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1 CORPUS E METODOLOGIA DA PESQUISA

1.3 Sexta-feira, 15 de novembro de 1889

Na opinião do Visconde, a Proclamação da República foi um “golpe” (OURO PRETO, 1891, p. 102). Segundo sua versão, no fim de fevereiro de 1888, alguns militares foram mandados para o estado de Mato Grosso sob o comando do Marechal Deodoro da Fonseca. Durante essa expedição, relata Afonso Celso, Deodoro convenceu o exército a rebelar-se contra a Monarquia, como uma forma de se vingar das acusações de que Deodoro julgava ser vítima. Embora o Visconde afirme enumerar, no Manifesto, as acusações das quais Deodoro julgava ser vítima, não encontramos, explicitamente, tal informação. Em consulta à Introdução da obra, verificamos a transcrição de um texto, intitulado A Revolução de 15 de Novembro, escrito pelo então tenente-coronel Jacques Ourique. Nesse texto, Jacques Ourique (apud OURO PRETO, 1891, p 12, grifo do autor) revela que o Marechal Deodoro da Fonseca irritou-se pelo fato de Ouro Preto dissolver a coluna expedicionária da província de Mato Grosso e nomear “[...] para presidente d´aquella província d´um official de pessima reputação militar, instrumento maleavel dos inimigos do General [...]”. Ou seja, segundo a hipótese do Visconde (Cf. OURO PRETO, 1891, p. 13-14), esse oficial era inimigo de Deodoro. Este tomou o fato como uma provocação e reagiu incitando o exército à revolta.

Ainda conforme o Visconde, no ano seguinte, o Ministério Ouro Preto – Gabinete 7 de Junho de 1889, cumprindo solicitações de Floriano Peixoto – em quem Afonso Celso depositava extrema confiança – e pensando satisfazer a Deodoro de que queria retornar do estado de Mato Grosso, aprovou o regresso da força expedicionária. O Visconde relata que a Deodoro “[...] não se marcou prazo para recolher, teve communicação de que a expedição estava terminada, cumprindo regressar quando se offerecesse opportunidade. Embarcou quando quis [...]” (OURO PRETO, 1891, p. 14). Assim que Deodoro e o exército chegaram ao Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1889, conforme desejo dos chefes republicanos, fez-se a Proclamação da República.

Figura 5 – Proclamação da República

Fonte: BENEDITO CALIXTO, 1893.

Além de surpreendido diante desse acontecimento, afirma o Visconde de Ouro Preto, ele foi culpado pela revolta de parte do exército. Porém, ele registra: “a minha ingenuidade, pois, consistiu na convicção de que uma revolução e revolução militar, especialmente, não explode sem motivos sérios e graves [...]” (OURO PRETO, 1891, p. 144). Segundo ele, quem contemplasse aquela multidão na praça, julgaria acontecer uma simples parada ou acompanhamento de procissão. Afonso Celso revela ter se impressionado com a “[...] funda tristeza que se estampava na fisionomia dos oficiais, quer superiores, quer subalternos.” (OURO PRETO, 1891, p. 60).

De acordo com o Manifesto, no curso do acontecimento, Deodoro dirigiu-se ao Visconde e “No meio do mais profundo silêncio, cientificou-me de que se pusera à frente do exército para vingar as gravíssimas injustiças e ofensas por ele recebidas do governo [...]” (OURO PRETO, 1981, p. 69). O Marechal declarou a deposição do Ministério Ouro Preto e autorizou a retirada de todos os ministros ali presentes, exceto do Visconde de Ouro Preto, “[...] homem teimosíssimo, mas não tanto como elle, – (assim se exprimiu)” (OURO PRETO, 1981, p. 70, grifo do autor), e do Ministro da Justiça Silveira Martins. Deodoro, então, decretou a prisão e o exílio do Visconde para a Europa.

Antes de sua deportação, o Visconde, segundo nos relata, permaneceu preso por oitenta e seis horas. Nesse período, ficou sob as repetidas ameaças de que sua “[...] vida pagaria o que ia acontecer” (OURO PRETO, 1981, p. 75, grifo do autor), em caso de ampliação da revolta militar. Apesar disso, procurou manter sua postura de estadista inabalável e, referindo-se à deportação, completa: “[...] tudo soffrerei, menos que me queiram fazer passar por homem sem dignidade e sem coragem no cumprimento do meu dever” (OURO PRETO, 1981, p. 71).

Para o Visconde, as razões apresentadas para justificar a sedição de 15 de novembro, referentes ao exército, eram absolutamente destituídas de fundamento porque “[...] não foi um movimento súbito, a obra de um dia; o golpe estava já preparado de muitos anos.” (OURO PRETO, 1981, p. 102). Vemos que esse Manifesto possui uma escrita peculiar, porque apresenta uma avaliação pessoal da instauração da República no Brasil e, além disso, incorpora citações e notas de rodapé, ultrapassando os limites de um Manifesto convencional. O gênero Manifesto convencionalmente é de natureza dissertativa e persuasiva, compondo-se de uma declaração pública, normalmente de cunho político, a qual denuncia ou alerta sobre algum problema. Segundo Eli Santos (2009, p. 62), no artigo Manifesto: um gênero para o exercício da cidadania, o Manifesto é um gênero voltado para exercer a cidadania e busca expressar “[...] as tensões ideológicas e as relações polêmicas da sociedade, funcionando como uma ‘arma ideológica’, um ‘gênero de combate’, através do qual um grupo expõe suas ideias.” Esse gênero apresenta um caráter argumentativo e está interessado em persuadir o interlocutor. Entretanto, Ouro Preto vai além. Ele ressalta a importância de seu Manifesto, dizendo ser subsídios para a História, e a preocupação memorialística ganha espaço na obra, pois dedica sua escrita “aos meus concidadãos” (OURO PRETO, 1981, p. 109). O mineiro afirma deixar para o futuro historiador uma fonte abundante de proveitosos esclarecimentos sobre a instauração da República, referindo-se a ela como a mais clamorosa injustiça aos brasileiros, que, em sua perspectiva, está sob o véu de uma política que registra a falsidade como subsídio à História.

Na conclusão do Manifesto, o Visconde reforça não ser

[...] infundada a convicção de que não perdurará e menos fará a felicidade da patria a republica, que se levantou sobre os broqueis da soldadesca amotinada. Vem de uma origem criminosa, realisou se por meio de um attentado sem precedentes na historia e terá uma existencia ephemera [...] (OURO PRETO, 1981, p. 104).

O Visconde considera que “A república brasileira, qual foi proclamada, é uma obra de iniquidade; não pode perdurar” (OURO PRETO, 1981, p. 105), pois “Uma nação de homens livres não suportará por muito tempo tão intolerável regime, dissipado o assombro de que foi tomada, reagirá, impondo sua vontade soberana [...] a fidelidade aos compromissos e o futuro da Pátria correm perigo no Brasil.” (OURO PRETO, 1981, p. 106). E lamenta-se: “[...] compellido a ausentar-me do paiz, nada mais posso fazer para auxiliar os meus concidadãos” (OURO PRETO, 1981, p. 106-107).

Essa representação que o Visconde faz da República, de si mesmo, dos concidadãos e de outros participantes citados em seu texto instigou-nos a refletir sobre a constituição de seu discurso e sobre as representações da memória presentes em sua escrita. Para isso, realizamos um levantamento de dados e procedemos à sua análise. Detalhamos, a seguir, a metodologia aplicada.