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Já que começámos a tratar a questão da semântica lexical partindo dos Campos Lexicais podemos salientar que alguns investigadores, sobretudo, os da área da linguística cognitiva, consideram que a teoria dos Campos Lexicais já está um tanto demodée, uma vez que esses investigadores consideram que o avanço da ciência linguística remeteu os aludidos Campos para a esfera de um mero exercício lexemático.

Contudo, e embora a teoria dos Campos Lexicais já não responda, na totalidade, às questões fundamentais relativas à semântica lexical, ao mecanismo mental, conceptual, acontece que essa teoria dos Campos continua linguisticamente válida e não podemos de modo algum pô-la completamente de lado, uma vez que possibilita uma forma de, pelas marcas diferenciais, entendermos, numa abordagem primeira, lógica e estrutural, o significado da palavra.

É evidente que ao referirmo-nos à teoria dos Campos Lexicais estamos a aludir à teoria dos Campos Semânticos, sendo que a idéia dos Campos Semânticos, cuja autoria já indicámos em 1.1., é também um modo de explicação da organização do léxico por meio de relações de afinidade e constraste, sinonímia e incompatibilidade, de hiponímia, etc. como também o afirmaram vários autores citados no ponto anterior, mormente Mário Vilela46 que, aliás, adianta, a propósito, o seguinte:

““E estas relações semânticas fazem parte constitutiva do significado de uma palavra. Um campo semântico é assim um conjunto de palavras (ou lexemas) que configuram um dado domínio de conteúdo:

45 Vilela, Mário (1979), Estruturas Léxicas do Português, Coimbra, Almedina. 46 Vilela, Mário (2002), Metáforas do Nosso Tempo, Coimbra, Almedina,

domínio que pode ser um ‘‘espaço’’conceptual, um domínio da experiência, um dado segmento da vida quotidiana, etc. E aqui situam-se alguns problemas, como o de se saber se a noção de ‘‘campo’’ abrange todas as categorias gramaticais que têm a ver com um dado domínio ou se cada categoria deve pertencer a campos separados.”” (Vilela:140)

Na sequência do que se disse e se citou, devemo-nos, de imediato, interrogar se o campo do ““domínio da cor””, por exemplo, deverá apenas incluir os adjectivos como preto, branco, cinzento, vermelho, verde, amarelo, etc., ou também os nomes adjectivados de cor como laranja, cereja, garrafa, limão e verbos como alaranjar, acizentar, avermelhar, branquear, etc..

Por outro lado, de acordo ainda com este questionamento, dever-se-á ou não estabelecer e definir o ““campo””, encontrar o conteúdo ‘‘superordenado’’, o lexema mais genérico e englobante (o arquilexema) e daí partir para os lexemas que estão envolvidos no campo, ou considerar, desde logo, o Campo Lexical e estabelecer sem mais detalhes as relações que ligam esses lexemas entre si? E Mário Vilela, sobre este caso, remata categórico: ““Tome-se o caminho que se tomar, as palavras do campo definem-se sempre pela sua relação com as demais palavras do mesmo domínio””(Vilela:140-141)

Se estas asserções nos apontam para certas lacunas dentro da teoria dos Campos Semânticos e Campos Lexicais, estes, apesar do seu carácter mais estruturalista do que conceptual-cognitivista, abrem-nos perspectivas para o nosso sentido de Campo Isotópico Literário que tentaremos definir em altura própria nesta dissertação.

De facto, e ainda sem nos debruçarmos sobre os protótipos, a categorização, os ‘‘frames’’, ‘‘scritps’’ e as metáforas que serão certamente outros tantos caminhos para a compreensão do processo semântico e do significado da palavra e da construção das isotopias, é estimulante desde já poder problematizar, por exemplo, se o Campo do ““domínio da cor”” ou de qualquer outro domínio, deverá ou não incluir outras categorias lexicais como nomes adjectivados e verbos.

