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Por um lado, somos no mundo e estamos no mundo; mas, por outro lado, o nosso acesso sensível ao mundo é sempre mediatizado por uma crosta sígnica que, embora nos forneça o meio de compreender, transformar e programar o mundo, ao mesmo tempo usurpa de nós uma existência direta, imediata, palpável, corpo a corpo e sensual com o sensível (Santaella, 2002). Eis aqui o que Santaella designa por fusão entre a nossa miséria e a nossa grandeza de condição humana, como seres simbólicos. E por isto é que o significado de um pensamento é outro pensamento que se desloca e se esquiva incessantemente. Por exemplo, para esclarecermos o significado de qualquer palavra temos de recorrer a uma outra palavra que, de algum modo, possa substituir a anterior, na busca contínua que fazemos em atribuir significado à primeira. Todo o pensamento se dá em signos e todo o signo é continuação de um outro signo. A atividade sígnica envolve ideias interdependentes desenvolvidas em vários domínios, como por exemplo na matemática. Podemos identificar o pensamento como um sistema de ideias (Fidalgo, 1995), ou seja, podemos afirmar que “o pensamento é um sistema ordenado de ideias” (p.51).

Segundo Fidalgo (1995), Frege (1848-1925), que foi o principal criador da lógica matemática e trabalhou na fronteira entre a filosofia e a matemática, mostrou que é impossível apreender o significado de uma frase sem reconhecer as condições da sua verdade. Só em conjunto e enquanto elementos de uma mesma teoria é possível explicar as noções de verdade e de significado. Fidalgo refere que Frege enfatiza que o significado é objetivo. O significado consiste na forma como o objeto é dado, por exemplo “a estrela da manhã” não significa o mesmo que “a estrela da noite”, pois por estrela da manhã entende-se (significa- se) o último astro a desaparecer no céu com a aurora, e por estrela da noite entende-se (significa-se) o primeiro astro a aparecer ao entardecer, mas ambas as expressões referem o mesmo objeto, o planeta Vénus. Frege refere também que, nem sempre a um significado corresponde uma referência real, por exemplo, a expressão “o corpo mais afastado da terra” tem certamente um significado, mas é questionável se essa expressão se refere a algum objeto que realmente exista.

De modo condensado podemos dizer que apreender, compreender e interpretar é traduzir um pensamento em outro, num movimento ininterrupto, porque só podemos pensar um pensamento inserindo-o continuamente noutro. É por isto que Peirce definiu a relação triádica S/O/I de qualquer signo e afirmou que o signo é fundamentalmente um processo de mediação e abre, portanto, para uma dimensão de infinitude (Fidalgo, 1995, p.17).

As questões do ensino e da aprendizagem da matemática são fenómenos complexos que, para ocorrerem, também é necessária uma relação triádica entre o saber, o professor e o aluno, sem nos reduzirmos exclusivamente a um dos três (D'Amore, 2007). O significado em matemática é obtido através de conexões entre a ideia matemática em discussão e os outros

conhecimentos pessoais do indivíduo, em que as ideias matemáticas formam conexões não apenas com as ideias já existentes mas, também, com os aspetos pessoais do conhecimento intrínsecos a cada indivíduo (Bishop & Goffree, 1986). Assim, para compreender um conceito matemático é essencial que se proceda à sua exploração, bem como ao relacionamento, ordenamento e classificação de todas as formas distintas associadas à representação desse mesmo conceito.

Por sua vez, classificar, relacionar e ordenar são processos que servem de base para muitos outros. Por vezes, classificações que parecem, à partida, incorretas não o são. Trata- se de formas distintas de agrupar segundo características diferentes que, consequentemente, originam classificações diferentes (Ponte & Serrazina, 2000). Estes raciocínios, quando fomentados pelos professores criam nos alunos capacidades essenciais para que estes criem significados.

Radford (2006) idealizou a teoria da objetivação na qual interatuam processos cujo objetivo é mostrar algo (um objeto) a alguém. Tais processos consistem em formas que se usam com a finalidade de tornar explícita uma intenção e de levar a cabo uma ação a que Radford designou por meios semióticos de objetivação, por mediarem e materializarem o pensamento. Porém, neste contexto, surge o problema do facto de o pensamento não ser diretamente observável, ou seja, o facto de o pensamento ser invisível. Radford considera que na mediação de significados intervêm os gestos, os movimentos, a perceção, a linguagem, a interação, bem como a natureza e as formas de conhecer os objetos matemáticos (Radford, 2006).

Vygotsky (1896 – 1934) desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que define a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema sob a orientação de um mediador (o professor, quando pensamos na sala de aula). Trata-se de uma série de informações que o aluno tem potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo de aprendizagem (Vygotsky, 1981). Contudo, o indivíduo não pode atribuir um novo significado sem algum conhecimento anterior cognitivamente relacionado com tal significado, a fim de que o novo significado conecte com o conhecimento que já existe e o que já existe suporte a nova informação (Bussi & Mariotti, 2008).

