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A preocupação é crescente sobre a alta incidência de infecções causadas por espécies não-albicans e o surgimento de resistência antifúngica (PEREIRA et al., 2010). Estudos apontam o crescente número de cepas de Candida spp. resistentes a fármacos antifúngicos, principalmente a derivados azólicos (POSTERARO et al., 2006; KALKANCI et al., 2007; CHONG et al., 2007). Esta resistência é frequentemente observada em pacientes HIV positivos, nos quais o primeiro relato de resistência foi relacionado ao cetoconazol (NUCCI et al., 2010).

Atualmente, as drogas antifúngicas disponíveis para o tratamento podem ser divididas em quatro diferentes classes, de acordo com o seu mecanismo de ação: inibição da síntese do ergosterol (derivados azólicos); alteração na permeabilidade da membrana celular (poliênicos); inibição da síntese de ácidos nucléicos (fluocitosina e griseofulvina) e inibição da síntese de glucanos da parede celular (equinocandinas) (CHAPMAN; SULLIVAN; CLEARY, 2008). Quando comparadas aos antibióticos, o desenvolvimento de agentes antifúngicos é relativamente limitado (SILVA et al., 2012), sendo restrito o número de drogas disponíveis para o tratamento de infecções fúngicas invasivas (VANDEPUTTE et al., 2012).

A resistência aos antifúngicos pode ser dividida em resistência clínica e resistência in vitro. A resistência clínica é relacionada à falha na resposta ao tratamento, que, por sua vez, pode estar associada a uma baixa concentração do fármaco no sangue e tecidos do paciente, além de um sistema imunológico deficiente, bem como a presença de focos permanentes de infecção, como cateteres e abscessos (REX et al., 1995; SANGLARD; ODDS, 2002; RAMAGE; LOPEZ-RIBOT, 2005).

A resistência in vivo pode ser divida em primária e secundária. Na primária, também chamada de intrínseca ou inata, o microrganismo apresenta naturalmente resistência a antifúngicos (ATIQUE et al., 2006). Na resistência secundária ou adquirida, há seleção das cepas resistentes por meio do uso indiscriminado de drogas antifúngicas, tanto na terapia humana, quanto na agricultura (PFALLER; DIEKEMA, 2007; ROMEO; CRISEO, 2009; COLOMBO et al., 2009).

Entre os mecanismos que contribuem para o fenômeno de resistência aos derivados azólicos, destacam-se a superexpressão ou mutação do gene ERG11, responsável por codificar a enzima lanosterol 14-α-demetilase, molécula alvo dos azólicos; superexpressão dos genes que codificam bombas de efluxo, CDR1 e MDR1; e alterações no gene ERG3, indispensável para a biossíntese do ergosterol. Outros mecanismos não elucidados totalmente podem ocorrer simultaneamente (USER et al., 2007; FERRARI et al., 2009).

Em Candida spp., o mecanismo de resistência aos azólicos geralmente está associado a mais de um fator, atuando de forma simultânea, resultando na expressão da resistência. A superexpressão dos genes CDR1 e MDR1 foi detectada em 85% dos isolados com característica de resistência (PEREA et al., 2001; FERRARI et al., 2009). Além disso, a produção de biofilmes por Candida spp. também aumenta a tolerância desses microrganismos à terapia antifúngica convencional (SILVA et al., 2012).

Inicialmente, os estudos de sensibilidade foram voltados apenas a estudos de antibacterianos e, por outro lado, nenhuma atenção era voltada para a resistência a antifúngicos. Nos últimos anos, infecções causadas por fungos e, em particular, por leveduras do gênero Candida, têm aumentado significantemente principalmente em pacientes infectados com o vírus da imunodeficiência humana, pacientes com câncer (JOHNSON, 2008).