Numa primeira e brevíssima constatação analítica do que foi dito, parece-nos que o campo lexical, visto e observado já numa perspectiva de marcador semântico, não apenas da sinonímia, mas igualmente da sua extensão polissémica (a metáfora, por exemplo) e tendo em conta a respectiva concepção e contexto, ou seja, a palavra (o lexema) não isolada mas igualmente inserida em ““ambiente””(s) frásico(s) - verbal ou escrito –– sublinhamos a negrito que se torna evidente que devemos, ou melhor, dever- se-ia incluir no Campo todos os domínios e lexemas categoriais afins.

Neste sentido, entendemos que caminhar-se-ia não para uma cada vez maior dispersão significativa do Campo, mas, ao contrário, que, pelo alargamento categorial morfo-sintáctico e plurisemântico, pudéssemos buscar e entender melhor e mais ““holisticamente”” o significado de uma palavra a partir de um determinado domínio do respectivo Campo Lexical. Consequentemente, podemos colocar a seguinte questão:

- Não estaremos assim e também a sair de um campo mais estritamente estruturalista para um outro campo mais alargado e dimensionado, ou seja, amplamente conexionista conceptual-cognitivista?

Aliás, estas últimas questões sintonizam-se com o que afirmámos no ponto sobre a nossa metodologia e o paradigma emergente, este mais virado para a unicidade do que para a fragmentalidade, mais para o holístico do que para a unidisciplinaridade.

Ora, se detalhámos e problematizámos esta possibilidade mais abrangente conceptual e categorialmente dos Campos Lexicais foi porque nas duas obras de Craveirinha, ou seja, Xigubo e Karingana Wa Karingana, a partir das quais constituímos o nosso corpus, fizemos o levantamento dos lexemas bantu, dos neologismos luso-rongas, anglo-bantu e bantu-afrikanse, assim como do léxico português de ordem nominal, verbal e adjectival e respectivos contextos frásico-poético- metafóricos. Explicitamos melhor.

De facto, este levantamento, de acordo com que foi afirmado nos parágrafos anteriores, poderá permitir uma leitura interessante das respectivas concentrações léxicas, da possibilidade de um continuum significativo. Dito de outro modo: concentrações léxicas propensas a abrir perspectivas de entendimento de uma certa unidade significativa, de campos semânticos construídos seja a partir de domínios, seja do processamento prototípico-categorial e respectivas extensões metafóricas, assim como de ““frames”” ou de ““scripts”” conducentes à formação de possíveis Campos Isotópicos Literários.

No caso, uma unidade léxica poderia constituir uma espécie de arquilexema de ordem conceptual-cognitivista, de um ““superordenado”” conceptual como, por exemplo, a partir da palavra Pan-africanismo, do lexema Negritude ou da palavra Nacionalismo, elas também marcas ideológico-culturais nas duas obras emblemáticas de Craveirinha em estudo, no sentido da justificação da nossa hipótese.

Contudo, para um conhecimento mais alicerçado da questão do significado das palavras, para aquém e além dos Campos Lexicais, é ainda necessário determo-nos, mesmo que brevemente, na questão da semântica léxica (diacrónica e teórica) que constitue uma área a aprofundar no sentido de compreendermos cada vez melhor o processo conceptual das unidades léxicas, seus conteúdos e alargamento, até porque, como já dissemos, o nosso corpus inclui lexemas não apenas em língua portuguesa mas também numa língua bantu, o ronga, e mesmo em inglês e afrikanse, utilizados por um poeta africano de expressão portuguesa.

Na verdade, e parafraseando agora Fernando Murga (2002),47 com o desenvolvimento da linguística que a gramática generativa de Chomsky provocou, a Semântica viu-se na necessidade de formular novas teorias do significado psicologicamente verosímeis e empiricamente contrastáveis, surgindo assim a chamada Semântica Liguística, que é, afinal, a parte do Campo Semântico que descreve e oferece explicações científicas dos fenómenos do significado linguístico associados às línguas.

Segundo o mesmo Fernando Murga, os objectivos da Semântica Linguística, pelo menos na corrente teórica mais importante ““é descrever a capacidade (ou o conjunto de capacidades) de um falante que lhe permite construir e compreender estruturas com significado. Quer dizer: a Semântica Linguística estudará a capacidade linguística relacionada com os fenómenos semânticos a chamada competência semântica”” (Murga: 4 –– a tradução do espanhol é de nossa lavra).

