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Semear a “boa razão”, educar os povos: o mundo português

Nesse período, as ideias que floresciam nos outros países da Europa também chegavam a Portugal. A mobilização do conceito de razão, tal qual no universo de além- Pirineus, também foi central no pensamento produzido pelos eruditos portugueses. É sugestivo que, em 1720, Raphael de Bluteau consolidava, no verbete “Razão” do Vocabulário Português e Latino, o sentido moderno do termo ao enfatizar que se tratava de uma faculdade do entendimento singular do homem, que o faz superior a todas as entidades visíveis, e que “com o uso dela [da razão] reina na terra, e domina no mar”. Por isso acrescentava: “A razão é a diretora das ciências, a inventora de todas as artes, e a guia de todas as empresas”. Ela é, ainda de acordo com as palavras de Bluteau, “o entendimento enquanto discurso, ou potência intelectiva primeira da alma com a qual o homem distingue o bem do mal, e o que é verdade, do que é falso ou a faculdade de conhecer as coisas na sua matéria”. Porém, adverte o mesmo Bluteau, “a razão é coisa divina, porque nada obra Deus sem razão, nem há coisa no homem mais divina, que a razão”.67

Neste verbete do Vocabulário de Bluteau podemos antever os desafios nos quais estavam imersos os intelectuais do século XVIII português, que viam emergir diante de seus olhos os novos conhecimentos científicos baseados na experiência e na natureza como domínio essencial da razão, mas sem perder de vista as referências teológicas que demarcavam o seu contexto. Ao folhearmos o conjunto de obras produzidas pelos homens de letras lusitanos, podemos afirmar que este tema não lhes

66

António Manuel Hespanha, Cultura jurídica europeia, 2017, p. 313-314.

67

Raphael Bluteau, Vocabulário Português e Latino, 1720, pp. 123-124. Sobre a questão da razão e da moral na Filosofia das Luzes em Portugal ver: Ana Cristina Araújo, “Cultivar a razão, educar e civilizar os povos: a filosofia das Luzes no mundo português”. Ponta Grossa-PR: Revista de História Regional 19(2), 2014, pp. 263-281. E da mesma autora “Discursos sobre o Entendimento Humano e Civilização na Filosofia das Luzes em Portugal”. Rio Grande-RS: Revista Biblos, n.1, 2015, pp. 345-366.

foi estranho e que cada um ao seu modo tentou desempenhar um papel fundamental no processo de renovação da cultura portuguesa do Setecentos.

É possível encontrar no início do século XVIII reflexões de índole pedagógicas fundadas no princípio abstrato da razão – igual e imutável a todos os homens, tempos e lugares – e da experiência para servir ao progresso da ciência e da educação do reino. É o caso de Apontamentos para educação de um menino nobre (1734), de Martinho de Mendonça Pina e Proença. Embora não seja um texto específico sobre as questões do poder – na verdade trata-se de um manual para a formação dos “meninos nobres” do país –, o autor não se furta em dedicar algumas páginas da sua obra ao debate sobre a reflexão moral, a justiça, o direito e a teologia, visto que, para ele, a verdadeira instrução deve ensinar os homens a vencer os apetites, e deve, igualmente, “ensinar os fundamentos da sociedade civil, de que nasce a obrigação de obedecer, e expor a vida quando convém à República”.68

É o início da renovação pedagógica e cultural do reino. Por isso, para Martinho de Mendonça, um menino nobre deve ser educado não apenas com as máximas das justas humanidade e benevolência, mas deve também ser instruído nos fundamentos da sociedade civil. Nas suas próprias palavras:

Do mundo sensível se deve passar ao Moral, ao conhecimento fundamental da bondade, ou malícia das ações humanas; ao Direito Natural, porque se devem dirigir, ao das Gentes, com que se devem conformar, e ao Pátrio, ou municipal, cujas Leis e Ordenações se devem observar. Desde a primeira infância se devem explicar aos meninos os fundamentos das Leis, acostumando-os a sua observância.69

Encontramos nas palavras de Martinho de Mendonça, ainda que de forma incipiente, as ideias jusnaturalistas de um novo tipo quando ele afasta da reflexão pedagógica tudo que seja incerto, inútil ou vago para o progresso da ciência, quando acentua a importância do Direito Natural e das Gentes na formação moral do jovem nobre, e quando admite a realidade histórica como hipótese racional para explicar a natureza da comunidade política e do poder soberano.

