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PARTE I: ACESSIBILIDADE URBANA E A (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO: ASPECTOS

2 PRIMÓRDIOS DA FORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE: ACESSIBILIDADE,

2.2 A Nova Capital

2.2.1 Seus antecedentes e a mudança

No decorrer do século XIX, profundas mudanças foram processadas no cenário econômico de Minas Gerais, em boa medida, motivadas pelo avanço da cafeicultura, principalmente nas regiões da Zona da Mata e do Sul de Minas, a partir da segunda metade do século, momento em que ocorrera a modernização do sistema viário regional, concretizada pela construção da rodovia União e Indústria (1861), que estabelecia a ligação entre Juiz de Fora e Petrópolis, e das estradas de ferro D. Pedro II (1855) e Leopoldina (1872), que ligavam, respectivamente, Rio de Janeiro a Ouro Preto e Porto Novo da Cunha (atual Além Paraíba) a São Geraldo, esta última, alcançando os municípios de Cataguases e Leopoldina já em 1877, interligando, efetivamente, os lestes mineiro e fluminense (FIGUEIRA, 1908; FERREIRA, 1997; SIQUEIRA, 1938; VASCONCELLOS, 1934).

Nesse contexto, Juiz de Fora experimentou um grande destaque na economia mineira, uma vez que as principais vias de escoamento da produção de café da Província passavam pela cidade, o que a transformou no principal entreposto cafeeiro da região naquele período38.

Concomitantemente, o Vale do São Francisco e os vales dos seus principais afluentes, a exemplo do Rio das Velhas e o Paraopeba, ampliaram o espaço voltado à

38 As culturas de café foram também disseminadas no Sul e no Triângulo Mineiro, “invadindo” a

Província através de São Paulo, da mesma forma como o desenvolvimento da cafeicultura na Zona da Mata ocorrera em função do Rio de Janeiro. No primeiro caso, entretanto, a produção era escoada pelo porto de Santos, fato que estreitou as relações econômicas entre as mencionadas regiões e São Paulo.

criação de gado, enquanto no arraial de Curral del Rei (berço daquela que seria a nova Capital de Minas Gerais), mantinham-se expressivas as atividades agrícolas39.

A emergência do transporte ferroviário, por sua vez, o qual não se limitou às regiões produtoras de café, contribuiu para o incremento nas criações de suínos e bovinos (e derivados) e na produção de fumo e algodão no Vale do Rio das Mortes, os quais passaram a ter o escoamento viabilizado através da estrada construída pela Viação Férrea do Oeste e Sul de Minas, que alcançou São João del Rei, em 1881, e Oliveira, em 1885.

Apesar do avanço da cafeicultura e das demais atividades agropecuárias em Minas Gerais no decorrer do século XIX, a economia interna mineira apresentava sinais de desarticulação e enfraquecimento, reflexos do declínio do ciclo minerador e das ameaças de separatismo existentes. A Província era composta por diversas regiões autônomas e sem grandes relações comerciais entre si, estando estas vinculadas a centros de desenvolvimento situados fora do território mineiro. A esse respeito, CUNHA argumenta:

“É o ouro que promove a formação urbana, o adensamento populacional, o ensejo da presença da coroa, bem como a existência de muitas outras atividades econômicas que lhe cumprem um papel de apoio. Sobremaneira importante, assim, é tomar a mineração como atividade econômica nuclear do Dezoito mineiro, e não escapar a esta questão é passo essencial para se abordar a passagem para o século XIX, no momento em que mais contundentemente se generaliza a decadência desta atividade enquanto um eixo dinâmico. Outros setores da economia, que em maior ou menor grau acabavam orbitando em torno da economia mineradora, mesmo no que diz respeito ao abastecimento dos centros que se mantinham povoados por conta da atividade mineratória, passam por um processo de redimensionamento de suas atividades e de busca por mercados externos. Especialmente aí,

Abílio BARRETO afirma que: “O nascente Curral del Rei, como um dos mais providos celeiros de

cereais que abasteciam as grandes minerações da zona do Rio das Velhas, prosperava naquele que foi, incontestàvelmente, um dos períodos mais notáveis da história antiga de nosso Estado” (Em SINGER, 1977: p. 202, grifo do autor).

na pluralidade de ritmos e intensidade em que esta decadência da atividade nuclear é sentida nas diversas partes da capitania, é que assoma a maior ou menor capacidade de rearticulação econômica a partir de uma base agropecuária que fora desenvolvida ao longo do Dezoito” (CUNHA, 2001: p. 04-05).

A reprodução e a vigência dessa condição de decadência econômica interna em Minas durante o século XIX contribuiu ainda para o acirramento de disputas entre grupos políticos regionais, motivadas por interesses divergentes, reforçando ideais separatistas (MATOS, 1992).

Nesse cenário, Ouro Preto – Capital de Minas desde a segunda década do século XVIII40 –, geograficamente distante do litoral e das áreas economicamente mais dinâmicas da Província, simbolizava o declínio da economia mineira e o passado colonial-imperial (considerado fator de estagnação e atraso), o qual deveria ser superado com o advento da República. Afonso Arinos de Melo FRANCO, a respeito das motivações econômicas que inviabilizavam a continuidade de Ouro Preto enquanto Capital mineira, sinaliza:

“... as tais causas econômicas foram a inadequação da localização e da estrutura urbana das cidades da mineração aliadas ao crescimento econômico das zonas sul, oeste, sudoeste e da mata, que com sua pujante cultura agrícola e pecuarista deixavam para trás a decadente zona mineradora, núcleo inicial de Minas. Essa localização da capital em Ouro Preto, determinada pela presença das minas de ouro, deixava de se justificar após o esgotamento das mesmas e o conseqüente deslocamento do eixo econômico do estado, e se tornava mesmo um empecilho pelas dificuldades de comunicação com as regiões ascendentes” (FRANCO, 1976 apud GOMES, 2000: p. 1.3).