E, aqui, ‘‘competência semântica’’ poder-se-á definir como o conhecimento (inconsciente) sobre o significado que o falante possui de uma língua, de acordo também com o mesmo estudioso espanhol.

47 Murga, Fernando Garcia (2002), El Significado – Una Introducción a la Semântica, Muenchen,

Efectivamente, os falantes de uma determinada língua têm uma competência léxica que lhes permite conhecer o significado das palavras que usam. Deste modo, é lógico acrescentar que uma boa parte do estudo em semântica consistirá em formular teorias sobre a competência léxica de um falante. Para Fernando Murga, a competência semântica ““pode-se dividir em dois tipos de competências diferentes: a competência referencial (que permite relacionar as palavras com a ‘‘realidade’’) e a competência inferencial (que permite estabelecer relações semânticas entre expressões de uma língua”” (Murga: 7)

Porém, antes de avançarmos mais um passo semântico, temos que recuar um pouco e intercalar aqui, em poucas palavras, alguns aspectos históricos e teóricos para nos situarmos melhor sobre a questão do signo, do significado e significante linguístico. Foi com Ferdinand Saussure48 (n.1857; m.1913) que a linguística e a concepção estrutural da palavra na sua decomposição em conceito e imagem acústica, no entendimento sobre a arbitrariedade do signo, na diferenciação de langue e parole, deu um tremendo passo em frente.

Não haja dúvida que é com Saussure que se começa a aprofundar a questão mental, psicológica, da linguagem verbal ou escrita, facto e conhecimento que ganha aprofundamento nos finais dos anos 50 e depois nos anos 60 e 70, com Noam Chomsky e a sua gramática transformacional-generativa, que também se preocupava com o aspecto psicológico da linguagem no pressuposto de que esta é um sistema de conhecimentos interiorizado na mente humana.

Efectivamente, e segundo Eduardo Paiva Raposo,49 a ““linguagem é para Chomsky, um sistema formal interpretado, no sentido da lógica (isto é, as expressões são constituídas por um sistema de regras exclusivamente formais e são posteriormente investidas de significação). A interpretação semântica atribuída às expressões derivadas pelo sistema, ou por regras de outros sistemas de representação mental, como o sistema de crenças e de pressuposições acerca do mundo que nos rodeia, o sistema, de significações parcialmente arbitrárias e convencionais que a sociedade atribui às palavras, é um sistema de representação semântica parcialmente autónomo em relação à gramática”” (Raposo:29).

De certo modo, Chomsky colocou primeiramente a semântica um tanto fora da sintaxe e a gramática independente da semântica e de outros sistemas cognitivos. Com o avanço do estudo da linguística cognitiva e, nesta, da semântica do léxico, começou-se a entender melhor que o significado frásico, o significado de uma sentença, dependia da semântica do léxico, do significado de cada uma das palavras dessa frase e que essas palavras, também e por sua vez, se entendiam melhor quando inseridas nas respectivas frases.

Por outro lado, uma outra mecânica sobre o processamento do significado e respectivos modelos cognitivos começou a desenvolver-se, sobre a qual, aliás, já abordámos alguns aspectos no início deste ponto.

Mas deixemos, por ora, estes aspectos diacrónicos e teóricos sobre a semântica em Saussure e Chomsky e retornemos à semântica lexical. Assim, vamos entrar em novos pontos cruciais sobre o léxico, seu sentido e forma de processamento na perspectiva de,

48 Saussure, Ferdinand (1986), Curso de Linguística Geral, Lisboa, Dom Quixote.

paulatinamente, tentarmos abrir outros caminhos conceptuais já anunciados para a justificação da nossa hipótese.

Comecemos, em primeiro lugar, por analisar os protótipos, suas implicações e aplicações e a categorização, para continuarmos depois com os ““frames””e ““scripts”” e, assim, a partir do que constatarmos, podermos realizar um retorno à questão dos Campos Lexicais, já numa perspectiva mais conceptual-cognitiva e mais abrangente.