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No trabalho aqui proposto consideramos a Semiologia como uma “ciência que estuda os fenômenos da comunicação como sendo de produção de sentido” (LIMA, 2010, p. 33). Segundo Lima (2010), a Semiologia surge na década de 1940, inicialmente, estudando acerca de linguagens não verbais, como os sinais de trânsito e a linguagem dos deficientes auditivos. A segunda fase da Semiologia, segundo Verón (2004), já era menos estática, objetivando compreender os procedimentos textuais.

A terceira fase, a que interessa para o nosso trabalho, emergiu na década de 1980. Segundo Lima (2010), sendo enriquecida pelas contribuições dos conceitos de Mikhail Bakhtin como polifonia e dialogismo integrados à Semiologia e assim originando sua terceira fase, também chamada de Semiologia dos Discursos Sociais. Importante atentarmos que os estudos de Bakhtin provêm de bem antes disso, mas foram descobertos tardiamente pela sociedade ocidental, datando sua obra “Problemas da Poética de Dostoiévski”, de 1929.

Vale a pena frisar que a contribuição da Semiologia dos Discursos Sociais é justamente trabalhar com a noção de sentido e não de significado, como a fase anterior. Verón (2004, p. 216) considera que a terceira fase da Semiologia trabalha com os efeitos de sentido, compreendendo “o processo que vai da produção de sentido até a ‘consumação’ de sentido”. Contudo, o autor afirma que a situação é bastante complexa, visto que o efeito de um discurso não é uno.

Barros (2003) observa que Bakhtin tratava o enunciado30 como o cerne em um estudo da linguagem, mas ressaltando que um objeto necessita ser compreendido por meio do contexto sócio-histórico. Os conceitos de polifonia e dialogismo são imprescindíveis no que tange aos estudos de Bakhtin. O autor trouxe à tona os referidos conceitos ao analisar a literatura de Dostoiévski31 na obra “Problemas da Poética de Dostoiévski” (2010), aludindo que a rica literatura do romancista remetia a um estudo com várias vozes, como ocorre com os jornais, objeto de estudo dessa dissertação.

30

Para Verón (2004, p.216), “a ordem do enunciado é a ordem do que é dito (...), a enunciação diz respeito não ao que é dito, mas ao dizer e suas modalidades, os modos de dizer”.

31

Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881), consagrado autor russo, de sua autoria podemos destacar “Crime e Castigo”, uma de suas obras mais famosas. Mais informações em: <https://www.lpm .com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../li vros/layout_ autor.asp&AutorID=835470>. Acesso em: 4 ago. 2018.

Bakhtin (2010) enfatizava que as personagens de Dostoiévski eram tridimensionais, sendo seus protagonistas não apenas objetos do discurso, mas também os sujeitos. O autor considerava que os heróis do autor russo não possuíam uma consciência fechada em si, partilhavam da experiência com “outro”. Esse último é um elemento indispensável à comunicação, ao discurso, e está justamente no centro da análise de Bakhtin sobre as obras de Dostoiévski. Não há como falar em comunicação e discurso sem o “outro”.

Bakhtin (2010) sublinha que o princípio emblemático na polifonia de Dostoiévski é o fato dela ser realizada entre consciências distintas. A polifonia, portanto, para o autor, consiste em uma multiplicidade de vozes que se cruzam. Bakhtin (2010) considera que os personagens de Dostoiévski são elementos cuja concepção da consciência e autoconsciência importam mais do que suas características mundanas. Contrastando com os romances europeus feitos à época, marcados pela monologia (apenas uma voz), Bakhtin (2010) suscita que as obras de Dostoiévski são plenamente subjetivas, configurando que suas personagens são livres, basicamente, sendo a autoconsciência delas um fator substancial.

Dessa forma, Bakhtin (2010, p. 293) pondera que o dialogismo é condição imprescindível nos romances de Dostoiévski, afinal “tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina e nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida, o mínimo de existência”.

Os escritos de Bakhtin (2010), portanto, são muitos úteis para a análise do nosso trabalho, uma vez que o próprio jornalismo é inconcebível sem a perspectiva do outro. O jornalismo tende a recorrer a várias vozes. A intertextualidade é característica inerente ao ofício, logo, não há como analisar textos jornalísticos sem ponderar o “outro”. Os textos não se encerram em si. Os romances de Dostoiévski, portanto, segundo a percepção de Bakhtin (2010), estão sempre recorrendo ao outro, com vozes se entrecruzando.

Barros (2006) ressalta que a contribuição de Bakhtin para os estudos referentes ao texto e ao discurso não são parciais, sendo necessário compreendê-los em sua completude, em toda sua estrutura, sendo esse também o motivo do autor soviético ter sido incompreendido em vários momentos. Em relação ao dialogismo, Bakhtin o considera indispensável em um estudo sobre linguagem. Segundo Barros (2003), Bakhtin compreende que o dialogismo corresponde ao deslocamento do sujeito e logo à subjetividade, existindo, dessa forma, uma interação entre o leitor e o autor, afinal, ao se escrever se escreve para alguém.

Costa (2006b) suscita que a figura do emissor foi predominante durante muito tempo no panorama dos estudos da comunicação, sendo o outro lado, o receptor, basicamente marginalizado durante esse período. A autora se refere à década de 1980 como o período em

que a Teoria da Recepção32 emergiu, no intento de aproximar as noções de comunicação com as especificidades da noção de cultura, além de ser um momento importante, na América Latina, político e social, propício para rever conceitos sociais, o que também acarretou essa transformação.

Fausto Neto (1995) sublinha que ao falarmos em discurso é inconcebível falar em leitor passivo, visto que a própria noção do termo exige procedimentos que integrem os polos emissor e receptor. É perceptível, dessa maneira, que não existe passividade quando falamos em análise de um texto ou derivados, há uma negociação de sentidos33. Por exemplo, quando se escreve tem-se um público específico imaginário para aquele texto.

Barros (2003) também reforça, que o dialogismo é condição primordial em um estudo textual ou discursivo. O jornalismo recorre aos mais variados sujeitos para compor suas matérias, logo a polifonia é uma de suas características inerentes. Cabe dessa forma, no decorrer dessa pesquisa, identificar quais sujeitos têm as suas vozes acionadas e se o discurso jornalístico contempla variadas perspectivas ou se se concentra em vozes determinadas, excluindo, por exemplo, minorias.

O tópico seguinte focará as noções de discurso, explicitando quais as características desse conceito, os autores que utilizaremos e, finalmente, a metodologia que aplicaremos no presente trabalho: a Análise do Discurso de vertente francesa.