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1. MORTE EXISTENCIAL E MORTE BIOLÓGICA: elementos fenomenológicos

2.2 Ser-no-mundo e Ser-com

O Dasein possui a condição de ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein) e todo o ser do ente é compreendido no do mundo, pois a partir desta condição é possível determinar seu ser, mas não de maneira total. “A expressão composta ‘ser-no-mundo’, já na sua cunhagem, mostra que pretende se referir a um fenômeno de unidade.” (HEIDEGGER, 1989, pg. 90). Assim, ser-no-mundo se torna uma esfera em que ocorre o desvelamento dos demais entes pelo Dasein, permitindo inferir que a condição de ser-no-mundo proporciona uma complexidade que une vários elementos de Ser e tempo.

A investigação fenomenológica de Heidegger possui um caráter ontológico que busca as determinações essenciais do ser dos entes. Em seu texto, o status do Dasein possui uma ambiguidade, onde de um lado ele é um ente, ao qual cabe a analítica existencial investigar, e do outro, equivale ao homem, que não deve ser entendido meramente, pois é uma determinação ontológica correspondente ao ser desse ente especial. Ele é especial porque é o único que coloca a questão do ser.

A resposta a essa dubiedade se encontra no Dasein, ente que é em si mesmo, ontológico, na medida em que é o único ente em que o ser possui uma abertura originária ao modo-de-ser de todos os outros entes, ou seja, é constitutivo do ser do homem o desvelamento do sentido do "é", a partir do qual o mundo advém como sendo de determinada maneira. Essa característica do Dasein se tornará mais evidente com a explicitação da estrutura do ser-no-mundo, que manifesta fenomenologicamente a constituição do Dasein. (BARBOSA, 1998). Esta explicitação é dada pela analítica existencial.

Pode-se relacionar os sentidos de ser com o habitar, para então extrair as implicações de um Dasein, que procura viver no mundo, significando que ele sai de si, ek-siste, mantendo-se fora desde sempre. Este ente é essencialmente preocupado, e a preocupação é um dos modos-de-ser, ou seja, um existencial. Estar preocupado é o modo como o Dasein se situa existencialmente no mundo. (PASQUA,1993)

O ser do Dasein se manifesta como cuidado, expressão esta que deve ser entendida como o núcleo estrutural ontológico e não como as meras atribuições do dia a dia ou com os cuidados da vida em geral, pois estes fenômenos são ônticos. Por outro lado, é porque o ser-no-mundo constitui essencialmente o Dasein em seu modo-

de-ser-para-com-o-mundo que é ontologicamente o cuidado. Isto combina com a estrutura que compõe esta condição de ser-no-mundo: o ser-em. O mundo faz parte do ser do Dasein e tem com ele uma relação que é essencial. (PASQUA, 1993). E como uma parte do significado da expressão remete ao ser-em, sobre isso Heidegger afirma: “O ser-em … é a expressão existencial formal que designa o ser do Dasein, enquanto este possui uma constituição essencial: o ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 1997, p. 113, tradução nossa).

O ser-no-mundo pode ser dividido em três partes, que são seus momentos constitutivos e característicos: o "ser", o "mundo" e o "em", ou seja, onde, o mundo em que o ser é; o quem, que está no mundo; e o modo de ser-em em si mesmo. A cada um desses momentos é dedicado uma parte específica de Ser e Tempo. No entanto, como já mencionado, o ser-no-mundo é uma condição do Dasein e uma estrutura unitária, que só pode ser decomposta para análise. E esta análise possui uma centralidade a ser verificada, a mundanidade. (BARBOSA, 1998).

A mundanidade é caracterizada através de uma compreensão do ser “para quem” existe o mundo, e o ser que é no mundo só se revela a partir de sua morada, assim, a relação de “ser-em” pressupõe a compreensão dos termos que se relacionam no modo do "em". Em suma, a unidade contida nesta análise é fundamental para se compreender a ideia de ser-no-mundo em toda a sua complexidade. A explicitação da estrutura do Dasein já traz consigo o desvelamento do mundo e vice-versa, podendo- se dizer que a obviedade do ser-no-mundo advém da simplicidade com que o "no" aparece na expressão como um todo. E grande parte da importância do pensamento de Heidegger consiste em ele ter investigado também o "ser-em" da existência.

(BARBOSA, 1998).