Há uma crescente preocupação relacionada com a resistência ou tolerância antifúngica do Complexo C. parapsilosis. O Complexo C. parapsilosis foi considerado como baixa resistência ao fluconazol (HAJJEH et al., 2004; NGUYEN et al., 1996; PFALLER et al., 2007), no entanto, a resistência clínica a azóis tem sido cada vez mais relatada (BRITO et al., 2006; MOUDGAL et al., 2005; SARVIKIVI et al., 2005). De acordo com o estudo realizado por Chen e colaboradores (2010), todos isolados de C. parapsilosis stricto sensu e C. orthopsilosis foram considerados sensíveis ao fluconazol e as cepas de C. metapsilosis foram consideradas resistentes. Isto está em contraste com relatórios anteriores que descrevem uma ou nenhuma resistência de sensibilidade diminuída ao fluconazol em cepas de C. metapsilosis (LOCKHART et al., 2008; SILVA et al., 2009; CHEN et al., 2010). Cepas de C. parapsilosis stricto sensu e C. orthopsilosis que foram isoladas mostraram CIMs elevados de caspofungina em comparação com isolados de C. metapsilosis. Os isolados de C. parapsilosis stricto sensu apresentaram valores de CIM significativamente mais elevados de micafungina que as de C. orthopsilosis e C. metapsilosis (FORREST et al., 2008; CHEN et al., 2010).

Em um estudo realizado por Ruiz et al. (2013), observou-se que os valores MIC50 e CIM90 para C. parapsilosis stricto sensu foram maiores que as outras duas espécies do Complexo, encontrando resistência a anfotericina B e a itraconazol, situação também observada no estudo realizado por Cantón et al. (2011), em que C. parapsilosis stricto sensu foi a única espécie que mostrou resistência envolvendo os mesmos antifúngicos. Candida metapsilosis também demonstrou CIM50 e CIM90 com valores mais elevados para o itraconazol. Apesar do fato de que Gonçaves et al. (2010) não tinham chegado a qualquer cepa de C. metapsilosis dose dependente, C. orthopsilosis e C. metapsilosis foram mais sensíveis às drogas testadas em contraste com um estudo realizado por Diekema et al. (2009).

A calcineurina é uma proteína altamente conservada em organismos eucariontes, é importante para mediar as respostas de estresse em plantas e fungos, constitui em uma fosfatase ativada por Ca²+ / calmodulina (ARAMBURU et al., 2004; CHEN et al., 2011) e é responsável pela transmissão de informações da membrana celular para o núcleo (STEINBACH et al., 2007; STIE et al., 2008). Ela é composta por duas subunidades distintas: “A”, que é a catalíca, e “B”, que é a reguladora. Em resposta ao influxo de cálcio, a calmodulina liga-se à calcineurina subunidade A e bloqueia a ação do domínio C-terminal da calcineurina ação autoinibitória, resultando na formação do complexo ativo de calcineurina. A calcineurina é importante para as respostas ao estresse térmico, incluindo baixas e altas temperaturas, também funciona em resposta ao estresse por cátions em C. neoformans e Saccharomyces cerevisiae. Além disso, também é importante para a resposta e crescimento em meio de pH alcalino, nos dois casos. A calcineurina funciona em C. albicans para detectar sinais de invasão do tecido do hospedeiro e de infecção disseminada (BLANKENSHIP et al., 2003; CHEN et al., 2010).

A calcineurina está ligada a vários agentes infecciosos, incluindo fungos patogênicos oportunistas humanos, tais como cepas de Cryptococcus neoformans e Candida albicans. A molécula é utilizada de forma diferente entre os principais fungos patogênicos, como demonstrou o estudo realizado por Steinbach e colaboradores, em 2006, em que Cryptococcus neoformans mutantes, que possuíam a calcineurina, foram severamente prejudicados em seu crescimento a 37 °C apresentando defeitos, tornando- os avirulentos. Com Candida albicans, a calcineurina não foi necessária para a sobrevivência in vitro a temperatura de 37 °C, mas sim para a sobrevivência no soro e virulência (STEINBACH et al., 2007).

Em C. albicans, a calcineurina tem demostrado desempenhar um papel fundamental para permitir que as células sobrevivam a perturbação da membrana por drogas que visam biossíntese do ergosterol (CRUZ et al., 2002). O modelo resultante é que a função da calcineurina torna-se essencial, quando fica comprometida a integridade celular (BLANKENSHIP et al., 2003). Com base nestas observações, a hipótese de que a calcineurina pode também ser necessária para manter a viabilidade de C. albicans durante as infecções, desempenhando um papel-chave no início da infecção, durante a candidemia, configurando uma fase crítica da C.albicans no ciclo infeccioso (ONYEWU et al., 2006).

Tanto as subunidades A e B são necessárias para a atividade da calcineurina. Todos os organismos eucarióticos possuem ao menos um gene codificando cada subunidade (ZANG et al., 2012). A calcineurina é o alvo dos fármacos imunossupressores como a ciclosporina A (CsA) e FK 506, que suprimem o sistema imunitário por inibição da calcineurina (LIU et al., 1991). O mecanismo de ação da CsA tem sido extensivamente estudado no ascomiceto S. cerevisiae, bem como em células T (HEITMAN et al., 1992; CARDENAS et al., 1999).

