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2. CONTEXTUALIZANDO O TEMA

2.3. TRÂNSITO MOTOCICLÍSTICO

2.3.5. Segurança no trânsito motociclístico

O tema da segurança no trânsito tornou-se assunto recorrente após o aumento acelerado da frota de veículos motorizados, inicialmente nos países desenvolvidos e, mais recentemente, nos em desenvolvimento, devido ao aumento exponencial dos acidentes (31). “A maioria dos países do mundo não cumpre as normas básicas de segurança dos veículos, particularmente em países pobres e de economia em desenvolvimento” (48).

A segurança no trânsito deve ser tratada como um problema de saúde pública, pois as lesões decorrentes impactam diretamente no setor da saúde (43). Geralmente, a prevenção das violências, de uma forma geral, baseia-se no frágil entendimento de que a intervenção deva ser direcionada apenas aos grupos de risco, conforme segue (69):

 As intervenções universais são abordagens direcionadas a grupos ou à população em geral sem considerar o risco individual;

 As intervenções selecionadas são abordagens direcionadas às pessoas consideradas em alto risco de violência;

 As intervenções indicadas são abordagens direcionadas às pessoas que já demonstraram comportamento de risco.

Antes da década de 80 existia uma forma tradicional de tratamento do setor da saúde em relação aos acidentes e violências, que se restringia ao cuidado dos feridos e à contagem dos mortos. A partir da década de 90 observou-se o aumento do investimento feito nos diagnósticos situacionais das violências, influenciando um ambiente propício para que na década seguinte surgissem propostas práticas para o problema (43).

Em 2004, dada à gravidade em todo o mundo, o assunto da segurança no trânsito entrou oficialmente na agenda da OMS. Nesse sentido, o World Report on Road Traffic Injury prevention (45) traz um novo paradigma a ser considerado no tratamento do tema da segurança no trânsito:

 As lesões ocorridas no trânsito podem ser previstas e evitadas; são problemas causados por seres humanos, passíveis de análise racional e medidas corretivas;

 A segurança no trânsito é uma questão multissetorial e de saúde;

 Os erros comuns de direção e o comportamento geral dos pedestres não devem levar à morte ou a lesões graves – o sistema de trânsito deve ajudar os usuários a lidarem com as condições cada vez mais difíceis;

 A vulnerabilidade do corpo humano deve ser um parâmetro determinante para o desenho do sistema de trânsito, e o controle da velocidade é uma questão central;

 A proteção equitativa para todos os usuários das vias deve ser perseguida, pois os usuários de veículos não motorizados – pedestres e ciclistas – e os mais pobres sofrem de maneira desproporcional os riscos de lesões ocorridas no trânsito;

 A transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os países menos desenvolvidos precisa se ajustar às condições locais e deve-se tratar as necessidades locais identificadas com base em pesquisa.

Dessa forma, as principais variáveis que devem ser consideradas na análise dos riscos para acidentes e que influenciam a segurança no trânsito são: fatores socioeconômicos e culturais que atuam na exposição ao risco; riscos de envolvimento em acidentes, como vias inadequadas e alta velocidade; riscos que influenciam a gravidade do acidente, como a não utilização dos equipamentos de proteção e a embriaguez; e riscos no pós-acidente, como o retardo no socorro das vítimas (45).

Atualmente, os projetos brasileiros de segurança e prevenção de acidentes de trânsito focam em três pilares básicos que são “educação, engenharia viária e fiscalização no trânsito”, e as estratégias de intervenção focam nos usuários do espaço viário, os “pedestres e condutores de veículos” (30-31,66). São exemplos de possível modificação de comportamento dos usuários pela aplicação conjunta dos pilares: o uso do capacete, o respeito à travessia de pedestres e a não ingestão de bebidas alcoólicas por parte dos condutores (52).

Frente à emergência do problema, ocorreu a criação da primeira articulação entre os setores de saúde e transporte para juntos formularem políticas públicas de atenção e prevenção. Assim, em 2002, o Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito e Violências – implementado inicialmente em cinco capitais – Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Curitiba – direcionava aos gestores locais do setor da saúde a elaboração de

projetos que focalizassem ações de capacitação para os profissionais envolvidos, além de melhorar ou implantar os sistemas de informação sobre acidentes nos municípios (43).