A resposta à pergunta pelo quem do Dasein cotidiano deve ser alcançada mediante a análise do modo-de-ser em que o Dasein se mantém imediata e regularmente. A investigação se orienta pelo estar-no-mundo, constituição fundamental do Dasein que determina todo o seu ser.” (HEIDEGGER, 2007, p. 122, tradução nossa).

Para uma interpretação da análise de Heidegger, é necessário acompanhar a sua insistência em aprofundar o ser-no-mundo, onde este aprofundamento inicia com o ser-em da existência humana e amplia-se para outras estruturas, conforme percebe- se neste fragmento: “O mundo do Dasein é mundo-com. O ser-em é ser-com outros. O ser-em-si-do-interior-do-mundo desses últimos é ser-“aí”-com. (HEIDEGGER, 2012, p. 345).

Corroborando a passagem anterior, Werle (2003) diz que, a relação entre os

Dasein não é uma relação entre sujeitos e sim, uma dependência entre eles e que isto

deriva de sua ocupação com os entes. Com os demais Dasein, ele não se detém unicamente por intermédio do comum operar, isto ocorre pela preocupação.

“Com” e “também” devem ser entendidos existencial e não categorialmente. Em virtude deste estar-no-mundo determinado pelo “com”, o mundo é desde sempre o que eu compartilho com os outros. O mundo do Dasein é um mundo em comum (Mitwelt). E estar-em é um coestar com os outros. O ser-em-si intramundano destes é a coexistência (Mitdasein). (HEIDEGGER, 2007, p. 123, tradução nossa).

Em um detalhamento mais específico, pode-se dizer que para uma coisa ou um objeto, a terminologia heideggeriana designa por "ser-simplesmente-dado", o "em" corresponde ao "dentro", ou seja, há uma relação meramente espacial de inclusão. Porém, não é suficiente mencionar que o Dasein está dentro do mundo, estando simplesmente "aí" e que foi uma vez abandonado ao mundo, pois, o dentro não pode se adequar a um ente que traz o mundo dentro de si, de certa forma. Dasein não "é" inicialmente, para após criar relações com um mundo, ele é Dasein na exata medida de seu ser-em, ou melhor, na medida em que possui um mundo. Não existe anterioridade entre esses dois movimentos. "A relação do Dasein com o mundo só é possível porque o Dasein, sendo-no-mundo, é como é." (HEIDEGGER, 1985, p. 96). Por isso, para o filósofo, inferir que o Dasein "tem um mundo", nada quer dizer do ponto de vista ontológico, a menos que se esclareça o caráter do "ter".

Dentro desse contexto, a conexão do Dasein com o mundo não se dá por nenhuma forma de conhecimento. Ela se dá pelo manuseio, pelo uso e pelo contato com os entes que “vêm-ao-encontro-dentro-do-mundo", com os instrumentos. O modo específico do ser-em é uma base constitutiva do modo cotidiano da ocupação, isto é, descreve a ocupação (Besorgen). Em relação a este existencial, ao qual se está envolvido desde sempre no mundo cotidiano, deve-se esclarecer o uso que Heidegger faz do termo instrumento.

Os instrumentos não são apenas objetos utilizados para fazer alguma coisa, e "coisa”, neste contexto, não seria apto ontologicamente. Pois “coisa” já é derivada de uma atitude de conhecimento do Dasein, onde "já se recorre implicitamente a uma caracterização ontológica prévia." (HEIDEGGER, 1985, p. 109). Os instrumentos referem-se sempre a outros instrumentos, e o conjunto de todas essas referências é que constitui o meio original do ser-no-mundo ocupado. Os objetos do conhecimento

nunca são isolados, pois integram um todo instrumental que em última análise são o próprio mundo modificado, derivado. (BARBOSA, 1998).

Assim, pode-se notar um encadeamento de temas, o instrumento conduz ao tema do conhecimento, onde no conhecimento, algo é colocado como tema neste pressuposto: a "coisa" é uma entidade tematizada. Para tanto, os instrumentos são antes de qualquer visão temática, antes de se refletir sobre eles, antes de serem objetivados. A ocupação é, portanto, “não temática”, não se fazendo necessário entender antes algo para dela se ocupar, bastando lidar com esta coisa em um universo de ocupações. Heidegger exemplifica a multiplicidade dos modos de ocupação dizendo que: "Ter o que fazer com alguma coisa, produzir alguma coisa, tratar e cuidar de alguma coisa, aplicar alguma coisa, fazer desaparecer ou deixar perder-se alguma coisa, empreender, impor, pesquisar, interrogar, considerar, discutir, determinar..." (HEIDEGGER, 1985, p. 95). Logo, pode-se concordar com a seguinte ilustração:

