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4.3 Ressignificando a experiência vivida

4.3.1 Sentindo-se poderosa com a experiência de parir

A subcategoria “Sentindo-se poderosa com a experiência de parir” revela o significado atribuído pela mulher à experiência exitosa do parto. Ela se sente transformada pelo sentimento de “empoderamento”, superação e simplicidade. A subcategoria é composta pelos componentes “Sentindo-se mais forte e capaz por ter conseguido parir” e “Surpreendendo-se com a simplicidade do parto”, descritos a seguir.

4.3.1.1 Sentindo-se mais forte e capaz por ter conseguido parir

Quando a mulher consegue parir sente-se feliz, em paz e realizada, sente que cumpriu um propósito. Ela rompe barreiras, luta e conquista seu objetivo. Compartilha um sentimento de “empoderamento”, força e capacidade de fazer o que quiser. Sente-se orgulhosa e mais capaz de cuidar dela e do filho.

Ela vivencia dificuldades em todo o processo, enfrenta desafios e intervenções indesejadas, consegue parir e se sente vitoriosa. Compreende que parir não é fácil, mas é recompensador e prazeroso. Todos os sentimentos que afloram com o parto e o nascimento da criança fazem deste o dia mais importante da sua vida, marcam sua existência para sempre.

Superar-se e conseguir parir com prazer significa simbolicamente que a mulher tem um corpo poderoso, capaz e forte. Ela é ativa e conquista o protagonismo na experiência. Este significado contrapõe a ideia da mulher frágil, submissa, incapaz e dependente. Ela vence essa prova e simbolicamente está em melhores condições para exercer a maternidade. Sente o parto como o apogeu da sua feminilidade, ou seja, esta é uma experiência importante não só como mãe, mas como mulher.

Ela sente prazer em ter um corpo que funciona em plenitude, em estar participando ativamente do nascimento de seu filho, em senti-lo saindo do seu corpo. Sente sua identidade de mulher e mãe fortalecida. Se ela é capaz de viver essa experiência, ela é uma mulher capaz de enfrentar tudo o que está por vir. Nada a impedirá de triunfar na vida.

A mulher se supera, especialmente, quando tem uma experiência pessoal anterior de sofrimento ou menos satisfatória do que a experiência atual. Ela também se supera quando altera o curso de uma história familiar negativa, quando não passa pelo que sua mãe ou outras mulheres da família passaram. Ela supera a dor física e as dores emocionais. Nesse processo, ela interage com ela mesma, enfrenta a si mesma, encontra-se consigo mesma, se conhece, se desafia, se supera. Ela interage com as outras pessoas na cena do parto, mas somente ela está parindo a criança.

A experiência do parto como superação e prazer não é marcada pelo sofrimento físico ou emocional, mas pelo poder e pelo prazer de estar vencendo uma batalha, conquistando um objetivo, realizando um sonho. Quanto mais tortuoso seu caminho e ousado seu objetivo, ao conquistá-lo, mais fortalecida a mulher se sente.

Além do significado de superação e prazer, a experiência do parto revela uma transformação profunda de crenças e valores. Além de acreditar mais em sua força e poder, a experiência evoca uma mobilização de valores pessoais na mulher. Ela percebe seu mundo transformado por essa experiência e reinterpreta seu propósito de vida.

Com a chegada de minha segunda filha me superei como mulher e como mãe, me sentindo mais forte e capaz de cuidar dela e do irmão, fechei um ciclo de parto iniciado no nascimento do meu primeiro filho. Aprendi sobre mim, sobre limites, escolhas. Foi muito bom experimentar o que eu defendo: o direito de bem parir, o parto respeitoso e protagonizado. Parir não é fácil, mas é recompensador! (RC2)

Sei que me senti uma supermulher e uma felicidade jamais sentida. Esse dia foi o dia mais feliz da minha vida. (JS)

Nossa, agora eu posso escrever o relato, eu tive um final feliz, uma sensação de empoderamento... Eu ouvindo meu marido falar no telefone: “nossa, ela é forte demais”. Foi natural, sem anestesia, então eu me senti mais empoderada ainda, né? Com aquele meninão no braço, 3.780 gramas, foi maravilhoso. [...] É uma sensação de que a gente sai da mulher, da mulher menina, e vira a mãe, uma mulher forte e capaz. Empoderada, dona do próprio corpo. A sensação que eu tinha era essa, que eu era dona do meu corpo e que eu podia tudo que eu quisesse né? Que eu era capaz de tudo que eu queria, eu era capaz de conseguir. Então, ficou isso dessa transformação mesmo, dessa capacidade de que ninguém me tirou esse momento mágico que foi de parir, né? E quando você pega no braço da criança, você pensa: nossa, valeu a pena tudo. (RG1)