Nesse cenário, a OMS coordena projetos como o Decade of Action for Road Safety (2011-2020) e o Projeto Vida no Trânsito. O primeiro é a implementação do plano estratégico das Nações Unidas frente à “epidemia” letal no trânsito das vias públicas, cuja meta é a redução em 50% do número de mortes em acidentes causados por veículos viários em dez anos. Em 2013, a OMS (48) foi convidada a elaborar o Global Status Report on Road Safety: Supporting a Decade of Action como uma linha de base para avaliar o estado da segurança viária global no início da década e, desta forma, ser capaz de monitorar o progresso ao longo do período dos dez anos. Em 2015, novo relatório foi publicado e as mortes por acidentes de trânsito continuavam muito elevadas (59).

O Projeto Vida no Trânsito parte da iniciativa internacional denominada Road Safety in Ten Countries em países como a Federação Russa, China, Turquia, Egito, Vietnã, Camboja, Índia, Quênia, México e Brasil, que respondem por aproximadamente 600 mil mortes no trânsito por ano. Dentro de cada programa de intervenção as ações são organizadas em grupos que envolvem engenharia de tráfego, fiscalização e educação no trânsito (60). No Brasil, o plano de ação foi elaborado entre 2011-2012 com a finalidade de atuar prioritariamente em dois fatores de risco: consumo de álcool e direção e excesso de velocidade. A implantação foi iniciada em cinco capitais brasileiras, sendo uma em cada região: Palmas, Teresina, Belo Horizonte, Curitiba e Campo Grande (66).

Com ênfase na educação no trânsito, o art. 74 do CTB (41) afirma que “a educação para o trânsito é um direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do SNT”. Assim, cabe ao Contran estabelecer, anualmente, os temas e os cronogramas das campanhas de âmbito nacional que deverão ser promovidas por todos os órgãos ou entidades do SNT.

O Decreto n°2.867 de 1998 garante a destinação de 50% do valor total do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) ao Fundo Nacional de Saúde, sendo previsto que 90% sejam investidos em prevenção e atendimento às vítimas do trânsito, e 10% repassados mensalmente ao SNT para aplicação exclusiva em prevenção. Todavia, somente em 2001 esse recurso foi repassado e efetivamente aplicado nas ações previstas. Outro

marco legal relacionado à prevenção dos acidentes é a Portaria Interministerial n°4.044 de 18 de dezembro de 1998, a partir da qual os Ministérios da Saúde, da Fazenda e da Justiça determinam que suas entidades representativas adotem medidas destinadas a garantir a permanente divulgação dos direitos dos assegurados do DPVAT (43).

A educação relacionada ao trânsito envolve desde o conhecimento referente às leis até técnicas de condução segura para a internalização de preceitos de civilidade. A proposta de intervenção educacional deve ser clara quanto às metas que se desejam alcançar, sua fundamentação teórica, quais interesses ela atende e quais são as suas possibilidades de execução (61). Geralmente, campanhas educativas são implementadas com o objetivo de orientar, educar e conscientizar os motociclistas quanto à velocidade máxima das vias, a documentação de porte obrigatório, os equipamentos de segurança, a direção defensiva, entre outros.

No que tange à engenharia de tráfego, estudos realizados em países asiáticos (53,55) evidenciam que a segregação por via exclusiva – “com barreiras físicas” – e a motofaixa exclusiva são as melhores práticas de engenharia para salvar as vidas de motociclistas. No Brasil, as estatísticas referentes aos acidentes de trânsito depois da implantação das faixas exclusivas para motocicletas “sem barreiras físicas” não são animadoras. Em São Paulo, nas Avenidas Sumaré, Paulo VI e Vergueiro ocorreu um aumento nos números de acidentes após a implementação das faixas exclusivas – colisões, quedas e atropelamentos – envolvendo motociclistas, ciclistas, pedestres e automóveis (52). Não foi encontrado na literatura cientifica relato de segregação do trânsito motociclístico com barreira física ou por via exclusiva no Brasil.

Em geral, a visão tradicional sobre a segurança no trânsito é baseada na premissa de que os acidentes de trânsito são de responsabilidade dos usuários das vias, apesar do fato de que existem muitos outros fatores fora do controle destas pessoas (31,45).