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Nas sequelas da sua demissão ministerial: uma viragem à Direita? A demissão de Leonardo Coimbra deixou-lhe vincadas sequelas políticas.

No documento República e Liberdade (páginas 121-126)

augusto aLVEs Da VEiga E a rEPÚbLiCa

6. Nas sequelas da sua demissão ministerial: uma viragem à Direita? A demissão de Leonardo Coimbra deixou-lhe vincadas sequelas políticas.

Interpelado, pouco depois, se continuaria na política respondeu que “todos os nossos actos sociais são políticos”288; quanto a envolver-se, no futuro, na política

partidária, não certamente com os homens que agora o não quiseram entender, embora ambos (ele e os que o criticaram) queiram o mesmo – mais e melhor fraternidade para os homens – mas por vias distintas, pois, ao contrário dele,

282 Idem, ibidem, pp. 210-211. 283 Idem, ibidem, p. 210. 284 Idem, ibidem.

285 Idem, “Politica e Filosofia”, in CCDE, p. 147. 286 Idem, ibidem, p. 148.

287 Idem, “Filosofia e Politica”, in CCDE, p. 158 (entrevista dada ao Diário de Lisboa, ano III, nº 627, 23.IV.1923).

Ver Álvaro Ribeiro, “Leonardo Coimbra e a politica do seu tempo”, in LC/TSC, pp. 148-49.

os seus correligionários com os quais se desentendeu crêem só na ciência para atingir aquele objectivo e, portanto, que lhes basta actuar apenas das instituições para as almas289. Sem abandonar o partido – como assinalou – iria afastar-se da

vida partidária, e optar por uma outra vida, mais radicalmente, democrática: actuar, junto dos outros, de dentro para fora, das almas para as instituições290.

Mudança que não foi fácil, que lhe provocou mesmo uma “crise de pensamento”, que se prolongou por quase dois anos, como confessará nos fins de 1924291. É

neste período crítico que subscreve o “Apelo à Nação” dos seareiros (e sua pla- neada “União Cívica”) – na qual se apelava ao Presidente da República por uma Ditadura transitória e morigeradora—escreve e dá várias entrevistas (em 1923, por exemplo) onde reafirma a congenialidade da tolerância e dos mais sagrados direitos da democracia com a moral religiosa e o Cristianismo292. Sentia-se cada

vez mais incompatibilizado com a política e não comparecerá no Congresso do seu partido, realizado no dia 21 de Abril de 1923, em Lisboa. Segundo disse, então, a um jornal vespertino da capital, defendia uma política de princípios que era incompatível com a intolerância que dominava no Partido (sobretudo, relativamente, ao Catolicismo), que ainda que se justificasse pelos excessos do Clero, implicava, igualmente, a condenação dos excessos da Revolução Francesa (a sua intolerância e dogmatismo) e daqueles que se reclamavam seus filhos e herdeiros293. Além de que não só “os três sagrados princípios” da Revolução

Francesa – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – não provieram directamente da Revolução Francesa – mas da Bíblia – do Génesis294 e era nela e no Cristianismo

que estava a “essência” do Socialismo, como disse em 29 de Abril de 1923295. Os

ideais republicanos eram, pois, ingénita e necessariamente, compatíveis com o Cristianismo e apenas, histórica e contingentemente, com a Revolução de 1789. Mas este distanciamento político e a sua reiterada insistência na conexão umbilical entre a democracia e o Cristianismo – que levaram o Pe Ângelo Alves a dizer que data, desta altura, a sua aproximação ao Catolicismo296 – não pretendiam ser –

289 Idem, ibidem, p. 148. 290 Idem, ibidem.

291 Idem, “Porque regressa à politica?”, in CCDE, p. 189 (entrevista dconcedida ao Novidades em 6 de Novembro de

1924).

292 Idem, “Filosofia e Politica”, in CCDE, p. 158; idem, “Politica e religião”, in D/V/FP, pp. 204-212. 293 Idem, ibidem, pp. 158-159.

