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Minha pesquisa teve início a partir da reflexão acerca do modo como os papéis sociais de gênero são representados em meio a situações de extrema violência

física, sofrida e perpetrada por mulheres. Diante dessas ponderações, comecei um processo de pesquisa de dados que pudessem me levar a ponderações sobre a violência contra mulheres, tendo como foco principal, neste momento inicial, dados que tematizassem a forma como mulheres eram representadas quando autoras de crimes associados à violência de gênero. Partindo desse ponto de investigação:

1. Iniciei uma pesquisa no acervo online da Revista Veja, primeiramente com o olhar voltado para os crimes cometidos por mulheres, na tentativa de pesquisar se réus de diferentes gêneros recebiam o mesmo tratamento nos meios jurídico e midiático; 2. A pesquisa na revista Veja se deu pela sua abrangência, que contava, na época, e conta, ainda hoje, com um número relevante de leitores em todo o Brasil; 3. Essa etapa introdutória revelou textos com temáticas muito diversas, por isso foi necessário voltar aos dados para estabelecer uma característica que pudesse ser o ponto de semelhança ou dessemelhança entre esse material;

4. Dessa forma, busquei informações no livro “A Paixão no banco dos réus”, que apontou para um interessante ponto de intersecção: o crime passional, uma vez que o livro de Luiza Nagib Eluf (2003) aborda diversos casos de crimes passionais que ocorreram entre os anos de 1960 e 1980;

5. Com base nessa leitura, a coleta de dados foi retomada considerando dois aspectos: crimes passionais e diferentes momentos históricos;

6. Retomada a pesquisa, agora direcionada para o tema crime passional, decidi pesquisar textos que tratassem de crimes passionais debatidos no livro de Luiza Nagib Eluf (2003), que tivessem tido grande repercussão na mídia e tivessem sido cometidos por pessoas de diferentes gêneros (um homem e uma mulher);

7. Dessa pesquisa, foram selecionados os casos de Ângela Diniz, assassinada pelo namorado Doca Street; e o de Paulo César Alcântara, assassinado pela esposa, a atriz Dorinha Duval;

8. Nesse sentido, busquei textos relevantes publicados em revistas sobre os casos supramencionados, mas não obtive sucesso; sendo assim, decidi analisar reportagens publicadas em jornais de grande circulação;

9. Voltando às amostras coletadas no acervo da revista Veja, foram selecionadas duas reportagens (2010 e 2012), que envolviam crimes considerados passionais pela população em geral. Essa escolha se deu, principalmente, pela grande comoção nacional que esses assassinatos provocaram ao se tornarem públicos.

Assim, tendo acompanhado o desenrolar dos acontecimentos relacionados aos assassinatos de 2010 e 2012, refleti acerca do modo como as vítimas e os(as) autores(as) dos crimes foram representados(as) nos meios de comunicação de massa. Diante da escolha desses textos, considerei relevante estabelecer um paralelo entre estas representações, e as representações midiáticas de criminosos(as) e vítimas de crimes passionais, realizadas entre as décadas de 70 e 80.

Diante do exposto, farão parte das minhas análises os seguintes textos:

• TEXTO I - “Entra em cena Doca, o amante arrependido”, publicado em 18 de outubro de 1979, pelo Jornal da República (nº 46, Ano1, p.12). A reportagem, de Ricardo Kotscho, como enviado especial, trata do primeiro dia do julgamento de Doca Street, que assassinou Ângela Diniz às 20 horas, do dia 30 de dezembro de 1976, na casa de veraneio da vítima em Praia dos Ossos, Búzios. Após uma discussão, “[...] a moça foi assassinada com três tiros no rosto e um na nuca, por seu companheiro, com quem morava há quatro meses, o paulista Raul Fernandes do Amaral Street, conhecido como Doca Street”. (ELUF, 2003, p. 63). A defesa foi baseada na tese de legítima defesa da honra e responsabilizou a vítima, Ângela Diniz, por ter provocado tal violência, em razão do próprio comportamento. Inicialmente, a pena de Doca Street foi de dois anos, com direito à sursis4. O caso teve grande repercussão e

foi o estopim para organização de um movimento de mulheres contra a violência doméstica, com o slogan "Quem ama não mata". Após a mobilização social, houve um segundo julgamento, e a pena do assassino foi elevada para quinze anos. Desses quinze anos, Doca Street cumpriu três anos e meio de pena e passou para o regime semiaberto, até ser solto em 1987, em liberdade condicional.5