68

Martinho de Mendonça Pina e Proença, Apontamentos para a Educação de hum menino nobre, 1734, p. 184 e 228.

69

O florescimento dessas novas formas de pensar e dessas novas orientações da ciência encontrou relevo prático na segunda década do século XVIII com a criação da Academia de História (1720) e com as reuniões no Palácio dos Ericeiras, onde fundou - se uma academia filosófica de que fizeram parte muitos eruditos portugueses. Alguns nomes são, além do próprio Conde, Francisco Xavier de Meneses (1673-1743), estudiosos como D. Rafael Bluteau (1638-1734), Manuel de Azevedo Fortes (1666- 1749), António de Oliveira Azevedo, D. Manuel Caetano de Sousa (1658-1734) e Manuel Serrão Pimentel. Ao mesmo tempo, Jacob de Castro Sarmento (1691?-1762) foi encarregado de traduzir as obras de Francis Bacon, deixando os textos Proposições para imprimir as Obras Filosóficas de Francisco Bacon (1731) e a Teórica verdadeira das Marés, conforme à filosofia do incomparável cavalheiro Isaac Newton (1737). As ideias de Descartes inspiraram a reflexão de Azevedo Fortes, na Lógica Racional, Geométrica e Analítica (1744), o que faz presumir que as obras dos melhores autores lidos na Europa se faziam presentes nas discussões dos eruditos portugueses.70

Observemos, por um instante, o movimento de ideias produzido em meados do século XVIII lusitano, no qual se insere o tema do Direito Natural. Em Portugal, nesse momento, existiam alguns atores políticos próximos ao círculo régio que, apesar de não compartilharem as mesmas ideias e os mesmos projetos, seja com relação à educação ou aos rumos políticos e econômicos do reino, partilhavam de uma certa percepção do desfasamento que pressupunham existir em relação à outra Europa, do Norte, de além- Pirineus, assim como tentavam propor políticas alternativas para ultrapassar tal estágio.

De fato, há uma antiga tradição historiográfica que enfatiza o isolamento português, característica do reinado de D. João V, em relação às correntes de pensamento europeias. O obscurantismo e o atraso lusitano, para esta interpretação, seriam resultado da articulação operada pelos eruditos portugueses entre as ideias modernas e a tradição católica. Essa característica sui generis do caso português teria impossibilitado a recepção de certos fachos das “Luzes do século”. Neste sentido, e por comparação, aceitou-se que as ideias formuladas no Setecentos português foram moldadas a partir da dialética entre a aceitação no que diz respeito às diretrizes do Iluminismo italiano, que obrigou o pensamento dos filósofos a pactuar com o

70

Ver Isabel Ferreira da Mota, A Academia Real da História. Os intelectuais, o poder cultural e o poder

catolicismo – é o chamado, por Cabral de Moncada, Iluminismo Católico71 – e a rejeição do espírito filosófico da Enciclopédia francesa.

O “Iluminismo católico” de Cabral de Moncada foi relativizado pelo historiador José Sebastião da Silva Dias, que substituiu o termo de Moncada pela expressão “católicos que se situaram dentro dos parâmetros das Luzes”.72

Para Silva Dias, “o Iluminismo procurou harmonizar-se com as tradições cristãs, quer nos países protestantes, quer na Áustria, na Itália e na Espanha”.73

De acordo com o autor, a apropriação das Luzes teria sido realizada tanto por católicos – italianos, espanhóis, austríacos e portugueses – como por protestantes. Ambos, apesar das diferenças religiosas, combateram o movimento da Apologética Cristã, o deísmo e o ateísmo. É nesse sentido que Francisco Contente Domingos afirma que o principal desafio da Ilustração portuguesa – “uma Ilustração católica na sua medida dominante” – foi o de harmonizar a fé com a ciência moderna.74 Interpretação semelhante encontra-se nos escritos de Pedro Calafate: “o fato é que o nosso Iluminismo conheceu, no seu conteúdo fundamental, uma preocupação de salvaguarda dos domínios da revelação e da fé, em harmonia com a razão”75

; e também de António Braz Teixeira: – “o pensamento filosófico português de Setecentos [...] nunca ousou pôr em causa a verdade e a validade da revelação cristã e o papel espiritual da Igreja, nem afirmar a superioridade da razão sobre a fé, sempre proclamando, pelo contrário, a harmonia da razão e da religião”.76

Desta maneira, as Luzes em Portugal serão marcadas, conforme explicaram Silva Dias e José Esteves Pereira, por limitações que resultam em um ecletismo de concepções, no qual o religioso se impõe quer no cotidiano social e mental, quer nas

71

L. Cabral de Moncada. “Século XVIII – Iluminismo Católico. Verney: Muratori” in: Estudos de

História do Direito, vol. 3, Coimbra, 1950.