294 Idem, ibidem, p. 158.

295 Idem, “A tolerancia religiosa”, in CCDE, p. 161 (entrevista concedida ao jornal A Beira, Viseu, ano I, nº 39,

29.IV.1923).

como esclareceu – uma rotura com o seu Partido; ainda que deste o afastassem, ocasionalmente, divergências intelectuais, continuava a ser um democrata, apesar de apelidado, pelos seus correligionários, de “jesuíta e reaccionário”297.

No entanto, apesar destas atitudes conciliatórias, o distanciamento de Leo- nardo Coimbra, relativamente, ao seu Partido, foi-se acentuando cada vez mais. Em meados de 1924, ao fazer uma retrospectiva da questão religiosa em Portu- gal, insurge-se contra “as chalaças pesadas e equívocas do Junqueiro da Velhice”, denuncia as ingenuidades subjacentes à crença no progresso indefinido e recorda os erros cometidos no início do regime liberal e do regime republicano298; e

mostra-se, ostensivamente, indiferente às esquerdas e às direitas (que lhe fazem lembrar a “escola de recrutas”!), advertindo que “só por incidente” e não por ambição se meteria na política299. Era uma crítica aos sectários e dogmáticos do

seu Partido, mas tolerável. Mais difícil de entender pelos seus correligionários foi, decerto, o seu discurso na sessão da Cruzada Nacional Nun´Álvares (criada em 1918), realizada no Teatro Politeama, em Lisboa, em 6 de Junho de 1924, por ocasião das comemorações em honra do Condestável, onde defendeu um patriotismo incompatível com a autonomia e soberania do indivíduo300; e, mais

ainda, a sua presença e intervenção no Congresso do Partido Nacionalista de Ginestal Machado301 (que fôra presidente do ministério do XXXVIII Governo,

de 15 de Novembro a 18 de Dezembro de 1923) efectuada no Teatro Nacional,

297 Leonardo Coimbra, Idem, “A tolerancia religiosa”, in CCDE, p. 161 (entrevista concedida ao jornal A Beira, Viseu,

ano I, nº 39, 29.IV.1923).

298 Idem, “Politica e Religião”, in A Águia (Porto), 3ª série, nº 24, vol. IV, 1924, pp. 166-72. 299 Entrevista ao jornal portuense A Montanha, nº4.219, 24.VII.1924.

300 Intervenção publicada nas Novidades, de 7.VII. 1924 e recolhida em CCDE, p. 200. Curiosamente, Leonardo Coimbra

tinha participado, no Porto, em 1921, com João Pina de Morais e Santos Júnior, entre outros, na constituição duma estrutura republicana concorrente da Cruzada Nacional Nun´Álvares – o chamado Grémio Nun´Alvares – presidida por Adolfo Felgueiras, embora fosse “simpatizante” daquela, desde 1918 (ver Ernesto Castro Leal, op. cit., pp. 69 e 159).

301 Embora Ginestal Machado (1874-1940) tivesse um passado republicano que já vinha da propaganda anterior ao

5 de Outubro (pertenceu à Junta Liberal) e tivesse um especial interesse pla instrução (fora professor e ministro da respectiva pasta por duas vezes, em 1921), desde cedo (1912) a sua opção partidária foi para a União Republicana, de Brito Camacho; depois da dissolução deste agrupamento político, militou no Partido Republicano Liberal (1919- 1923) e, depois, no seu sucedâneo, o Partido Republicano Nacionalista, a cujo Directório presidiu (1923-1927). O Partido Republicano Nacionalista, fruto da junção entre Liberais e Reconstituintes, teve como principais órgãos de informação a República (1923-24), a A Tarde (1923-27) e O Jornal (1923-24). Realizou vários congressos (4) em quatro anos, o primeiro dos quais foi em 17/19 de Março de 1923 e o segundo em 19/20 de Janeiro de 1924. Deste Partido veja-se: “Partido Republicano Nacionalista. Manifesto ao País” (in República, Lisboa, ano XI, 17 de Fevereiro de 1923, p. 1; o Estatuto ou Lei orgânica do Partido Republicano Nacionalista, Lisboa, 1923; e o “Programa e realizações imediatas do Partido Republicano Nacionalista” (in O Jornal, Lisboa, ano I, nº 22, de 19 de Janeiro de 1924, p. 4 e nº 23, de 21 de Janeiro de 1924). Sobre as suas origens, feição e objectivos conservadores, veja-se Ernesto Castro Leal, op. cit. pp. 138-143 e 156-18.