O que primeiro vem ao encontro no mundo não são os objetos de um quarto, mas o quarto, e não como espaço geométrico, mas como lugar de morada - só a partir deste último é que pode existir o quarto enquanto espaço vazio. E o quarto se encontra numa casa, que se encontra numa cidade, e esta se opõe ao "campo". A partir da multiplicidade de referências do todo instrumental cada instrumento se situa. Assim, dizemos coisas muito diferentes com "o meu quarto" e "um quarto de hotel", embora ambos sejam quartos, porque a primeira expressão está referida à minha intimidade e ao meu "lugar" mais familiar, enquanto a segunda evoca a impessoalidade de um lugar onde se encontra alguém que, ao menos momentaneamente, está sem "lar". Mesmo a natureza, antes de ser a natureza "em si", que a posteriori o homem tematiza como tudo que não é humano, é a princípio integrante do todo instrumental (a iluminação das ruas traz uma referência implícita ao instrumento "escuridão"). (BARBOSA,1998, p. 4).

Assim, o Dasein se inclui, de forma atemática, no todo instrumental, tratando- se de uma inserção que é, existencialmente, a forma mais acentuada de conhecimento. Quanto menos se visualiza de fora um instrumento, mais eficaz é o seu manuseio, pois, é o uso que primeiramente desvela esse instrumento. "O próprio martelar é que descobre o manuseio específico do martelo." (HEIDEGGER, 1985, p. 111). Não se deve pensar, contudo, que o modo de se tratar com os instrumentos, por não ser temático, é cego, porque ainda “possui seu modo próprio de ver, que dirige o manuseio e lhe confere uma segurança específica.” (HEIDEGGER, 1985, p.111). A ocupação se submete à uma variedade de referências do todo instrumental, e seu modo próprio de visão desse “submeter-se” é intitulado por Heidegger de

"circunvisão". O que a circunvisão "avista", de um modo originário e necessário, é somente o seu mundo circundante (Umwelt).

A manualidade e o caráter de instrumento definem o modo-de-ser dos entes no mundo, onde o conceito de mundo de Heidegger se opõe ao definido por Descartes, que entendia o mundo pelo parâmetro da física-matemática, como coisa extensa (Res

extensa), em que o aspecto prático se sobrepõe ao teórico. (WERLE, 2003).

No contexto da analítica existencial, o prontamente-a-mão e o ser- simplesmente-dado, são estruturas nas quais Heidegger mostra como sempre já se está relacionado e ocupado com os entes. Assim, o prontamente-a-mão destaca que o Dasein se encontra, também, no âmbito da manualidade. Dito isso, é importante observar que há uma complexidade a respeito do prontamente-a-mão, pois neste fenômeno manifesta-se o ente à-mão, que remete sempre para a mão de “quem” e “como” dele se ocupa e se preocupa. Instrumentalmente isso ocorre em um Dasein com relação a outro, lembrando que vinculado ao prontamente-a-mão e aos entes do ser-simplesmente-dado, significam o modo como o Dasein “não é”, isto é, o modo impróprio, decadente.

Portanto, para uma melhor apropriação, afirma-se que, o Dasein se compreende a partir de um entendimento no contexto no qual se desempenham suas próprias práticas, para aquilo diante do que se comporta a sua ação no mundo. O ponto, aqui, é o seguinte: se a compreensão do Dasein implica uma certa habilidade referente ao modo-de-ser para com os entes, e se o Dasein se compreende a partir de uma familiaridade no próprio âmbito no qual se realiza tal maneira de ser, é possível dizer que, o saber que o Dasein tem de si mesmo é originário de seu modo-de-ser para com os entes, suas práticas, é um saber pertinente às suas habilidades, relacionadas à ocupação com os entes em geral, tratado em sua vinculação com o mundo. (NASCIMENTO, 2009).

No quarto capítulo desta dissertação o tema da manualidade relativa ao permanecido e aos permanecentes, será diretamente tratado em sua vinculação com o mundo concreto e isso significa, que essa discussão sobre a morte colocará o foco sobre o paciente terminal como um elemento subjacente à argumentação. Neste sentido, este paciente é considerado como o permanecido.

