acolhida à questão do acolhimento institucional, da garantia de um espaço físico no qual devem ser asseguradas as condições materiais para manutenção da vida do/a usuário/a.

Identifica-se o salto qualitativo alcançado pelo SUAS a partir da definição de acolhida defendida pela Norma Operacional. Importa salientar que no período transcorrido entre a elaboração e publicação da PNAS em 2004 e da NOB/SUAS em 2005, aprofundaram-se e qualificaram-se as reflexões e discussões acerca de inúmeras categorias e propostas lançadas pela Assistência Social na perspectiva do SUAS. Neste sentido, de fato podem ser observadas algumas alterações nos textos de ambos os documentos, alterações estas que são compreendidas como produto do processo, do movimento dialético e contraditório característico de todos os fenômenos sociais.

Este salto qualitativo da conceituação e definição da categoria acolhida é identificado facilmente, quando a NOB propõe que esta segurança, além do que foi inicialmente definido pela PNAS, isto é, a oferta de uma rede de serviços e locais destinados à permanência dos sujeitos quando necessário o afastamento do convívio familiar e comunitário, por meio da oferta de vagas em instituições de albergagem e abrigos, de curta, média e longa permanência, acrescenta que

a segurança de acolhida é provida por meio da oferta pública de espaços e serviços para a realização da proteção social básica e especializada. As instalações físicas e a ação profissional devem conter condições de recepção, escuta profissional qualificada, informação, referência, concessão de benefícios, aquisições materiais, sociais e socioeducativas (BRASIL, 2005a, p. 91).

Neste sentido, a acolhida é compreendida para além do espaço físico, da garantia de condições materiais, sendo apreendida como processo, movimento onde aos/as usuários/as precisa ser garantido o direito ao respeito, ao reconhecimento de sua dignidade humana, ao reconhecimento de suas necessidades e demandas e consequente enfrentamento das mesmas, ao respeito e defesa de seus interesses, a compreensão da necessidade de participação do/a usuário/a, enquanto sujeito deste processo, a qualidade do espaço onde será realizado o atendimento, a qualidade dos serviços prestados, a existência de profissionais qualificados/as e permanentes, o esclarecimento de todas as dúvidas dos/as usuários/as, isto é, o direito à informação acerca dos direitos sociais e dos meios de como acessá-los e defendê-los. Esta segurança precisa ser garantida em todos os espaços e instituições nos quais são executados serviços, programas e projetos da política de Assistência Social, ou seja, em toda a rede socioassistencial, seja ela governamental ou não.

Mesmo que de forma contraditória a segurança de acolhida venha sendo caracterizada apenas como uma responsabilidade e compromisso assumido pelos/as técnicos/as do CREAS – dentre eles, especialmente pelos/as assistentes sociais – é possível observar que esta segurança vem sendo garantida no cotidiano de trabalho na totalidade dos CREAS pesquisados, mesmo que não venham sendo garantidas as condições necessárias para este afiançamento pelas instituições e/ou gestores/as municipais.

Esta acolhida é definida pelos/as profissionais como o acesso à informação e às orientações, à escuta atenta e sensível, ao respeito aos/as usuários/as, à busca pela privacidade e ao sigilo, ao reconhecimento dos/as usuários/as enquanto sujeitos de direitos, ao respeito à dignidade dos/as usuários/as, conforme pode ser visualizado pelas falas que seguem:

Acolhida [...] que significa fazer o acolhimento sem julgamento, [...]. A orientação, a escuta, encaminhamento para a rede, acompanhamento social e psicológico, [...] inserir em oficinas [...] (AS3, 2012).

A acolhida, na verdade é um direito que o usuário tem! Ele tem todo o direito de chega aqui, de ser atendido, e de ser atendido em sigilo, não ser atendido no balcão [...] isso é um direito que ele tem [...] (AS1, 2011).