em Lisboa, em 20 de Julho de 1924302. Apesar de reafirmar, publicamente, neste

Congresso, que não estava fora do seu Partido, mas apenas na sua periferia, devido à centrifugação de que fôra objecto por parte de um forte sector de opinião que dentro dele existia e do qual divergia em pontos basilares (sobretudo no que dizia respeito ao problema religioso e às relações entre a Igreja e o Estado)303, parece

que o seu desencanto, relativamente, ao seu Partido atingira o zénite. Efectiva- mente, Leonardo Coimbra não deixou de dizer, para quem o quis ouvir, que não só estava no futuro, politicamente, disponível (esperava-o, politicamente, uma “Terra de Ninguém” para onde fôra empurrado pelos esquerdistas do seu partido e, por isso mesmo, estava disponível para o combate por amor da República e da Pátria onde fosse preciso), como elogiou, apesar de assinalar divergências de convicções, a cultura filosófica, o respeito e a competência governativa do dirigente máximo do Partido Nacionalista, Ginestal Machado304. Anote-se, no entanto, que

estas simpatias nacionalistas não surgiram, subitamente, em Leonardo Coimbra. Já, mais ou menos um ano antes, Leonardo Coimbra defendera, em Viseu, o sacrifício do indivíduo à família e desta à pátria, como alguns anos antes fora defendido por Teixeira de Pascoaes na Arte de Ser Português (num contexto muito mais compreensível – o da I Guerra Mundial e da nossa possível participação nela)305. Todavia, é depois da sua presença na sessão de propaganda do Partido

Nacionalista que essa orientação se acentuará. Estas simpatias “nacionalistas” vão

acompanhadas por uma severa crítica ao republicanismo em geral e, em especial, à facção jacobina do seu Partido. Em sua opinião, a República – apesar dos seus prosélitos jacobinos verem nela “a incubação do estado edénico” e a via média para a Liberdade a que os homens seriam, “fatalmente” levados, pela educação positivista e científica306 – quase não tinha uma filosofia de vida, reduzindo-se esta,

em grande parte, “à crença formal e vazia nos seus princípios sociais”307; apesar

disso, Leonardo Coimbra opõe-se a quaisquer soluções políticas revolucionárias (cujos efeitos positivos considera mais aparentes que reais) embora manifeste

302 Leonardo Coimbra, “Esclarecimento da sua situação política”, in O Primeiro de Janeiro (Porto), 22-VII-1924. 303 Ibidem “A situação política de Leonardo Coimbra”, in CCDE, p.170 (publicado n´A Águia, Porto, 3ª série, nº23-24,

Maio-Junho de 1924, pp. 179-182).

304 Idem, ibidem, pp.170-171; idem, “Sobre o ensino religioso”, in CCDE, p. 177 (entrevista ao jornal portuense

A Montanha, 24 de Julho de 1924).

305 Idem, “Os estudantes do Porto”, in CCDE, p. 160 (Discurso proferido no Avenida Teatro, de Viseu, em 26 de Abril

de 1923).

306 Idem, “As revoluções e a disciplina social”, in D/V/FP, p. 216 (inicialmente publicado n´O Primeiro de Janeiro (Porto),

18 de Agosto de 1924).

vivas simpatias por uma revolução social, cujos princípios sejam completamente exógenos à atmosfera social vigente e a escorraçar, violentamente, criando uma outra308. Leonardo Coimbra não é claro sobre se é um opositor às revoluções