Ao permanecido, modo-de-ser de um Dasein moribundo, mostra-se a possibilidade constante de ser convencido a continuar vivo, pelos permanecentes, que

o transformando e objetificando-o, tornam imprópria a existência deste Dasein adoecido e com perspectiva de findar. Parte dos entes que permanecem e que ficam no âmbito do esperar esta modificação no estado de saúde do permanecido, fazem deliberadamente, com que ele esteja em constante estado de prontamente-a-mão, tornando a sua estrutura corpórea algo para seu fim de ocupação geral, seja ela laboral, social, afetiva, dentre outras. Inclusive sobre o qual se realizam tentativas de sobrevivência com o uso de técnicas e táticas, para que, em última instância, o Dasein moribundo, volte à uma vida normal ou próximo a isso. Há uma interferência existencial nesta relação.

O Dasein profissional de saúde pode praticar com o permanecido a superficialização da sua existência, lembrando que o mesmo, “foi” e “é” Dasein, pois existe, estando moribundo. O ser-para-a-morte deste Dasein, que está impossibilitado de escolher e de poder-ser, passa a ser “inautentizado” e “inapropriado” pelos demais

Dasein e através dos entes prontos-a-mão: os equipamentos e medicamentos de um

hospital ou clínica, por exemplo.

Sendo assim, compreende-se que na questão levantada na presente dissertação, pela análise heideggeriana, está envolvida uma ocupação com os entes intramundanos. Certamente, isso conduz a alguns conflitos na perspectiva existencial do Dasein e de ordem ética. Há aqui a distinção entre a existência, sendo o modo dinâmico do ser humano, e a sua disponibilidade, que é a sua mera “presentidade” simples enquanto coisa inerte (CEREZER, 2010).

Os detalhes desta discussão, serão aprofundados no quarto capítulo desta dissertação. No que diz respeito a argumentação atual, pode-se dizer que o permanecido tem como possibilidade constante, a de ter a sua existência apropriada pela técnica através dos permanecentes e tornar-se um ser-simplesmente-dado ou um prontamente-a-mão. Contrariamente, Heidegger demonstra em sua analítica que no modo impróprio e decadente sempre remete para um modo-de-ser-fundamental, o que significa que não há ser humano destituído de existência, pois sempre resta a possibilidade de recuperar-se da impropriedade e da decadência e, então retornar para um sentido próprio. Porém, em relação ao permanecido, recuperar a propriedade, requer a condição fundamental de ser-com, necessitando da participação e empenho dos Dasein permanecentes.

Embora os vocábulos ocupação e instrumento, estejam relacionados ao homo

faber, o modo-de-ser no mundo das ocupações diz respeito a todas as esferas da

existência humana e a tudo que o Dasein encontra no mundo. E apesar de Heidegger não fazer referência à existência corporal, a circunvisão que o corpo próprio dirige ao todo instrumental, está fenomenologicamente implicado na análise anterior. O Dasein também se ocupa com outros Dasein, mas este ocupar-se tem uma categoria especial por ser um modo de relação ao qual o Dasein convive com outros entes também dotados do seu modo-de-ser. Ele carrega sempre consigo uma referência a outros, portanto, o ser-com é um modo-de-ser elementar do Dasein. (BARBOSA, 1998).

Geralmente, o ser-em da ocupação indica uma relação de homem-mundo que não é simplesmente a de dois seres “desconhecidos” um ao outro, mas é uma relação, existencialmente dotada de sentido. Entretanto, o modo da ocupação ainda não é suficiente para caracterizar plenamente o ser-no-mundo. Outros modos-de-serem demonstram melhor, ontologicamente, a esfera do ser chamada empiricamente de “mente”, que por ser uma apreensão ontológica e no modo do ser-no-mundo, recompõe o cunho substancialista que acompanha a tematização do psiquismo. Afinal, o Dasein não é substância, ele é um exercício de existir.

Isto pode ser demonstrado por meio do aprofundamento de alguns detalhes. O "Da” representa sua abertura ao mundo, mas o ser do Dasein é justamente sua abertura: "O Dasein é a sua abertura." Ele se abre no mundo primeiramente, a partir da disposição. "O indicamos ontologicamente com o termo disposição que é, “onticamente”, o mais conhecido e o mais cotidiano, a saber, o humor, o estado de humor." (HEIDEGGER, 1985, p.188). E qualquer forma de humor, tal como a simples passagem de um estado de humor para outro, são fenômenos do próprio Dasein, insignificantes ou "nada", que assim, evidenciam a habitual existência do humor. A disposição é o modo-de-ser-em, em que: se sente, se encontra, e que se dispõe no mundo, não devendo confundir a abertura do ser-no-mundo no humor "com o que o

Dasein 'simultaneamente aí’ conhece, sabe e acredita." (HEIDEGGER, 1985, p. 190).

