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2 A MARCHA DAS MARGARIDAS É NOTÍCIA? REFLEXÕES ACERCA DO

3.4 HETEROGENEIDADE DO DISCURSO

3.4.2 Seleção de fontes

O discurso relatado segue um critério de seleção de fontes. A teoria do Newsmaking reflete sobre isso. Tuchman (1972 apud TRAQUINA, 2008, p. 43) afirma sobre as fontes de notícia que, genericamente, todo indivíduo tem algo a dizer. No entanto, alguns são mais demandados e sua palavra teria mais valor de verdade, como por exemplo, presidentes de comissões. Instituições e organizações também são fontes de informação e a relação com ela pode conter indícios reveladores sobre o seu discurso. O primeiro grupo pode ser considerado como fonte não oficial e, os dois últimos, como fontes oficiais. Essa divisão simbólica leva

em conta o grau de engajamento da fonte de informação com a situação de enunciação e seu consecutivo valor de verdade e, ainda, sua disponibilidade e acesso.

Charaudeau (2009, p. 144-145) detalha critérios para a seleção de fontes: notoriedade, representatividade, expressão e polêmica. Outras questões que se colocam em razão do dito relatado é a identificação das fontes e a maneira com que o dito é relatado. Primeiramente, é preciso justificar a escolha de determinado locutor pelo seu status ou grau de participação com aquilo que se noticia. Cada fonte possui um grau de engajamento, desempenha um papel frente a seu enunciado: tem notoriedade, é uma testemunha, é um organismo especializado é plural, ou seja,

trata-se da informação que emana de várias fontes, de vários informadores. Nesse caso, as informações convergem em seu valor de testemunho ou de opinião, e com isso a pluralidade desempenha um papel de reforço, de confirmação da verdade, ou as informações divergem, se opõem, e a pluralidade promove o confronto de testemunhos e de opiniões contrárias que devem permitir ao sujeito que se informa de construir sua própria verdade consensual. (CHAURAUDEAU, 2009, p. 53). Seguindo o mesmo critério de análise do item anterior, ou seja, apenas as inserções que se encaixam no gênero informativo, vamos observar quais fontes foram entrevistadas para a construção das matérias:

Tabela 3 – Seleção de fontes

Título Fontes oficiais Fontes não oficiais Critério de seleção engajamento Grau de

Mulheres lutam por direitos iguais

Raimunda Celestina Representatividade Notoriedade Eloísa Varela e

Veruska Alves Expressão Testemunha Lia Zanotta Representatividade/ Expressão Plural Mulheres têm o

comando do campo Fátima Ribeiro

Representatividade/

Expressão Plural

Margaridas querem

carteira assinada Raul Jungmann Notoriedade

Notoriedade/ Organismo especializado Mulheres contra a violência Maria José

Sarmento Expressão Testemunha

Cândida Alves

Sousa Expressão Testemunha

Presidente Lula Notoriedade Notoriedade

Gustavo Camarão, Cleovaldo Araújo e Celeste Peixoto Expressão / Polêmica Testemunha Silvain Fonseca Representatividade especializado. Organismo

No que diz respeito à seleção de fontes, nota-se um direcionamento àquelas não oficiais. Quantificando, foram ouvidas oito fontes não oficiais e cinco oficiais. De modo geral, foi dada a palavra para muitos agentes envolvidos, de uma forma ou de outra, na Marcha das Margaridas. Mas ao particularizar, é possível notar que houve matérias, como Margaridas querem Carteira Assinada, publicada no ano 2000, em que não há enunciado de lideranças feministas, de dirigentes sindicais, de manifestantes. Nesse exemplo destacado, só foi dada voz ao então ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann. Contudo, não podemos considerá-lo ator da Marcha. Textualmente, a repórter deixa claro que durante os anúncios feitos naquele dia – ligados à área econômica e voltados para a população rural – não foi feita menção à Marcha das Margaridas ou às manifestações do MST.

Toda a estória de Margaridas querem carteira assinada é construída como relato de observação da jornalista Marina Oliveira. A impressão é que ela foi até a Marcha, surpreendeu-se com o fato de ser uma manifestação de mulheres, mas que não foi capaz de entrevistar nenhuma participante. Tal situação reforça a noção de alteridade. A jornalista aparentemente não julgou necessário colher impressões das mulheres do campo, apenas apresentou as suas sobre aquela manifestação incomum: “De longe parece uma manifestação comum – carro de som, palavras de ordem e bandeiras. Basta um olhar mais atento e os detalhes de uma passeata só de mulheres aparecem.” (OLIVEIRA, 2000, p. 22). Nesse sentido, a jornalista não cumpriu um dos rituais estratégicos do discurso jornalístico o uso judicioso das aspas (TUCHMAN, 1979/1999, p. 81).

A despeito da discussão de fontes, ditos e não-ditos, é sempre importante salientar que nunca é a pessoa (ou seja, a fonte) quem diz diretamente. No discurso jornalístico, quem diz é o redator, ou mesmo o editor. Mesmo que o dito venha entre aspas, o jornalista faz um recorte da parte do enunciado que lhe parece mais conveniente.

Certamente foi o que ocorreu na matéria de Ulisses Campbell, publicada no ano de 2007, há muitos ditos relatados. O jornalista cumpre os atributos formais do ritual estratégico de objetividade. Contudo, grande parte das pessoas cujo dito foi relatado, pertencem à categoria de fontes não oficiais. Nesse sentido, são dadas apenas impressões acerca da Marcha das Margaridas. O jornalista não deu voz às lideranças feministas organizadoras do evento. Tal ausência resulta num texto de impressões. O relato de um dito de lideranças feministas poderia render uma visão mais interpretativa do evento.

Das cinco fontes oficiais cujo enunciado foi relatado no jornal, três eram homens. As fontes oficiais têm valor de verdade em sua fala. Diferentemente das não oficiais que possuem efeito de verdade.

O valor de verdade não é de ordem empírica. Ele se realiza através de uma construção explicativa elaborada com a ajuda de uma instrumentação científica que se quer exterior ao homem (mesmo que seja ele quem a tenha construído), objetivante e objetivada, que pode definir-se como um conjunto de técnicas de saber dizer, de saber comentar o mundo. [...] Diferentemente do valor de verdade, que se baseia na evidência, o efeito de verdade baseia-se na convicção, e participa de um movimento que se prende a um saber de opinião, a qual só pode ser apreendida empiricamente, através dos textos portadores de julgamentos. (CHAURAUDEAU, 2009, p. 49).

As mulheres são minoria nas chamadas fontes-oficiais. A maioria dos entrevistados pelos jornalistas que se enquadram nesta categoria de oficial são homens. Contudo, apesar de a temática motivadora do acontecimento midiático Marcha das Margaridas ser promovido por mulheres, elas ocupam, em sua maioria, lugar de fonte não-oficial na perspectiva da formação discursiva jornalística. Isso demonstra uma desvalorização do dito das mulheres, o que remonta ao ditado “palavra de homem”, expressão que indica que o gênero masculino é questão de honra e honestidade. Isso reforça qual enunciado tem valor de verdade no contexto social institucionalizado. A palavra das mulheres é relegada à uma categoria inferior, seus enunciados não tem valor de verdade, mas apenas efeito.