(sejam quais forem) ou se é um opositor às revoluções quando são exclusivamente políticas; ao dizer que não acredita muito nas “simples revoluções políticas” e que acredita, sim, nas revoluções sociais, parece-me legítimo inferir que não lhe repugnaria, por esta altura, uma revolução político-social, impossível, no entanto – como afirma – dentro dos “princípios sociais vigentes”; interpretação do conceito leonardino de “revolução” também compartilhada por Teixeira Fernandes mas não por Sant´Anna Dionísio, para quem Leonardo Coimbra sempre se opôs a todas as “expressões espúrias de actividade política que nos nossos dias se conhe- cem pelas expressões de ´acção directa´, de ´mobilização de massas, de ´razões de Estado´ e outras fórmulas de raiz bakunínica e soreliana”309. Este desencanto

político-partidário de Leonardo Coimbra é ainda manifesto na entrevista que, poucos dias depois da sua presença no Congresso do Partido Nacionalista, mais exactamente, em 24 de Julho, concede ao jornal portuense A Montanha e no discurso por ele proferido no banquete de homenagem a António Santos Graça, no Hotel Moderno, na Póvoa de Varzim, em 28 de Setembro; e na supracitada entrevista, opina que a República e o próprio Partido a que pertencia só teriam a ganhar com a constituição de um novo Partido político, forte, com programa, homem e ideias e – uma vez mais – insurge-se contra os extremismos anti-clericais e políticos (como o bolchevismo e o republicanismo jacobino radical), salien- tando que as suas soluções estão inquinadas, respectivamente, por um comu- nismo primitivo e totalitário e por uma filosofia morta (as ideias revolucionárias e jacobinas dos fins do século XVIII), com efeitos, socialmente, nefastos que mostram, uma vez mais, que a esquerda não é necessariamente, progressista nem a direita, necessariamente, reaccionária (pode até dar-se o inverso)310; justificam o

seu “credo redentor” (como fazem o bolchevismo russo e a esquerda portuguesa) em nome dum “progresso fatal, naturalista e indefinido” que não só é refutado pelos factos e pela história mas porque as mudanças políticas não se fazem a partir do nada, por geração “espontânea” duma nova verdade311.

308 Idem, ibidem.

309 António Teixeira Fernandes, art. cit., in FCOLC, p. 186 e Sant´Anna Dionisio, op. cit., pp. 446-47.

310 Leonardo Coimbra, “Sobre o ensino religioso”, in CCDE , pp. 176-77 (entrevista dada ao jornal portuense A Mon-

tanha, ano XIV, nº 4219, 24.VII. 1924).

311 Idem, Discurso proferido no banquete em homenagem a António Santos Graça, no Hotel Moderno da Póvoa de

Pelos fins de 1924, Leonardo Coimbra, fiel aos seus princípios, à defesa da tolerância religiosa e à rebeldia das orientações do seu Partido, regressou à política activa, com o objectivo expresso de contribuir para a reconciliação de “todos os portugueses que valham alguma coisa dentro da República”. Em entrevista publicada, em 6 de Novembro desse ano, pelo Novidades (então órgão “oficioso” da Igreja em Portugal, criado em 15 de Dezembro de 1923 e dirigido por Tomás Gamboa), Leonardo Coimbra repudiou o anti-clericalismo do Governo (como a espoliação, por este, do Convento de Santa Joana, em Lisboa, e a proibição gover- namental da peregrinação a Fátima, em 13 de Outubro de 1924) e confessou-se não só ”um convicto cristão com tendências para o Catolicismo” mas também disposto quer a votar, favoravelmente, no Parlamento, as reclamações do Centro

Católico Português, em matéria religiosa – mais exactamente, “o seu programa

mínimo, ou seja, o reconhecimento da Igreja como personalidade jurídica, liber- dade de ensino nas escolas e colégios particulares, absoluta liberdade religiosa” – quer a subscrever a revogação da Lei da Separação da Igreja do Estado, embora defendendo que a separação se devia manter312; enfim, procurar, pela sua parte

e na medida do possível, “pôr em prática o programa das Novidades”313 (que lia,

regularmente, por obséquio da assinatura desse periódico por parte dum amigo).

No documento República e Liberdade (páginas 121-126)