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CAPÍTULO 1: A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS EM Uma aventura no ensino de

1.2 ANÁLISE DE DISCURSO COMO PROCEDIMENTO TEÓRICO E

1.2.1 Sentidos e as condições de produção

Esse texto toma a noção de sentido conforme abordado pela AD. Entendendo o discurso como “sentidos entre os locutores” e que a discursividade se dá na interpelação ideológica do indivíduo em sujeito, é a ideologia quem produz a evidência do sentido e de transparência da linguagem. Assim, o discurso mostra a ideologia enquanto sentido, porque ela é constitutiva da prática discursiva, ou seja, o sentido funciona como indicador da interioridade da ideologia. Dessa forma, a linguagem não é transparente, pois os sentidos são múltiplos e variados, como mencionado anteriormente. Logo, os sentidos não estão apenas no texto ou nas palavras, mas nas condições específicas nas quais foram produzidos, não dependendo apenas das intenções dos sujeitos (ORLANDI, 2012b, p. 30), ou seja, estão diretamente relacionados às condições de produção.

Pêcheux “teoriza como a linguagem é materializada na ideologia e como essa se manifesta na linguagem” (ORLANDI, 2005, p.10). Assim, é a ideologia que fornece evidências do que “todo mundo sabe” o que algo é e o que deve ser (como nos exemplos de Pêcheux (2009), todos sabem o que é um operário, um patrão etc.). Essas “evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado ‘queiram dizer o que realmente dizem’ e que mascaram, assim, sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados” (PÊCHEUX, 2009, p. 146, grifo do autor).

Para a AD, o discurso não é uma simples transmissão de informação, e nesse viés visa então compreender como um “objeto simbólico produz sentidos e

como está revestido de significação para e por sujeitos” (ORLANDI, 2012b, p. 26). Os sentidos se originam na constituição dos interlocutores e do contexto, que são elementos do processo de significação, estando, portanto, vinculados à memória discursiva.

Como dito anteriormente, os discursos estão diretamente relacionados às suas condições de produção. Condições essas constituídas pelo contexto amplo (histórico-social e ideológico) e pelo contexto imediato (a situação, ou seja, locutor, interlocutor, o lugar de onde se fala, a imagem que se faz do objeto, de si e do outro), os quais contribuem para a compreensão dos sentidos produzidos. Sentidos que têm a ver com o que é produzido nessa determinada situação de pesquisa.

Neste caso, fazem parte do contexto imediato a situação em que se desenvolveu a pesquisa (um projeto no âmbito do PIBID), o contato inicial com os bolsistas, isto é, a apresentação do projeto, dos colaboradores e das pesquisas a ele relacionadas, as reuniões em grupo que constituíram também a participação dos sujeitos no projeto etc. Já o contexto amplo considera a instituição (universidade) da qual esses estudantes fazem parte, o curso de licenciatura, a relação com a formação de professores e o programa de incentivo à docência (PIBID), por exemplo, os quais remetem a questões ideológicas mais abrangentes, que afetam esses sujeitos e suas posições.

As relações de sentido produzidas são contínuas, o que significa dizer que os “discursos apontam para outros discursos que os sustentam” (ORLANDI, 2012b, p. 39). Todo discurso nasce em outro (matéria-prima) e aponta para outro (futuro discursivo) (ORLANDI, 2012c, p. 22), ou seja, existe a ilusão de que o sujeito é a fonte de seu discurso, mas na realidade ele retoma sentidos preexistentes (ORLANDI, 2012c, p. 24). Para a AD, é papel da memória, no processo discursivo, apontar para essa relação entre os discursos, tornando possível cada dizer, sustentando a tomada da palavra e disponibilizando dizeres que afetam a maneira como o sujeito significa em uma dada situação (ORLANDI, 2012b, p. 31). Esse tipo de memória é a chamada memória discursiva (ou interdiscurso).

Neste estudo, as relações que os estudantes fazem entre a HC e o ensino de ciências podem fazer parte da memória discursiva. Isto é, os participantes podem atribuir sentidos diversos em relação aos discursos que já foram ditos anteriormente, como, por exemplo, a HC como maneira de facilitar o ensino, motivar, importante para a contextualização etc., bem como os discursos veiculados em outros lugares,

como nas disciplinas do curso de licenciatura, no período em que estavam na educação básica, em livros e revistas de divulgação, por exemplo. Esses dizeres, mesmo que ditos em outros momentos, também têm efeito sobre os discursos nessas situações. Portanto, para que esses discursos façam sentido para esses sujeitos, já precisam ter feito sentido antes (ORLANDI, 2012b, p. 33).