Homólogos da calcineurina têm sido identificados e caracterizados em vários fungos. A calcineurina é essencial e regula a progressão do ciclo celular em Aspergillus nidulans (RASMUSSEN et al., 1994) e elongação de hifas e crescimento vegetativo em Neurospora crassa (PROKISCH et al., 1997). Na levedura Schizosaccharomyces pombe, mutantes da calcineurina são estéreis, têm defeitos na citocinese, polaridade da célula e posicionamento do corpo do fuso (YOSHIDA et al., 1994). Em S. cerevisiae, a calcineurina regula a homeostase iônica e a síntese da parede celular, ativando fatores de transcrição Tcn1/Crz1, que regulam os genes que codificam as bombas iônicas e as enzimas biossintéticas da parede celular (incluindo Fks2, Pmr2, PMC1 e PMR1) (HUYNH et al., 2012).

1.9.1 Ciclosporina A: inibidor da calcineurina

A CsA liga-se à proteína intracelular ciclofilina-1, formando um complexo que inibe a calcineurina. Portanto, a CsA é classificada como um inibidor de calcineurina. Estes complexos de CsA-ciclofilina, os quais se ligam à calcineurina, inibem a transdução de sinais para o núcleo resultando na interrupção ou diminuição da síntese de muitas citocinas, principalmente a Interleucina-2 (IL-2). As diminuições da transcrição de IL-2 e da resposta dos linfócitos-T a isso resultam na inibição da proliferação de linfócitos-T helper e linfócitos-T citotóxicos. A CsA não causa alteração com relação à imunidade humoral, portanto, as vacinas que estimulam a resposta protetora humoral não são afetadas negativamente por este fármaco (LIU et al., 2007).

A CsA é um composto isolado de extratos do fungo telúrico Tolypocladium inflatum. Este fármaco tem sido utilizado na prevenção da rejeição de transplante de órgãos em humanos desde 1977, sendo também empregado como imunomodulador em

diversas dermatoses inflamatórias, como dermatite atópica e psoríase (CARDENAS et al., 1999).

Devido às suas propriedades lipofílicas, a CsA é amplamente distribuída na maioria dos tecidos com exceção da barreira hematoencefálica. Este fármaco é metabolizado principalmente pelo sistema de enzimas citocromo P450, especificamente pelo CYP3A4, no fígado e no intestino. Fármacos que inibam o CYP3A4 ou haja competição com a glicoproteína-P podem alterar o metabolismo da CsA substancialmente (CRUZ et al., 2002).

As drogas imunossupressoras ciclosporina A, FK-506 (tacrolimus) e rapamicina (sirolimus) são usadas para tratar e prevenir a rejeição de órgãos transplantados, porém exercem efeitos antifúngicos potentes contra uma variedade de fungos patogênicos (BADER et al., 2003; UPPULURI et al., 2008). Os estudos revelam sinergismo entre os azólicos e inibidores da calcineurina CsA e FK-506 e os estudos in vivo demonstraram que a combinação sinérgica CsA/fluconazol tem efeito terapêutico benéfico. Em resumo, estes agentes farmacêuticos altamente bem-sucedidos podem encontrar uma aplicação clínica ainda maior no combate a doenças infecciosas (BLANKENSHIP et al., 2003; BADER et al., 2003; ONYEWU et al., 2006).

Em estudo realizado por Shinde e colaboradores (2012), foram demonstrados pela primeira vez os resultados sobre atividade sinérgica da CsA com drogas antifúngicas (VRZ, FCZ, AMB e CASP) contra o crescimento planctônico e a formação de biofilme, bem como em biofilmes maduros de C. albicans. Os resultados obtidos neste estudo sugerem que a inibição da CsA é mediada por mecanismos específicos do biofilme e potencializa a ação de antifúngicos contra biofilmes resistentes aos medicamentos. O aumento da sensibilidade de células planctônicas e a reversão da resistência a drogas na forma de biofilme em formação após a adição do CsA indicam que a calcineurina pode estar fazendo um papel importante na resistência à FCZ, VRZ e CASP. No entanto, o mecanismo exato por trás do sinergismo da CsA com drogas antifúngicas ainda não está claro (MACHETTI et al., 2003; UPPULURI et al., 2008).

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