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Em seu livro Tecnologias da Inteligˆencia Pierre L´evy (1993) apresenta na discuss˜ao sobre o seu conceito de tecnologia intelectual que toda institui¸c˜ao ´e uma tecnologia inte- lectual. E, por institui¸c˜ao, o autor considera todo tipo de mem´oria, de racionc´ınio e de tomada de decis˜ao autom´aticas, incorporadas `a m´aquina social que economizam quanti- dade de atividade intelectual dos indiv´ıduos. O autor exemplifica essas institui¸c˜oes como todo tipo de: l´ınguas, sistemas de classifica¸c˜ao, conceitos, analogias, met´aforas, imagens - equipamentos cognitivos fornecidos pela cultura, regras jur´ıdicas, administrativas, divis˜ao do trabalho, estrutura hier´arquica, normas de a¸c˜ao etc. (p. 142-143). Mais al´em, L´evy (1993, p. 152-161) demonstra como essas tecnologias intelectuais participam de forma fundamental no processo cognitivo. Al´em da caracter´ıstica de ser instrumental ao indiv´ı- duo para economizar esfor¸cos f´ısicos e intelectuais, a tecnologia estrutura profundamente a forma de perceber o mundo, manipul´a-lo cognitivamente, resolver problemas e criar. Conclui o autor, que o indiv´ıdulo cognoscente ´e em essˆencia a sua capacidade biol´ogica integrada com a tecnologia, sem abertura para uma vis˜ao em separado entre esses dois aspectos, posi¸c˜ao compartilhada por Milton Vargas (1994).

Como elemento marcante do contexto p´os-industrial, (ZUBOFF, 1988, p. 58-95) discute

em profundidade as modifica¸c˜oes advindas da introdu¸c˜ao da tecnologia nas organiza¸c˜oes. A tecnologia, em especial a automa¸c˜ao, modifica os requerimentos para a realiza¸c˜ao do trabalho, passando da a¸c˜ao direta do ser humano sobre as coisas, do seu engajamento e percep¸c˜ao f´ısicos, para compreens˜ao e resposta a representa¸c˜oes simb´olicas veiculadas por diversos formatos – registros –, cada vez mais eletrˆonicos e digitais. O novo requisito, fundamentado nos processos cognitivos associados a tal tipo de trabalho, ´e denominado pela autora de intellective skill. Diferentemente da habilidade e for¸ca f´ısicas, o intellective skill corresponde `a mudan¸ca de percep¸c˜ao de pistas e est´ımulos f´ısicos para constru¸c˜ao de sentido a partir de est´ımulos abstratos e simb´olicos como meio de apreender o uso de artefatos, cria¸c˜ao e desenvolvimento de t´ecnicas e, em mais alto n´ıvel epistemol´ogico, a realiza¸c˜ao tecnol´ogica. Os mecanismos do intellective skill envolvem o racioc´ınio inferen- cial dedutivo e indutivo, o pensamento procedimental e sistˆemico, e remetem a uma nova

estrutura organizacional que privilegia a educa¸c˜ao formal (p. 195). Ou seja, evidenciam novo conjunto de habilidades cognitivas para o trabalhador atual.

Outra importante caracter´ıstica essencial das organiza¸c˜oes p´os-industriais segundo Zuboff (1988, p. 200) ´e a mudan¸ca cultural observada no contexto de aprendizado, que passa da oralidade para a textualiza¸c˜ao (escrita), fenˆomeno mais geral `a humanidade descrito tamb´em em (L´EVY, 1993). Uma marca desse contexto textualizado ´e a ausˆencia

no tempo ou no espa¸co do autor da informa¸c˜ao, implicando na pr´atica interpretativa da informa¸c˜ao registrada. Nesse novo contexto, intensificado com o uso cada vez maior de tecnologia nas organiza¸c˜oes e nas institui¸c˜oes humanas, a interpreta¸c˜ao e a constru¸c˜ao de conceitos a partir meios simb´olicos s˜ao realizados por meio do di´alogo (ZUBOFF, 1988, p.

200), (SNODGRASS; COYNE, 1997) exigindo constru¸c˜ao colaborativa de significado.