Um amigo nosso comentou com meu marido: “puxa, ela é macha pra caramba!”, e eu fiquei com essa frase matutando na minha cabeça: como nossa sociedade fragiliza a mulher e a coloca como incompetente e incapaz de fazer algo que só ela pode fazer! Por que será que para parir assim, naturalmente, somos consideradas “machas” e não “fêmeas”? O parto para mim foi o apogeu da feminilidade, uma experiência única. Vi Deus, literalmente, ao ver minha filha em meus braços. (CR)

4.3.1.2 Surpreendendo-se com a simplicidade do parto

O parto natural sem intervenções é percebido pela mulher como um evento que simboliza simplicidade. Este significado de simplicidade contrapõe o significado do parto como sofrimento e risco, ou seja, trata-se de um evento natural e não um evento complicado, perigoso e que requer intervenções. A mulher que vivencia um parto natural sem intervenções interpreta essa experiência como “empoderadora”, pois a natureza manifestou-se plenamente em seu corpo.

Simbolicamente, quanto mais natural é o parto, mais perfeito é seu corpo. Ela sente sua experiência como uma manifestação da natureza, interpreta que deixou a vida acontecer naturalmente. O que é natural não é

compreendido como sofrimento. Assim, interpreta sua experiência como intensa e dolorida, mas natural.

Um parto sem intervenções no aconchego do lar é um objetivo ousado da mulher e, ao conquistá-lo, ela se sente muito fortalecida. Avalia que o ambiente da casa, tranquilo e sem estímulos estressantes, favorece a evolução do parto. Sente-se feliz com a escolha que fez e deseja que o parto domiciliar seja uma opção para todas as mulheres.

Como ela enfrentou a dicotomia dos significados do parto como uma experiência de superação e prazer versus sofrimento e risco e acreditou no significado de superação e prazer, ao ter uma experiência de parto natural, sem intervenções, a mulher confirma sua crença neste significado. Viver a experiência faz toda a diferença e ela mesma se encanta com a simplicidade do parto. Sente-se surpreendida ao perceber que seu parto foi mais perfeito do que idealizou.

E, assim foi nossa história. Um parto rápido, tranquilo, sereno, no aconchego do nosso lar. Minha filha não teve nenhuma intervenção. Eu não tive nenhuma intervenção nem laceração. Nossa decisão pelo parto domiciliar não poderia ter sido melhor! (LD2)

Foi muito tranquilo, muito simples e mais uma vez transformador. Nesse parto, o transformador para mim foi a questão de superar, que eu realmente não precisava das intervenções. E eu sabia que meu corpo podia agir sem intervenção também. Eu acho que estar no ambiente de casa favoreceu isso, o trabalho de parto foi muito mais rápido, foi muito menos doloroso; por ela ter sido quase um quilo maior que o primeiro filho, eu tive laceração de primeiro grau, dele foi de segundo grau. Então, eu acho que tudo isso teve a interferência de estar na minha casa, o que fica para mim é isso, dessa possibilidade de escolha. Um modelo que possa ser ampliado e divulgado, que possa ser opção de escolha mesmo da mulher. E aí, a gente fica com esse sentimento de superação mesmo, então, de superação e de simplicidade (RG2)

Quando minha mãe chegou eu estava sentada na cama, com as pernas cruzadas (perna de índio), serena e feliz com minha princesa no colo. Ela simplesmente não acreditou: “nem parece que você acabou de parir! Parabéns, minha filha, você conseguiu!” E assim passamos o resto do dia, recebendo visitas, tirando fotos e comemorando nossa vitória sobre a tecnologia. Parir pode ser tão simples, basta deixar a vida acontecer naturalmente. Confesso, eu me senti o máximo ao ver a cara de espanto de todos: sem anestesia mesmo? mas não doeu demais? E eu tranquila, amamentando minha cria. (DP2)

Um parto muito intenso, muito rápido – sem intervenções. Muito dolorido, sim. Mas, quem disse que dor é sinônimo de sofrimento? Diferente do que planejamos, ainda mais perfeito do que planejamos! (GC)