72

Apud Ana Cristina Araújo, A cultura das Luzes em Portugal, 2003, p. 17.

73

J. S. da Silva Dias, Portugal e a Cultura Europeia (séculos XVI a XVIII) [1953]. Porto: Campo das Letras Editores, 2006, p. 192.

74

Francisco Contente Domingos, Ilustração e Catolicismo – Teodoro de Almeida. Lisboa: Colibri, 1994, p. 11.

75

Pedro Calafate, “O Iluminismo em Portugal” in: Metamorfoses da palavra – estudos sobre o

pensamento português e brasileiro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998, p. 142.

76

António Braz Teixeira, O pensamento filosófico-jurídico português. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1983, p. 34 e “Filosofia Jurídica” in: Pedro Calafate (org). História do pensamento

resistências ao que apareça com sinais do processo de secularização.77 Tratou-se de uma Ilustração destinada à “informação”, cujo foco estava no avanço da ciência e da filosofia natural em detrimento da filosofia racional e moral. Por isso, ainda segundo Esteves Pereira, a prevenção contra as ideias filosóficas era severa, e o resultado do controle institucional ao enciclopedismo filosófico (político e moral) deu origem ao chamado newtonianismo moral. Este se exprime através do discurso cultural, e sobretudo científico, no campo de uma “mundividência cristã”, atendendo ao lugar do homem entre as coisas da natureza e a essência das coisas.78

A historiografia recente, em grande parte influenciada pela Escola de Cambridge e pelo estudo das ideias em contexto, iniciou uma mudança de perspectiva de análise do período do Iluminismo. Os historiadores começaram a se dedicar ao estudo social das ideias, procurando entender como elas circulavam e como eram transmitidas, absorvidas e respondidas pela sociedade.79 Essa guinada historiográfica levou as pesquisas acerca do Iluminismo, até então entendido como uma “escola” filosófica ou como um “sistema” de pensamento, a considerarem a pluralidade dos debates, temas e problemas com os quais estes ideais se manifestaram em diferentes contextos geográficos e culturais. Para isso, deslocou-se a análise predominante, concentrada nos grandes autores e ideias fundamentais do período, para o estudo das sociedades ou academias científicas e literárias, para o intercâmbio de experiência entre os pensadores – nomeadamente por meio do estudo da correspondência trocada entre eles –, para a análise das Gazetas, dos jornais e dos salões, para o mercado livreiro, ou mesmo para os encontros que favorecessem a discussão pública de ideias e saberes.80

O fato é que, a despeito da questionada denominação “iluministas”, existia um grupo de filósofos, publicitas e reformadores que, dentro e fora de Portugal, compartilhavam ideias sobre as conquistas da ciência e da filosofia, bem como da situação do reino. Para alguns, existia um desfasamento lusitano em relação às outras monarquias da Europa, por isto que as inovações muitas vezes vinham de eruditos que

77

J. S. da Silva Dias, “O ecletismo em Portugal no século XVIII. Gênese e destino de uma atitude filosófica”, Revista Portuguesa de Pedagogia, Coimbra, ano VI, 1972. José Esteves Pereira, “A Ilustração em Portugal”, Revista Cultura – História e Filosofia. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, vol VI, 1987.

78

José Esteves Pereira, “A Ilustração em Portugal”, 1987, p. 191.

79

Dorinda Outram, The Enlightenment: new approaches to European History. Cambridge University Press, 3ª ed., 2013, p. 4-7.