A atribuição de significado depende da reconstrução interna que é feita através de operações externas (Vygotsky, 1978), um processo a que este autor designa por internalização. Nesta perspetiva, aprender interdepende de ensinar – o discurso que o professor usa na sala de aula, o modo como conduz as discussões com, e entre, os alunos, determinam o modo como cada aluno constrói os seus significados durante um raciocínio, especificamente os significados durante um raciocínio matemático. O processo de internalização tem dois aspetos fundamentais: é essencialmente social e é dirigido por

processos semióticos (Vygotsky, 1978, p.162) - pois depende da comunicação que, por sua vez, envolve a produção e a interpretação de signos. Nesta perspetiva importa determo-nos no facto de que a nossa mente retém signos interligados, construídos em contextos de interação com o meio que nos envolve com os outros, e não retém apenas signos de caráter icónico. De facto, “o cérebro retém uma memória daquilo que aconteceu durante uma interação, e a interação inclui de forma relevante o nosso próprio passado, … . O facto de aprendermos por interatividade, e não por recetividade passiva, é o segredo da memória … , a razão pela qual muitas vezes recordamos contextos e não apenas coisas isoladas.” (Damásio, 2010, p.171).

A motivação para a atividade de aprendizagem deve ter uma finalidade, isto é, as operações e ações vinculadas à atividade devem possuir uma finalidade relacionada com a vida do indivíduo que está a aprender (Spinillo, 2006), em função das suas interações sociais e das suas condições de vida. Assim, as ações não têm finalidades em si mesmas e a sua finalidade é uma aprendizagem que tenha significado, a qual Vigotsky descreve como aprendizagens relacionadas com a vida (Spinillo, 2006, pp. 190-221). Os alunos constroem significados pessoais que estão profundamente relacionados com o uso real que fazem dos mesmos (Bussi & Mariotti, 2008). Neste processo, a mente cria mapas (Damásio, 2010) que ocorrem frequentemente num contexto de ação, “construídos quando interagimos com objetos, como, por exemplo, uma pessoa, uma máquina, um local, do exterior do cérebro em direção ao seu interior” (p.90), em que a interação assume uma elevada relevância. Damásio (2010) refere que o cérebro humano mapeia todos os objetos que se encontram no seu exterior e todas as relações assumidas por objetos e ações, no tempo e no espaço e tem a capacidade de representar aspetos da estrutura de coisas e acontecimentos, onde se incluem todas as ações levadas a cabo pelo nosso corpo. “O cérebro humano é um cartógrafo nato” (Damásio, 2010, p.90), em que ação e mapas fazem parte de um ciclo interminável.

Na sala de aula de matemática, o papel do professor consiste em fazer com que os significados pessoais dos alunos evoluam gradualmente para significados matemáticos (Bussi & Mariotti, 2008). De acordo com estas autoras, esta atividade sígnica do aluno é gerada na sua mente por meio de ferramentas psicológicas. Nesta perspetiva, quando o professor focaliza o raciocínio do aluno para aspetos particulares de uma tarefa está a despertar no aluno a necessidade de construir analogias a raciocínios e experiências matemáticas anteriores. Por outro lado, quando o professor admite ou refuta hipóteses que vão sendo construídas pelos alunos está a incentivar o aluno para que ele continue a atribuir significados matemáticos que o permitam construir estratégias para desenvolver ou testar tais hipóteses. E, quando o professor promove e faz sínteses ao longo do raciocínio dos alunos está com isto a usar intencionalmente processos que conduzem os significados pessoais do aluno aos significados matemáticos. Tais processos promovem a atividade mental do aluno que ocorre através dessas ferramentas psicológicas. E, por sua vez, tais processos usados pelo professor tornam- se meios de promover a aproximação do conhecimento dos alunos aos conhecimentos

matemáticos, aquando da realização de uma tarefa. Estes processos podem ser acompanhados por instrumentos como as tarefas matemáticas, pela calculadora gráfica ou outro software intencionalmente proposto pelo professor na aula de matemática, que Rabardel designa por artefactos (Hillman, 2014). Tais artefactos são instrumentos de mediação semiótica. Para Rabardel a produção de um signo depende do uso de um artefacto. Tal signo, por sua vez, pode ser espontâneo ou explicitamente requerido por tarefas específicas propostas pelo professor (Mariotti, 2009). Em qualquer dos casos, a principal característica dos signos é a sua estreita ligação com as ações que decorrem do uso do artefacto (Mariotti, 2009, p.430).

Um signo auxilia a construção de um significado durante a resolução de uma tarefa, tal como a construção de uma analogia durante um raciocínio indutivo, ou o uso da memória na construção de um raciocínio abdutivo. Por sua vez, um artefacto acompanha a tarefa tendo a função de promover a construção de significados, tal como um algoritmo, ou uma determinada função da calculadora gráfica.

Assumiremos neste estudo, e concordantemente com Peirce, que toda a atividade sígnica é por si só um signo e, consequentemente, por tal atividade se identificar nalgum momento ou nalguma perspetiva com o seu signo, consideraremos os conceitos de signo e significado como interdependentes. De acordo com D’Amore (2007), Bishop e Goffree (1986), Ponte e Serrazina (2000), Bussi e Mariotti (2008) e Mariotti (2009), neste trabalho consideramos que a atribuição de significados, individuais e coletivos através do uso de artefactos – como as tarefas propostas pelo professor aos alunos em sala de aula, é fundamental para a aprendizagem.