Para realiza¸c˜ao do processo de significa¸c˜ao por meio da pr´atica interpretativa, o indi- v´ıduo obt´em sua mat´eria-prima a partir da percep¸c˜ao dos objetos, fatos e circunstˆancias de seu ambiente. Essas a¸c˜oes de percep¸c˜ao e apreens˜ao s˜ao intermediadas pela tecnologia, que provˆe o objeto, o fato e o ambiente por meio de sua l´ogica, interfaces ou mem´oria (ro- tinas, padr˜oes, bancos de dados). Atuante nesse relacionamento est´a a informa¸c˜ao, como o meio que veicula as caracter´ısticas do fato e do ambiente ao indiv´ıduo cognoscente.

Entra em cena a problem´atica da fragmenta¸c˜ao, discutida em (CAPURRO, 2000), como produto da hist´oria humana moderna. Segundo o autor, o conexto de informa¸c˜ao da sociedade atual se caracteriza pela fragmenta¸c˜ao, descentraliza¸c˜ao, n˜ao totalitarismo e opacidade, cuja express˜ao maior ´e a Internet. A fragmenta¸c˜ao provoca o desaparecimento do contexto original do conhecimento, o conhecimento passa a ser primordialmente parcial, dependente do ponto de vista do indiv´ıduo e seu crit´erio de verdade se torna insepar´avel do conceito de relevˆancia, conforme estabelecido na filosofia da tecnologia em (VARGAS, 1994) sobre a utilidade da tecnologia no contexto social. Resulta na impossibilidade pr´atica para o indiv´ıdulo possuir conhecimento extenso o suficiente para abordar todos os aspectos relacionados a um artefato, t´ecnica e tecnologia, bem como o crit´erio de verdade se torna imposs´ıvel de estabecer desvinculado do grupo social a que pertence o indiv´ıduo. Assim, a textualiza¸c˜ao, como registro da informa¸c˜ao, e o fenˆomeno da fragmenta¸c˜ao da informa¸c˜ao implicam na pr´atica interpretativa como mecanismos necess´ario para sig- nifica¸c˜ao. Al´em disso, vale ressaltar que na hermenˆeutica fenomenol´ogica, essa pr´atica

´e essencialmente um processo comunit´ario (CAPURRO, 2000), e se realiza por meio do

c´ırculo hermenˆeutico. Repita-se aqui a posi¸c˜ao de (SCHLEIERMACHER, 2006, p. 33), de que a hermenˆeutica ´e mais do que uma abordagem metodol´ogica para interpreta¸c˜ao de

textos (originalmente religiosos), mas, como apoio para “apreens˜ao do pensamento”, ou

como mostra (GADAMER, 2007, p. 387) “A hermenˆeutica sempre se propˆos como tarefa

restabelecer o entendimento onde n˜ao h´a entendimento e onde foi distorcido”. O c´ırculo hermenˆeutico descreve, segundo esse fil´osofo (p. 389), “um momento estrutural ontol´ogico da compreens˜ao”, constituindo um processo b´asico e antecedente ao uso da l´ogica, lin- guagens formais e cient´ıficas, conformando a funda¸c˜ao para a racionalidade (SNODGRASS; COYNE, 1997, p. 80).

Esse c´ırculo se desenvolve por meio da explicita¸c˜ao do relacionamento do todo com a

parte, centro do di´alogo hermenˆeutico (GADAMER, 2007;SCHLEIERMACHER, 2006;SNOD-

GRASS; COYNE, 1997). Fundamentado na hermenˆeutica fenomenol´ogica de Heidegger,

Gadamer explica que nesse c´ırculo, o indiv´ıduo j´a se encontra situado em um contexto por ele vivenciado historicamente. Essa situa¸c˜ao hermenˆeutica constitui o presente finito – local e tempo – e suas circunstˆancias e limites, no qual o indiv´ıduo est´a. Desse ponto constitui-se o seu horizonte, “o ˆambito de vis˜ao que abarca e encerra tudo o que pode ser

visto a partir de um determinado ponto” (GADAMER, 2007, p. 399).

O indiv´ıduo se depara com a coisa (registro de informa¸c˜ao, objeto, evento ou sistema) foco de sua aten¸c˜ao, j´a estando situado e estabelecido o seu horizonte. Nesse momento se estabelece a tens˜ao entre familiaridade e estranheza vivenciada pelo indiv´ıduo e sua pr´e- compreens˜ao, resultante em termos de sua situa¸c˜ao hermenˆeutica, no seu relacionamento com a coisa (p. 389-391), gatilho que dispara o c´ırculo hermenˆeutico. Note-se que a pr´e- compreens˜ao, condi¸c˜ao primeira da hermenˆeutica (p. 390), surge quando o indiv´ıduo se depara com a coisa, onde se determina o que ´e conhecido e as condi¸c˜oes do desenrolar do di´alogo. Como mostrado acima, o c´ırculo hermenˆeutico se move de uma antecipa¸c˜ao de sentido por parte do indiv´ıduo, fundamentado no seu horizonte e sua pr´e-compreens˜ao, que guia o processo de entendimento onde o todo confere significado `as partes e as partes ao todo.