40 Quando Minas foi separada de São Paulo, em 1720, Ouro Preto veio se tornar a Sede do governo da

A emergência da República veio, de fato, intensificar os movimentos separatistas, reforçando a idéia de que o advento de um novo centro administrativo41 fomentaria maior unidade econômica entre as diferentes partes do território mineiro (GRAVATÁ, 1982; RESENDE, 1974).

Em 1890, o governador Domingos Rocha, designou o engenheiro Herculano Veloso Ferreira PENA para avaliar inúmeras localidades que pudessem abrigar a nova Capital do Estado:

“... tratou-se como primeira condição a atender-se, da colocação da nova Capital em ponto mais central do que o atual, não tanto no sentido geométrico do termo, a meu ver, não tem grande importância, mas sim em relação à maior facilidade de comunicação com os diferentes centros de interêsses criados e a criar, de modo que a resultante oferecesse a maior soma possível de vantagens aos interêsses agrícolas, industriais e políticos do Estado de Minas, considerados em seu conjunto [...] Estudada a questão sob este ponto de vista, ficou adotada como região dentro da qual deveria ser escolhido o local para a nova capital, a parte do vale do rio das Velhas compreendia (sic) entre a cidade de Sabará e a povoação de Traíras, não convindo descer além deste último ponto por começarem a aparecer, daí para baixo, os casos de febres palustres [...] e nem subir, acima de Sabará, por apresentar a encosta, fortemente acidentada da serra em que nasce o rio das Velhas, local algum em condições topográficas favoráveis ao desenvolvimento de uma grande cidade” (Em BARRETO, 1995, v. 1: p. 308).

Diante da necessidade de alteração da Capital, a Constituição Mineira de 1891, através do parágrafo 1o do seu artigo 13, estabeleceu tal mudança “para um local que,

oferecendo as precisas condições higiênicas, se preste à construção de uma grande cidade” (BARRETO apud SINGER, 1977: p. 217). Com efeito, fora criada a lei no 1, adicional à Constituição, que determinou que a escolha da nova Capital seria resultado

41 Em meio às discussões acerca da localização da nova Capital, merece destaque a proposição do padre

Agostinho de Sousa PARAÍSO, deputado à Assembléia Provincial de Minas pela região do Serro. Sua proposta, apresentada em 1867, sugeria que a Capital deveria ser instalada no vale do Rio das Velhas por se tratar de um “vasto, imenso e fertilíssimo território” (BARRETO, 1995, v.1: p. 290). Além disso, as possibilidades de desenvolvimento e enriquecimento da Província poderiam ser potencializadas pela navegação no próprio Rio das Velhas e no Rio São Francisco, denominado pelo mudancista de “grande

de estudos sobre as seguintes localidades: Belo Horizonte, Paraúna, Barbacena, Várzea do Marçal e Juiz de Fora.

A avaliação destas cinco localidades foi confiada a uma comissão chefiada pelo engenheiro maranhense Aarão Reis. Finalizados os estudos, o relatório apresentado pela comissão apontou Belo Horizonte e Várzea do Marçal como localidades mais adequadas a sediar a nova Capital de Minas42. Apesar de certa predileção de Aarão Reis por Várzea do Marçal, em razão desta localidade já dispor de ligação ferroviária e apresentar inúmeros terrenos devolutos, o Congresso Mineiro decidiu-se por Belo Horizonte para sediar a nova Capital de Minas43, fato que veio concretizar as proposições de alguns importantes mudancistas, como o padre Paraíso e o engenheiro Herculano Pena (BARRETO, 1995, v. I).

SINGER (1977: p. 218) observa que pesou na escolha de Belo Horizonte o descontentamento dos congressistas partidários de Ouro Preto, notoriamente insatisfeitos com a mudança. Estes, percebendo que Várzea do Marçal reunia melhores condições técnicas para a construção da nova cidade – fator que tenderia inclusive a minimizar os gastos de sua implantação –, em sinal de protesto, “votaram por Belo

Horizonte, acreditando ser impossível, no prazo de 4 anos, conforme estipulava a lei, realizar-se a mudança da Capital para um arraial tão pobre e sem estrada de ferro”

(LUZ apud SINGER, 1977: p. 218).

42 As localidades de Barbacena e Paraúna foram descartadas por apresentarem condições topográficas e

higiênicas desfavoráveis. Juiz de Fora, por seu turno, foi também rejeitada em função de estar localizada geograficamente distante do centro do território mineiro, além de muito próxima da então Capital Federal, fato que poderia trazer influências externas às suas decisões políticas (SINGER, 1977).

43 Convém salientar que ambas as localidades apresentavam-se situadas geograficamente em posições

mais favoráveis em relação às outras concorrentes, uma vez que estavam próximas do centro geográfico do Estado, situação esta que tendia a facilitar as comunicações da futura Capital com as demais zonas de Minas Gerais. Além disso, Várzea do Marçal estava localizada entre as áreas economicamente mais dinâmicas do Estado – a Zona da Mata e o Sul de Minas –, e, Belo Horizonte, no encontro entre a zona mais povoada e rica das Gerais e o Sertão, fortemente ocupado por fazendas de gado e apresentando uma inexpressiva densidade demográfica.