Para que a segurança de acolhida seja afiançada na ótica da garantia de direitos, é importante que o/a profissional reconheça o/a usuário/a como ser social e histórico, por isto, em constante transformação. É essencial que os/as profissionais considerem a contradição presente em todos os fenômenos e processos sociais; e, a totalidade, sendo capazes de realizar as devidas mediações entre universalidade, particularidade e singularidade. Além disto, o respeito e a adoção dos valores do projeto ético-político do Serviço Social é fundamental. No entanto, pelo fato de muitas vezes o/a assistente social ser chamado a responder a demandas apresentadas pelos/as gestores/as e pelo grande capital – antagônicas ao convencionado neste projeto – esse/a profissional é desafiado cotidianamente a adotar distintas estratégias para que consiga se posicionar na luta pela defesa de valores como liberdade, cidadania, democracia, igualdade, participação, dentre outros que se afinam com o projeto hegemônico da categoria.

Quanto à compreensão e sentimento das usuárias em relação à segurança de acolhida, é possível verificar que dentre as usuárias participantes da pesquisa, 100% delas encontram-se satisfeitas com a garantia da referida segurança. Para as usuárias, a segurança de acolhida é definida por meio da construção de relações respeitosas, com a construção de vínculos de

confiança (8 de 15 usuárias), tendo grande importância a garantia do sigilo profissional; o acesso à informação e orientação (3 usuárias); sendo essencial o diálogo (9 de 15 usuárias), a partir da escuta atenta e sensível; o que desperta o sentimento de valorização e reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, e pode ser observado por meio das seguintes falas:

[...] eles não faltam com respeito comigo! São educados! Me senti mais aliviada, quando a gente conversa com os outros (U7, 2012).

Me senti assim, bem acolhida, muito a vontade, [...] fui bem recebida! (U11, 2012). [...] bem acolhida [...] porque a gente conversa, tem a explicação da pergunta que a gente faz, fica tudo... tudo acertado, a gente tem as respostas pelo que a gente pergunta [...] (U9, 2012).

Me sinto bem aqui, cada vez que eu venho aqui, com as conversas, pela ajuda que eu tenho, [...] pelas pessoas que tem aqui, me sinto bem. Sou bem atendida aqui, eu e meu filho! (U10, 2012)

Sempre que eu precisei ligar para saber alguma informação, a Assistente Social35... sempre foi bem tranquilo, se ela não estava eu deixava recado e ela retornava, [...] não houve descaso em nenhum momento que a gente precisou conversar. [...] Meu contato é sempre com a Assistente Social. [...] Eu sempre fui muito questionadora, e sempre saí de lá muito satisfeita. [...] o sigilo, a gente pode ter confiança, [...]. Que é segurança, dá uma sensação de acolhida, que é o que tu precisa naquele momento de fragilidade (U1, 2011). A gente é sempre muito bem atendida! [...] O atendimento é muito bom! (U13, 2011). Eu me sinto bem a vontade lá, [...] me senti bem a vontade para falar. [...] A gente se abre, tem confiança [...] para contar as coisas, [...] A gente tem uma confiança, [...] é bom ter uma confiança em alguém. [...] Eu acho que o apoio é isso: é falar e ser escutada! A gente sente uma segurança, que a pessoa está ouvindo a gente e que vai guardar sigilo! (U15, 2012).

Eu acho bom, porque eu quero ser respeitada! [...] Eles [profissionais do CREAS] me visitam, me apoiam! [...] Conversam comigo, perguntam como é que eu estou, perguntam se eu estou sendo judiada, como que eu me sinto! (U16, 2012).

Salienta-se que os serviços prestados pela equipe dos CREAS têm possibilitado a caracterização destes Centros de Referência como um ambiente acolhedor, favorecedor do diálogo e da escuta, já que, como percebido pelas usuárias, o acolhimento também significa o respeito às decisões das usuárias. Importa lembrar que respeitar democraticamente as decisões dos/as usuários/as, mesmo que estas sejam contrárias aos valores e crenças dos/as profissionais,

35 Substituiu-se o nome da profissional citado pela usuária pela informação de sua formação, para fins de desidentificação do sujeito de pesquisa e identificação da categoria que constitui.

constitui um dever do/a assistente social, previsto através de seu Código de Ética, por meio da alínea b do Art. 5º (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2008).