Segundo Capurro (2000) o c´ırculo hermenˆeutico consiste de um processo dinˆamico de fus˜ao de horizontes, perguntas aparecem a partir de uma pr´e-compreens˜ao e esta por sua vez ´e resultante de pergutnas anteriores que foram respondidas. Portanto, a realiza¸c˜ao do processo interfere na situa¸c˜ao hermenˆeutica, modificando o horizonte individual, e reconstruindo a antecipa¸c˜ao de sentido do indiv´ıduo para a nova rodada do c´ırculo, agora com uma melhor compreens˜ao da coisa.

Snodgrass e Coyne (1997) discutem o c´ırculo hermenˆeutico tamb´em como a negocia¸c˜ao entre o indiv´ıduo e seus pr´oximos, por meio do di´alogo hermenˆeutico onde o entendimento

´e resultante de um acordo sobre um assunto em foco. Esse acordo estabelece um contexto denominado horizonte comum, processo esse denominado fus˜ao de horizontes.

Gadamer (2007) e Snodgrass e Coyne (1997) explicam o aparente paradoxo da compre- ens˜ao circular proposta pela hermenˆeutica: projeta-se um significado inicial no momento da emergˆencia da primeira significa¸c˜ao extra´ıda do texto adicionada `as expectativas par- ticulares do indiv´ıduo – projetar-adiante; esse projetar-adiante ´e ent˜ao continuamente revisado na continuidade da emergˆencia de significados. O aprofundamento circular no significado ´e a compreens˜ao. A id´eia de expectativas particulares conformam, juntamente com o pr´e-ju´ızos/pr´e-conceitos/pr´e-julgamentos, o que os autores (SENGE, 2000;KOFMAN, 2004) dentre outros, denominam por modelos mentais.

Nesse contexto, segundo (CAPURRO, 1982) a linguagem ´e tida como informa¸c˜ao e

manifesta capacidade poi´etica no c´ırculo hermenˆeutico.

Um aspecto do c´ırculo hermenˆeutico tem recebido aten¸c˜ao nas teorias atuais de cog- ni¸c˜ao e inteligˆencia artificial ´e o conceito de situa¸c˜ao hermenˆeutica, atualmente denotado pelo termo situatedness, traduzido aqui por estar situado. Esse conceito tem sido utili- zado em contextos tais como aprendizado situado (CIBORRA, 2006;ZUBOFF, 1988), a¸c˜ao situada (CIBORRA, 2006; ZUBOFF, 1988), cogni¸c˜ao situada (Clancey, W. J., 1997) apud

(LINDBLOM; ZIEMKE, 2003) e inteligˆencia artificial situada (CIBORRA, 2006; LINDBLOM; ZIEMKE, 2003), para indicar que o comportamento e os processos cognitivos do indiv´ıduo (natural ou artificial) s˜ao resultantes do acoplamento intr´ınseco desse indiv´ıduo com o seu

ambiente (LINDBLOM; ZIEMKE, 2003). Em (GADAMER, 2007, p. 400), a situa¸c˜ao herme-

nˆeutica ´e o fator determinante da obten¸c˜ao do horizonte de questionamento correto para a formula¸c˜ao das perguntas no c´ırculo hermenˆeutico.

Estar situado tem se tornado uma condi¸c˜ao b´asica necess´aria para pesquisas sobre inteligˆencia natural ou artificial (LINDBLOM; ZIEMKE, 2003). Os diversos usos do conceito

de situa¸c˜ao s˜ao discutidos em (CIBORRA, 2006; LINDBLOM; ZIEMKE, 2003), de onde se

extraem os exemplos a seguir.

Estar situado fisicamente Primariamente utilizado no campo da rob´otica, onde esses agentes tˆem um acoplamento ´ıntimo com o seu ambiente f´ısico. Comp˜oe-se da localiza¸c˜ao do agente e dos objetos f´ısico de seu contexto e ´e endere¸cado por meio do c´alculo situacional (situation calculus) (RUSSELL; NORVIG, 2003, p. 330-341).