Ainda como fatores integrantes das condições de produção, existem as relações de sentido, de força e a antecipação. As relações de sentido referem-se aos processos discursivos contínuos, os quais têm relações com dizeres possíveis, realizados ou imaginados (ORLANDI, 2012b). No mecanismo de antecipação, o sujeito coloca-se no lugar de seu interlocutor, prevendo ou antecipando o sentido que suas palavras produzem para o outro. Esse mecanismo regula possibilidades de resposta e dirige a argumentação, uma vez que o sujeito diz algo “segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2012b, p. 39). E finalmente as relações de força, noção que expressa que “o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz” (ORLANDI, 2012b, p. 39).

Por exemplo, o que o sujeito dessa pesquisa diz enquanto licenciando participante do PIBID significa de maneira diferente se falasse do lugar de um licenciando não participante. O mesmo ocorre quando fala da posição de graduando (sem contato com a escola) ou da posição de futuro professor, o qual produziu e levou para a sala de aula da educação básica uma proposta de ensino.

Esses mecanismos de funcionamento do discurso, anteriormente citados, fazem parte das formações imaginárias, isto é, um mecanismo que produz imagens dos sujeitos e do objeto do discurso dentro de um contexto sócio-histórico dado (ORLANDI, 2012b, p. 40). Por exemplo, os sujeitos desta pesquisa têm imagens do que é ser professor, têm imagens referentes às atividades que irão desenvolver no projeto, imagens dos objetos de estudo (HC, improvisação teatral, ficção científica...) e também imagens das imagens que os pesquisadores esperam que eles tenham do objeto. Assim, o funcionamento do discurso se dá a partir dessas imagens, que resultam de projeções, quer dizer, são as projeções que permitem a passagem do sujeito de seu lugar empírico para a posição de sujeito do discurso (ORLANDI, 2012b), o qual toma a palavra, produzindo, por meio de seus discursos, sentidos diversos. Nesta pesquisa são analisados esses discursos dos sujeitos sobre a abordagem histórica, considerando-se determinadas condições de produção (projeto PIBID, por exemplo).

Nessa perspectiva, apesar de os sentidos parecerem ser transparentes para o sujeito, na realidade não o são. Pois, as palavras e expressões, por exemplo, mudam de sentido conforme as “posições sustentadas por aqueles que as empregam” (PÊCHEUX, 2009, p. 146-147). Cada sujeito, falante ou ouvinte, “ocupa um lugar na sociedade, fazendo parte da significação” (ORLANDI, 2012c, p.22). As representações imaginárias, constituídas por todos os discursos já ditos, determinam esse lugar. Logo, o sujeito nessa posição dentro de uma formação discursiva constitui sentidos e identifica-se com outros sujeitos, adquirindo identidade (HIGA, OLIVEIRA, 2010), ainda que interpelado ideologicamente.

Sendo assim, os sentidos produzidos estão inseridos em determinadas formações discursivas, isto é, são enunciados marcados por regularidades. Portanto, as formações discursivas determinam “o que pode e deve ser dito” (PÊCHEUX, 2009, p. 147) em um determinado contexto, de modo a possibilitar a produção de sentidos e as relações com a ideologia. Por exemplo, a expressão “cientificamente comprovado” terá diferentes sentidos quando utilizada no meio acadêmico ou pelo senso comum. No caso deste estudo, a relação entre a HC e o ensino de ciências remete a diferentes formações discursivas inseridas na formação ideológica8 “ensino de ciências” de uma maneira geral.

Logo, é trabalho do analista observar as condições de produção, o funcionamento da memória, para remeter “o dizer a uma formação discursiva (e não outra) para compreender o sentido que ali está dito” (ORLANDI, 2012b, p. 45).

Além do que é dito no processo discursivo, também faz parte do discurso o que não é dito, tomado como pressuposto (não dito, mas presente, subentendido) e dependente do contexto. Ao longo do dizer há uma margem de “não-ditos que também significam” (ORLANDI, 2012b, p. 82). Quer dizer, o sujeito, ao selecionar o que diz e o que não diz, é significativo. Por isso a AD leva em consideração essas margens do dizer, além do já-dito que sustenta as possibilidades do dizer e o funcionamento do discurso, nunca esquecendo o contexto no qual esses sentidos foram produzidos.

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Formações ideológicas (FI): conjunto de atitudes e representações que não são individuais ou universais, mas se reportam mais ou menos diretamente às posições de classes em conflito umas com as outras (HAROCHE et al., 1975 apud ORLANDI, 2012c, p. 23). Em outras palavras, as FI podem ser várias (política, educacional, religiosa) e as formações discursivas são os discursos assumidos pelos sujeitos dentro de determinadas FI, ou seja, é o discurso dessas FI que ganha materialidade.