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Shaman Pharmaceuticals

No documento Viabilização de mecanismos de troca : (páginas 116-119)

ANÁLISE CRÍTICA DA BIOPROSPECÇÃO

3.2 Análise crítica de alguns contratos de bioprospecção

3.2.3 Shaman Pharmaceuticals

A Shaman Pharmaceuticals é uma empresa norte-americana que realiza bioprospecção em países de grande biodiversidade, em destaque o Brasil. Foi adquirida pela Eli Lilly há poucos anos. Em seus documentos a empresa se orgulha de dividir seus lucros com comunidades indígenas nos contratos que realiza. A divisão é feita pelo trabalho conjunto com os índios, principalmente por utilizar muito da etnobotânica, com grande vantagem no número de espécies com princípios ativos encontrados entre as plantas estudadas.

A Shaman realiza parceria com tribos indígenas, que provêem o conhecimento ancestralmente adquirido. Pesquisadores da empresa ficam durante determinado tempo em convívio com os índios, o que gera certa proximidade. Há compensação monetária e não monetária pelo material fornecido. Parte dos recursos são pagos adiantados, para satisfazer as comunidades indígenas e também para adquirir confiança delas.

Um exemplo dado por King, diretor da empresa, ilustra bem suas atividades. Em dezembro de 1991, foi realizado acordo com os índios Quichua, do Equador. Em troca do material biológico e dos conhecimentos tradicionais, a empresa pagou US$ 1,5 mil, além de amplia-lhes a pista de pouso para aviões (utilizada em casos de emergência médica) e de pagar-lhes a ida trimestral de um médico e um dentista à comunidade32.

Posteriormente, a comunidade pediu uma vaca adulta e uma ajuda financeira periódica para o jovem que está aprendendo medicina tradicional com o curandeiro da tribo e para o mesmo continuar cultivando as ervas medicinais utilizadas pela comunidade, o que segundo King, foi prontamente atendido pela empresa.

31 M cGOW AN, J. e UDEINYA, I. Obra citada, p, 65.

32 KING, Steven. Establishing reciprocity: biodiversity, conservation and new models for cooperation between forest-dwelling peoples and the pharmaceutical industry in GREAVES, T. Obra citada, p .74-75.

Há também promessas para maiores benefícios se algum produto realmente for encontrado, o que pode durar mais de dez anos de pesquisas, e até então os Quichua sequer se lembrarão do contrato e não terão qualquer mecanismo jurídico para exigir-lhe o cumprimento.

A Shaman Pharmaceuticals, por sua vez, criou outra entidade, sem fins lucrativos, para negociar com os índios, a Healing Forest Conservancy. Além desses benefícios monetários, prevêem-se recursos para a demarcação de território; o treinamento de pessoas da comunidade, especialmente mulheres, em parataxonomia; o fortalecimento dos contatos entre as tribos indígenas e outras entidades internacionais; o desenvolvimento de indústrias locais de bioprospecção de novos produtos químicos e o contato com o governo norte- americano e entidades estrangeiras para a promoção do bem estar e da saúde dos índios.33

O acordo de bioprospecção da Shaman Pharmaceuticals com as comunidades indígenas viola diversas prescrições legais sobre os direitos indígenas. Uma vez que os índios desconhecem o real valor econômico dos recursos naturais ao seu redor, não têm condições de estabelecer cláusulas contratuais eqüitativas. A empresa norte-americana satisfaz necessidades básicas dos índios, como tratamento médico ou odontológico, ou a doação de uma vaca, como no caso dos índios Quichua, uma constraprestação pouco signficativa em face dos benefícios obtidos.

Em troca, os índios repassam o material biológico e todo o conhecimento tradicional adquirido ao longo dos séculos34. Interessa notar que, no texto sobre a Shaman, seu diretor Stephen King destaca, em diversos momentos, que benefícios são concedidos aos índios, lembrando, por exemplo, que até mesmo o INBio, o contrato de bioprospecção mais conhecido em todo o mundo, nada fala a respeito de ajuda aos índios. Vale lembrar que mesmo no caso do INBio, onde o contrato ainda não é satisfatório, somente no contrato com a Merck, foram repassados mais de US$ 100 mil às comunidades locais.

A empresa americana aproveita-se da ignorância dos índios para usufruir dos mesmos, transformando sua cultura em mercadoria, sem lhes explicar a real dimensão do

33 M ORAN, Katy. Biocultural diversity conservation through the healing forest conservancy in GREAVES, T. O bra citada, p. 103.

fato. Por motivos óbvios, os índios ficam satisfeitos, desconhecem o valor da biodiversidade, precisam de alguns bens de uso imediato e se contentam com os mesmos.

Em momento algum, a empresa norte-americana se refere aos governos dos países de origem, que, segundo a CNUMAD 92, devem autorizar a saída do material biológico, uma vez que são soberanos sobre seus recursos naturais. Como lidam com índios, o problema se agrava ainda mais, pois existem normas na legislação que configuram como crime a retirada de valores culturais dos povos indígenas sem a devida autorização. No caso brasileiro, a autorização não é da própria comunidade indígena, mas da entidade estatal responsável pela proteção dos índios, a Funai, uma vez que os índios são relativamente incapazes, não podendo celebrar qualquer contrato, como bem dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.

A empresa americana foi comprada recentemente pela farmacêutica Eli Lilly, que participa de outras atividades de bioprospecção em todo o mundo, como em um IBCG, por exemplo, que, por si, como visto acima, estabelece condições bem superiores de eqüitatividade de prestações.

Como se trata de expedição científica em curso no Brasil, há também necessidade de autorização do MCT, com roteiros, datas, informações sobre os pesquisadores,

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procedimentos e inúmeras outras informações burocráticas , além de contrato com uma entidade de pesquisa nacional pública o que também não existe.

Logo, o contrato viola as normas de proteção à cultura indígena, não provê eqüitatividade de obrigações. De acordo com o art. 82 do Código Civil brasileiro, o contrato é juridicamente nulo, por descumprir todos os requisitos para a validade dos atos jurídicos, tendo em vista a incapacidade relativa de uma das partes contratantes, pelo objeto

ilícito do contrato e pela forma defesa em lei.

34 A m edida de valor é monetária. O pagamento prestado chega a dois ou três mil dólares, enquanto o conhecim ento repassado ecom iza milhões de dólares em bioprospecção e testes clínicos.

No documento Viabilização de mecanismos de troca : (páginas 116-119)