Estar situado em Inteligˆencia Artificial A intera¸c˜ao social com outros robˆos, su-

volvimento epigen´etico – desenvolvimento de habilidades f´ısica, social e lingu´ıstica em progress˜ao de n´ıveis, de modo que a competˆencia alcan¸cada no n´ıvel n+1 resulta das competˆencias do n´ıvel n acopladas com as intera¸c˜oes com o ambiente f´ısico e social (ZLATEV, 2001, p. 161).

Estar situado socialmente Circunstˆancias e recursos (entendido de forma ampla) dis- pon´ıveis ao agente para chegar `a significa¸c˜ao de seus atos e para interpretar as a¸c˜oes de outros. Essa posi¸c˜ao ´e derivada dos estudos de Lev Vygotsky (1896-1934), em que a natureza da inteligˆencia individual humana se desenvolve por interm´edio da intera¸c˜ao com o ambiente em geral, e mais precisamente ´e resultante das intera¸c˜oes sociais com outros seres humanos.

Estar situado na fenomenologia de Heidegger Ponto de acesso privilegiado para a funda¸c˜ao, para a vida f´atica, a situa¸c˜ao tem uma estrutura narrativa do engajamento do indiv´ıduo no mundo. A an´alise da situa¸c˜ao requer acesso `a fonte de sua signifi- ca¸c˜ao em trˆes sentidos (CIBORRA, 2006): a) sentido de conte´udo: entidades (coisas, pessoas, eventos) reconhecidas na situa¸c˜ao, que constituem as circunstˆancias f´ısicas e temporais; b) sentido de rela¸c˜ao: rede de significados e referˆencias em que a situa- ¸c˜ao est´a “embarcada” (inserida), que constituem a dimens˜ao semˆantica da situa¸c˜ao; e c) sentido de atua¸c˜ao 1 ou atualiza¸c˜ao: dimens˜ao conectada ao acontecimento en-

quanto ele ocorre, a situa¸c˜ao como evento (n˜ao no tempo de rel´ogio), situa¸c˜ao como a¸c˜ao em desenvolvimento - ´e a caracter´ıstica vital que garante o estudo da situa¸c˜ao como parte da corrente de vida; esse sentido captura tamb´em os sentidos hist´orico e de corporifica¸c˜ao 2, outras das dimens˜oes fundamentais do conceito de situa¸c˜ao.

Os dois primeiros sentidos equivalem `a objetiva¸c˜ao da situa¸c˜ao, esfor¸co que ´e ul- trapassado no m´etodo fenomenol´ogico de Heidegger, pela desconstru¸c˜ao cr´ıtica das for¸cas objetivadoras, em busca da lida pr´oxima da vida como ela ´e vivida, e n˜ao objetificada.

A apropria¸c˜ao do significado de situa¸c˜ao nas ´areas de cogni¸c˜ao, inteligˆencia artificial, aprendizado e na sociologia, entretanto n˜ao tem alcan¸cado a profundidade do conceito na sua origem na fenomenologia de Heidegger (Befindlichkeit) (CIBORRA, 2006). O autor dis- cute essa distin¸c˜ao mostrando a existˆencia duas agendas distinta de aprecia¸c˜ao do conceito de estar situado. Uma vis˜ao, que permeia as abordagens interpretativas contemporˆaneas se mostra restrita por n˜ao abordar a dimens˜ao interna do indiv´ıduo contida no sentido de

1

Tradu¸c˜ao nossa para enactment

2

atua¸c˜ao. No aspecto metodol´ogico, a vis˜ao interpretativa contemporˆanea ´e ditada pelo m´etodo cient´ıfico, mantendo a separa¸c˜ao do observador em rela¸c˜ao `a situa¸c˜ao a ser es- tudada. Resulta em coisas e pessoas se convertendo em objetos e eventos se apresentam como processos ocorrendo no tempo objetivo – o tempo do rel´ogio (p. 138/139). J´a a vis˜ao de Heidegger direciona o interesse para a atua¸c˜ao, re-atua¸c˜ao no aqui e agora, para a evoca¸c˜ao da situa¸c˜ao. A situa¸c˜ao pode ent˜ao ser apreendida indo al´em da objetiva¸c˜ao ou da an´alise semˆantica.