• TEXTO II – “Em julgamento: o crime de Dorinha Duval”, publicado em 13 de novembro de 1983, pelo Jornal O Globo (p. 24). A

4 Suspensão condicional da pena; “[...] suspensão condicional da execução da execução da pena privativa de liberdade, na qual o réu, se assim desejar, se submete durante o período de prova à fiscalização e ao cumprimento de condições judicialmente estabelecidas” (MASSON, 2011, p. 737).

5 Informações disponíveis em: <https://canalcienciascriminais.com.br/crime-passional-doca-street/. Acesso em: fev. 2019.

reportagem, de Terezinha Lopes, aborda a semana anterior ao julgamento de Dorinha Duval, assassina confessa de Paulo Sérgio Garcia Alcântara, seu marido. Na madrugada do dia 05 de outubro de 1980, no Rio de Janeiro, a atriz Dorinha Duval assassinou o cineasta Paulo Sérgio Garcia Alcântara, com quem estava casada há seis anos (ELUF, 2003, p. 71). Levada a júri em 1983, a atriz foi condenada a 18 anos de prisão. Com o julgamento anulado, apesar dos recursos impetrados pelos advogados da família da vítima, seis anos depois ela teria a pena reduzida para seis anos de cadeia. Cumpridos oito meses de prisão no Rio de Janeiro, Dorinha Duval ganhou direito ao regime semiaberto6. Ressalta-se que, a pena foi reduzida pois, no segundo julgamento, a tese da legítima defesa foi acatada.

• TEXTO III - “O suspeito Número 1”, publicado em 7 de julho de 2010, pela Revista Veja, Edição 2172, Ano 43, nº 27, p. 78/85. A reportagem escrita por Malu Gaspar, Silvia Rogar e Vinícius Segalla, foi veiculada dias depois do desaparecimento de Eliza Samudio. No momento da reportagem, Bruno era suspeito e Eliza ainda não havia sido dada como morta. Bruno foi preso em julho de 2010 por participação no sequestro e no assassinato de Eliza Samudio. Em 2013, foi condenado a vinte e dois anos e três meses de prisão, dos quais dezessete anos e seis meses são em regime fechado, por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e uso de meio que dificultou a defesa da vítima), cárcere privado e sequestro de Eliza e do filho deles, e ocultação de cadáver. Por sua confissão, sua pena foi reduzida em três anos, mas aumentada em seis meses por ter comandado o crime. Em fevereiro de 2017, após seis anos e sete meses preso, Bruno conseguiu habeas corpus por uma liminar deferida pelo STF, no entanto, em 25 de abril de 2017, o STF voltou a julgá-lo e por três votos a um, decidiu que Bruno deveria voltar à prisão.7

6 Informações disponíveis em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2802200120.htm>. Acesso em fev. 2019.

7 Informações disponíveis em: <https://oglobo.globo.com/rio/entenda-caso-do-goleiro-bruno-

TEXTO IV – “Fim do conto de fadas”, publicado em 13 de junho

de 2012, pela Revista Veja, Edição 2273, Ano 45, nº 24, p. 84/90. A reportagem escrita por Laura Diniz e Leonardo Coutinho, trata do assassinato de Marcos Matsunaga pela esposa Elize Matsunaga. “[...] O caso foi encerrado na madrugada de 05 de dezembro de 2016, quando o juiz Adilson Paukoski proferiu a sentença que a condenou a 19 anos 11 meses e 1 dia de reclusão. Elize foi condenada pelo crime de homicídio qualificado, previsto nas hipóteses do art. 121, §2º do Código Penal Brasileiro.”8

Os textos supracitados serão analisados na perspectiva qualitativa, que tem como objetivo analisar as representações, ideologicamente orientadas, de atores e atrizes sociais construídas em narrativas acerca de fatos relacionados a crimes passionais, veiculadas em meios de comunicação de massa.