80

tinham passado pelo estrangeiro. Disto decorre o fato de alguns historiadores e ensaístas elaborarem o polêmico conceito de “estrangeirado” para designar os homens, muitas vezes diplomatas, que na primeira metade do século XVIII vieram do exterior e de lá tiraram sua inspiração e seus ideais de reforma.81 Trata-se de um conceito impreciso e criticado, visto que, nas palavras de Ana Cristina Araújo, “desvirtua [...] o universalismo que caracteriza o comércio de ideias no século XVIII e adopta, quase à letra, a própria concepção de Progresso das Luzes”.82

As Luzes portuguesas resultam, assim, de um processo de seleção e adaptação que as orientações e os valores dos pensadores sofrem por meio da literatura estrangeira.

Entre os chamados “estrangeirados” encontrava-se Luís António Verney. A partir dos ensinamentos da ciência do seu tempo, Luís António Verney, considerado o ponto de viragem das ideias portuguesas no século XVIII, defende que a experiência e a razão são as bases para o método e a organização do conhecimento experimental.83 A relevância das dezesseis cartas escritas por Verney em Roma, publicadas em 1746 com o título Verdadeiro Método de Estudar, não está em seu conteúdo propriamente dito, mas no seu espírito – a crítica ao ensino de Portugal, à cultura portuguesa em geral, por exemplo – e na ruptura que representou. Crítica e pedagogia em conjunto marcam essa cisão.84

Verney viveu a maior parte da vida na Itália, travando amizade com um importante enciclopedista italiano, Ludovico Antônio Murati. O seu Verdadeiro Método de Estudar era um manual eclético: um método de gramática, um livro de ortografia, um tratado de lógica.85 Verney acreditava que a gramática deveria ser ensinada em português, em vez de sê-lo no latim. Admirador de Descartes, foi um defensor dos métodos experimentais, opondo-se ao sistema da disputatio baseado na regra da autoridade. Em seus estudos sobre lógica, o padre oratoriano tentou superar Aristóteles

81

Nuno Gonçalo Monteiro, D. José. Lisboa: Temas & Debates, 2008, p. 60.

82

Ana Cristina Araújo, A cultura das Luzes em Portugal, 2003, p. 21. Ver Jorge Borges de Macedo,

Estrangeirados, um conceito a rever. Lisboa: edições do templo, 1979.

83

Luís António Verney, Verdadeiro método de estudar, 1746, tomo II, p. 320.

84

J. S. da Silva Dias, Portugal e a Cultura Europeia, 2006, pp. 253-254. Pedro Calafate, “A filosofia da história” in: História do pensamento filosófico português, 2001, p. 37. Francisco José Calazans Falcon, A

Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia Ilustrada. São Paulo: Ática, 1982, p. 331.

85

Kenneth Maxwell, Marquês de Pombal: Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p.12.

e a Escolástica. A física e a ética tornaram-se a essência da filosofia. No que concerne à jurisprudência, que aqui nos interessa, Verney debruçou-se sobre o valor da cultura jurídica portuguesa, e abriu uma considerável avenida a um “plano de estudos modernos de direito civil”.86

O tema do Direito Natural na obra do Barbadinho, como ficara conhecido, aparece na carta undécima do Verdadeiro Método de Estudar; era dedicada à ética, esta enquanto parte da filosofia, enquanto ciência inserida numa esfera exclusivamente racional, afastando, assim, qualquer explicação teológica. Para Verney, a ética “é a parte da filosofia, que mostra aos homens, a verdadeira felicidade, e regula as ações, para a conseguir”.87

E o Direito Natural, como parte da ética, é um corpo de doutrina que regula o juízo do homem e deve mostrar as ações honestas e úteis à sociedade civil.

Segundo o autor:

Sendo a ética deduzida da boa razão, excita nos homens, os princípios do Direito Natural, dos quais se tiram as decisões dos casos particulares [...]. A verdade é, que a Lei Divina, a Natural, a das Gentes, são as mesmas leis; toda a diversidade está, no modo da publicação. A Divina foi publicada pela boca de Deus; a Natural é a mesma lei divina proposta aos homens, pela faculdade que a alma tem, de conhecer o bem; a das Gentes, é a mesma lei natural, posta em execução por povos inteiros. Além disto, a lei Civil, e eclesiástica, pelo que respeita a honestidade das ações humanas, é em tudo conforme a boa razão [...]. O certo é que elas foram, e são estimadas, não por outro princípio, senão por seres racionáveis. E lei que não é deduzida da boa razão, não merece o nome de lei. 88

Com a obra de Verney, o direito passou a repousar no princípio da recta ratio, universal e eterna, típico da Escola do Direito Natural e das Gentes. Os atributos natural, racional e nacional ocuparam o primeiro plano das suas ideias. Embora os autores e as ideias do Direito Natural fossem mobilizados frequentemente desde o século XVII pelos eruditos portugueses, tratava-se, segundo Moncada, de exercício de retórica, visto que predominava a “Glosa” e os “Comentários” de Bártolo. A crítica de

86

Falcon, 1982, p. 335.