Conclui (CIBORRA, 2006) que estar situado possui trˆes principais agendas de pes-

quisa. A primeira na inteligˆencia artificial e ciˆencia cognitiva em que a a¸c˜ao situada pode ser implementada por meio de programas de computador interagindo com o ambiente e processando representa¸c˜oes simb´olicas do que acontece nesse ambiente. Essa linha de pesquisa busca a constru¸c˜ao de sistemas inteligentes capazes de interagir com o mundo de varia¸c˜oes limitadas. A segunda agenda, na ciˆencia social estar situado ´e entendido como a apreens˜ao do ambiente pelo indiv´ıduo, grupo social ou organiza¸c˜ao, que conforma seu entendimento da cultura, corpo de saber, tecnologia dispon´ıvel na forma de capital social e cognitivo, ou seja, os elementos de conte´udo e rela¸c˜ao entre eles presentes no ambiente em que o agente se encontra. Tem recebido aten¸c˜ao como elemento que fundamenta o desenho de organizacional. E a terceira, a agenda proposta originalmente no programa de pesquisa de Heidegger, em que a no¸c˜ao de situa¸c˜ao inclui a todo momento a vida ´ıntima e integral do agente, e toda compreens˜ao ´e por essa vida afetada (estimulada). O programa est´a interessado em trazer para a superf´ıcie e apresentar em tra¸cos n´ıtidos o que significa se encontrar em uma situa¸c˜ao.

A objetiva¸c˜ao do estar situado, como por exemplo na modelagem de mundo para pro- gramas de computadores, traz consigo o problema de atualidade dessa modelagem frente

`a dinˆamica do ambiente, problema denominado frame problem (DOYLE, 1979) (RUSSELL;

NORVIG, 2003, p. 360-362). Na vis˜ao positivista, inserta nas abordagens do estar situado da Inteligˆencia Artificial e rob´otica, essa preocupa¸c˜ao se manifesta na revis˜ao de cren¸cas estabelecidas no modelo de mundo.

No contexto da Inteligˆencia Artificial, em especial no contexto da representa¸c˜ao do conhecimento, uma providˆencia importante ´e a manuten¸c˜ao da validade dos racioc´ınios (inferˆencias) em vista da dinˆamica do contexto. Essa providˆencia impacta diretamente no sistema artificial de solu¸c˜ao de problemas, e ´e denominado de sistema de manuten¸c˜ao de verdade, ou sistema de revis˜ao de cren¸ca. Um sistema de manuten¸c˜ao de verdade ´e utilizado para implementar revis˜oes no modelo de mundo de modo que as inferˆencias

realizadas pelo sistema continuem v´alidas, e para produzir explica¸c˜oes sobre as inferˆencias geradas (RUSSELL; NORVIG, 2003, p. 360-362), (DOYLE, 1979).

Um sistema de manuten¸c˜ao de verdade (do termo em inglˆes Truth Maintenance Sys- tems - TMS ), aborda a vis˜ao monotˆonica de sistemas solucionadores de problemas cons- tru´ıdos com l´ogicas formais (em especial a l´ogica de primeira ordem) e nesse contexto busca implementar:

– elementos de n˜ao monotonicidade que permita manter a consistˆencia das infe- rˆencias em rela¸c˜ao `a dinˆamica de altera¸c˜ao das condi¸c˜oes de mundo no contexto em que atua;

– abordar o problema de controle, ou seja, decidir sobre qual a pr´oxima inferˆencia a realizar;

– abordar o frame problem, ou seja, como tratar de todas as coisas de um certo contexto que continuam em seus estados anteriores `a realiza¸c˜ao de uma a¸c˜ao realizada nesse contexto;

– uma melhor organiza¸c˜ao do solucionador de problema que separa o componente de regras de dom´ınio (inferˆencias sobre o modelo de mundo) do componente de registro de estado atual da busca da solu¸c˜ao (KLEER, 1986). Tal organiza¸c˜ao permite maior eficiˆencia na solu¸c˜ao final (KLEER, 1986).

Sistemas de manuten¸c˜ao de verdade possui duas principais abordagens (RUSSELL;

NORVIG, 2003). A primeira formulada por (DOYLE, 1979), orientada para o registro das raz˜oes para a cren¸ca contida no modelo de representa¸c˜ao de mundo. Essa abordagem ´e denominada justification-based por manter assertivas que justificam as assertivas sobre o mundo, e atualizar as primeiras quando a situa¸c˜ao do mundo se altera. A partir dessa mu- dan¸ca, a vis˜ao de mundo alterada ´e propagada na base de inferˆencias. As novas inferˆencias passam, ent˜ao, a considerar a nova situa¸c˜ao de mundo.