Para Heidegger, a compreensão é um modo-de-ser-em tão originário quanto à disposição. Todavia, não se trata de uma compreensão como forma de conhecimento, pois, o conhecimento está vinculado ao objeto e à relação sujeito-objeto, logo o ser- no-mundo mantém-se numa convivência ocupacional familiar, situado em um conjunto de referências que compõem um todo significativo. "Na familiaridade com essas

remissões, o Dasein significa para si mesmo, ele oferece o seu ser e seu poder-ser para uma compreensão originária, no tocante ao ser-no-mundo." (HEIDEGGER, 1995, p. 132). Entendido o "em função de" da referência ocupacional, o Dasein aciona uma "significância” que concerne à compreensão dentro do modo-de-ser do ser-no-mundo. Além disso, por existir numa abertura, é o único ente em que em seu ser faz parte o que ainda não é, perfazendo as suas diferentes possibilidades de ser, de existir.

O Dasein sempre é o que ele pode ser, e pelo fato de distinguir possibilidades em função das quais ele é, se compreende. Salientar-se que, o saber não evidencia um processo de consciência, porque Dasein não é consciência.

Compreender é o ser desse poder-ser. O Dasein é de tal maneira que ele sempre compreendeu ou não compreendeu ser dessa ou daquela maneira. Como uma tal compreensão, ele sabe a quantas ele mesmo anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser. (HEIDEGGER, 1995, p. 199-120).

O saber do Dasein conforma-se bem, por exemplo, a um módico entendimento de uma situação conhecida em que se ignora conscientemente o que se passa consigo, mas o seu comportamento, percebido num todo, possui sentido, coerência e aparenta já saber desde sempre "aonde quer chegar". Neste contexto da compreensão, Heidegger não pretende contradizer o desconhecimento essencial da disposição, pois compreensão e saber, dizem respeito ao fato de que o Dasein e depara constantemente com a sua abertura.

E somente porque o Dasein é na compreensão de seu Da é que ele pode-se perder e desconhecer. E na medida em que a compreensão está na disposição e, nessa condição, está lançada existencialmente, o Dasein já sempre se perdeu e desconheceu. Em seu poder-ser, portanto, o Dasein já se entregou à possibilidade de se reencontrar em suas possibilidades. (HEIDEGGER, 1995, p. 200).

Não há uma compreensão de ser-no-mundo como se a existência do Dasein estivesse de um lado e o mundo de um outro. Mundo é o lugar onde os entes manifestam, e estes entes podem ser compreendidos de diferentes formas: os entes úteis, os entes da natureza e o Dasein. O mundo é o contexto em que de fato um

Dasein existe como Dasein. Estando lançado no mundo, ele se entrega às ocupações

(decaída), como modo cotidiano e impessoal de ser-no-mundo. Finalmente a mundanidade do mundo é o plano existencial da analítica de Ser e tempo. “A mundanidade é um conceito ontológico e designa a estrutura de um momento constitutivo do ser-no-mundo, é um existencial, um caráter próprio do Dasein.” (HEIDEGGER, 2012, p. 114).

O Dasein é ser junto-a, junto aos entes, é ser-com (Mitsein). Está no mundo e envolvido por ele em uma rede de relações e vinculações. Sem o mundo, o Dasein não compreende o ser na existência, hermenêutica e fenomenologicamente. O conjunto dos objetos que se encontram no mundo não estabelece o mundo, pois o mundo não é a somatória de entes. “O próprio mundo não é mesmo um ente intramundano e, no entanto, determina este ente de tal forma que ele não pode ser encontrado e descoberto no seu ser senão na medida em que há mundo.” (HEIDEGGER, 2012, p. 117).

O ser-no-mundo é alguém que usufrui o mundo de acordo com as suas ocupações, e ao mesmo tempo em que está imerso na impropriedade, cumpre o papel de transformar, organizando as coisas conforme suas necessidades. Somente o

Dasein tem a capacidade de criar e dar sentido aos projetos, realizando-se através do

mundo que o circunda, o que os simples entes não são capazes de fazer. (NAVES,

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