87

Verney, 1746, tomo II, p. 61.

88

Verney, de acordo com os historiadores do direito português, abriu um novo caminho para o campo jurídico em Portugal ao enaltecer o Direito Natural fundado na razão.89

Esta agitação de ideias – precipitada no universo mental português pela polêmica em torno do Verdadeiro Método de Estudar – foi reforçada pouco tempo depois por António Ribeiro Sanches, colaborador da Enciclopédia nos campos da medicina, pedagogia e da economia, nas suas muito ilustradas Cartas Sobre a Educação da Mocidade (1760). As máximas da razão e do Direito Natural aparecem nesta obra como fundamentos para a mudança da mentalidade predominante na época. Era necessário, de acordo com Ribeiro Sanches, realizar progressos no espírito humano por meio da afirmação do primado da razão natural como pressuposto para formação do indivíduo moral, e via modernização do ambiente intelectual das escolas. Apenas assim formar-se- ia um bom cidadão e um bom cristão, e, consequentemente atualizar-se-iam as estruturas políticas, sociais e econômicas do país.90

É importante frisar que as Cartas sobre a educação da mocidade foram publicadas logo após o alvará de 28 de junho de 1759, que suprimia as classes e os colégios dos jesuítas. Isto explica a insistência de Ribeiro Sanches na necessidade de transferência da responsabilidade educativa da Igreja para o Estado, e na defesa de um modelo pedagógico eminentemente laico, pois só assim seria possível estabelecer a harmonia entre a utilidade pública e particular, e atribuir ao Estado a conservação do direito natural à propriedade e à liberdade de todos.91

A instrução pública iniciava pela legislação. A lei, como concentração e personificação da razão universal, assumia um poder ilimitado na formação, na conduta e no modo de pensar das nações. Em Portugal, as ideias do padre oratoriano, primeiramente expressas com a sua reforma pedagógica no Verdadeiro Método de Estudar, e, em seguida, nas Cartas sobre a educação da mocidade, bem como o seu

89

L. Cabral de Moncada, “O „século XVIII‟ na legislação de pombal”, pp. 92-94. Nuno Espinosa Gomes Silva, História do Direito Português. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa. Mário Reis Marques, História do Direito Português Medieval e Moderno. Coimbra: Almedina, 2002. Mário Júlio de Almeida Costa, “Período da formação do direito português moderno” in: História do

Direito Português. Coimbra: Almedina, 2000, 3ª edição.

90

A. N. Ribeiro Sanches, Cartas sobre a Educação da mocidade. Nova Edição revista e prefaciada pelo Dr. Maximiano Lemos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922, p. 120-121. Sobre o projeto educativo e a ilustração de ribeiro sanches ver: Ana Cristina Araújo, “Ilustração, pedagogia e ciência em António Ribeiro Sanches”. Revista de História das Ideias, vol 5, 1984, p. 381-382.

91

projeto de reforma da educação, influenciaram e explicaram as ações no campo da legislação e do ensino no reinado de D. José I. Este necessitava de mentes inteligentes para acelerar os processos científicos no país. Como bem perceberam Verney e Ribeiro Sanches, a renovação portuguesa partiria de uma reorganização, em especial do seu sistema de ensino (Estatutos da Universidade de 1772) e do sistema das fontes do direito (lei de 18/08/1769, posteriormente conhecida como Lei da Boa Razão).

O Direito Natural, tanto para Verney como para Ribeiro Sanches, é um sistema doutrinário da conduta humana. Este tema aparece novamente no Discurso sobre o bom e o verdadeiro gosto da filosofia de António Soares Barbosa, também relacionado à questão moral, ao ordenamento das ações humanas através de normas de conduta. Trata- se, na verdade, de um sistema destinado a moldar a conduta humana.

Como vimos no início deste capítulo, o objetivo de António Soares Barbosa no