A segunda abordagem proposta por (KLEER, 1986) baseia-se na associa¸c˜ao a cada

assertiva de r´otulos sobre quais contextos aquela assertiva ´e v´alida. Essa abordagem, denominada assumption-based mantem todas as assertivas conhecidas e, dependendo do contexto, a mesma ´e v´alida ou n˜ao. Cada inferˆencia realizada tem seu contexto determi- nado, e esse contexto ´e utilizado para verificar a validade de uma assertiva. Sistemas de manuten¸c˜ao de verdade constituem, no campo da IA uma abordagem, ainda que rudi- mentar do “estar situado”.

J´a no contexto do estar situado socialmente e no programa de Heidegger para esse termo, a manuten¸c˜ao de verdade se insere no c´ırculo hermenˆeutico.

Conforme j´a mencionado, Capurro (2000) mostra que o c´ırculo hermenˆeutico ´e ferra- menta fundamental para a compreens˜ao e significa¸c˜ao, constituindo um arcabou¸co con- ceitual para modelagem de crit´erios de crit´erios de verdade. Por sua dinˆamica cont´ınua, constitui, no caso de manuten¸c˜ao de verdade, mecanismo natural de revis˜ao de cren¸cas.

J´a em (SNODGRASS; COYNE, 1997, p.77-80) ressalta-se a natureza fundamental da

hermenˆeutica: o di´alogo; a vis˜ao dos autores se coaduna com o escutar de (ECHEVERR´IA,

2003, p. 81-100) e (KOFMAN, 2004). Os autores expressam a importante caracter´ıstica

que se atribui ao di´alogo para constru¸c˜ao de cultura aberta e inovadora: di´alogo ´e parti- cipativo, engajador; m´etodo ´e solit´ario; o di´alogo possui uma estrutura pergunta-resposta que materializa a abertura para ser questionado e ter os pr´e-ju´ızos avaliado. Al´em disso, perguntas somente ocorrem se as condi¸c˜oes condutoras estiverem presentes e forem acei- tas como valores culturais. Nesse contexto, o c´ırculo hermenˆeutico tem sua aplicabilidade tanto no di´alogo entre dois sujeitos quanto no di´alogo com um texto.

Zuboff (1988, p. 200-208) ratifica, por meio dos resultados de sua pesquisa emp´ırica em processos de produ¸c˜ao e gest˜ao de empresas, que a compreens˜ao do contexto e a significa¸c˜ao, objetivos da pr´atica interpretativa, s˜ao fatores habilitadores para inova¸c˜ao. Assim, o c´ırculo hermenˆeutico e a textualiza¸c˜ao, no sentido de registro da informa¸c˜ao produzida a partir do conhecimento, constituem mecanismos fundamentais para o processo de inova¸c˜ao, fornecendo novas fontes para aprendizado e mat´eria prima para cria¸c˜ao.

2.8

Arquitetura da Informa¸c˜ao

Discutiu-se, at´e o momento, a natureza da informa¸c˜ao e do conhecimento, a tecnologia e seu uso no tratamento da incerteza, e o papel do c´ırculo hermenˆeutico para o indiv´ı- duo cognoscente e seu relacionamento produtivo na sociedade moderna. Esses elementos desaguam na problem´atica da estrutura¸c˜ao da informa¸c˜ao. Aqui se conforma espa¸cos de informa¸c˜ao que tˆem como objetivo propiciar ao indiv´ıduo um relacionamento eficaz e efi- ciente com informa¸c˜ao. Motiva¸c˜ao essa que se coaduna com o desafio de Rafael Capurro (2000) de evoluir a partir da sociedade da informa¸c˜ao e alcan¸car a plenitude da sociedade do conhecimento, cuja essˆencia ´e permitir ao indiv´ıduo um relacionamento produtivo com o que sabe e com que aquilo que acha que sabe, fundamentado sobre o espa¸co de infor- ma¸c˜ao cujo melhor exemplo ´e a Internet. Este espa¸co ´e marcado por grandes volumes

No documento Uma proposta de Arquitetura da Informa¸c˜ (páginas 82-97)