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CAPÍTULO II: A ESTRUTURA FORMAL DA MUNDANEIDADE DO MUNDO

2.6 Significatividade e decadência

Vale notar que esta seção da dissertação busca não somente elaborar a resposta à pergunta sobre a pré-configuração das possibilidades existenciais no mundo, mas também entrelaçar a apresentação do projeto ontológico heideggeriano, ofertada no primeiro capítulo do presente trabalho, com a caracterização da significatividade exposta neste capítulo. Entretanto, a plena descrição das inter-relações conceituais exigida em tal intento ultrapassa os limites impostos pelos objetivos deste texto, fazendo-se necessário ter em vista que a presente seção deverá manter um caráter panorâmico.

A resposta para a questão acima formulada requer uma breve retomada do modo de ser do ser-aí do qual o método heideggeriano parte para a elucidação das estruturas

existenciais do ente que é ser-no-mundo. Tal modo diz respeito à cotidianidade mediana, ou seja, ao modo de ser em que, de início e na maioria das vezes, o ente humano se lança em possibilidades de forma imprópria ou mediana (Cf: ST, §9, p.87; SZ, §9, p.43). Ao tematizar a constituição fundamental do ser-no-mundo a partir da medianidade, a interpretação dos existenciais que perfaz a primeira seção de Ser e Tempo refere-se à análise das estruturas ontológicas do ser-no-mundo cotidiano. Na análise ontológica dos entes intramundanos que se apresentam na medianidade, o modo de ser do ser-no-mundo cotidiano é caracterizado em termos de uma atividade, um “modo de lidar no mundo”.

A demonstração fenomenológica do ser dos entes que se encontram mais próximos faz-se pelo fio condutor do ser-no-mundo cotidiano, que também chamamos de

modo de lidar no mundo e com o ente intramundano (ST, §15, p.114; SZ, §15,

pp.66-67).

Quando, anteriormente, apresentou-se a questão da historicidade da existência, destacou-se que o ser-aí se compreende na facticidade da existência, assumindo seu ser, sua possibilidade existencial. Ele encontra-se em um modo de ser possível. Enquanto em um mundo com os outros23 na cotidianidade mediana, os modos de ser em que o ser-aí se compreende dizem respeito a um contexto que se perfaz na interpretação pública mediana (Cf; ST, §74, p.475; SZ, §74, p.383). O encontrar-se lançado do ser-aí em um modo de ser mediano impróprio diz respeito ao estar absorvido do existente no “mundo” (enquanto âmbito que abarca uma multiplicidade de entes), junto aos entes intramundanos, e com os outros.

[A impropriedade] constitui justamente um modo especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo “mundo” e [pela co-existência dos outros] no impessoal (Cf: ST, §38, pp.240-241; SZ, §38, p.176).

Na decadência, o ser-aí se encontra lançado junto aos entes na atividade cotidiana na qual se mantém e em que assume uma possibilidade de ser imprópria. Ele não decai em um âmbito ôntico, mas no mundo, que constitui o ser do ser-aí enquanto ser-no-mundo.

Enquanto ser-no-mundo fático, [o ser-aí], na decadência, já decaiu de si [mesmo]; mas não decaiu em algo ôntico com o que [ele] se deparou ou não se deparou no curso de seu ser, e sim no mundo que, em si mesmo, pertence ao ser do ser-aí (Cf: ST, §38, p.241; SZ, §38, p.176).

Decadência indica, assim, um modo de ser no mundo em que o existente está sempre já lançado em possibilidades impróprias, um modo de ser no mundo em que, por assim dizer,

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Neste trabalho, os conceitos referentes ao “Mitsein” ainda permanecem obscuros. Eles serão usados na presente seção apenas na medida em que são exigidos para uma adequada retomada das noções expostas na apresentação do projeto ontológico de Ser e Tempo. Não obstante, eles receberão um maior esclarecimento no capítulo que se segue.

o ser-aí está imerso em campos de uso utensiliares herdados. Para uma visualização de como essas possibilidades perfazem o mundo, pode-se voltar ao tema da historicidade da existência. Foi visto que, no decidir-se, em face da finitude, o ser-aí pode assumir seu modo de ser autêntico, isto é, assumir seu ser si mesmo. O ser autêntico do cuidado, no temporalizar da ekstase do porvir, retorna à temporalização da ekstase do ter sido, impondo para si mesmo uma possibilidade de ser que é herdada nas interpretações públicas, isto é, assumindo seu destino. A temporalidade, enquanto perspectiva na qual o ser-aí pode compreender-se em seu próprio ser, mostrou-se como fundamento do destino, isto é, da “historicidade em sentido próprio” (ST, §74, p.477; SZ, §74, p.385). Além disso, a historicidade foi afirmada como constitutiva do ser do ser-aí, da existência. Visto que a existência pode se dar tanto nos modos de ser da propriedade quanto da impropriedade, a existência imprópria, em que o ser-no- mundo encontra-se decaído em um mundo, em relações com os entes que vêm ao encontro, também deve ser vista como histórica (Cf: ST, §74, p.479; SZ, §74, p.387).

Assim, no deixar-se levar pelos modos de ser medianos impessoais herdados na historicidade da existência, o ser-aí já está sempre decaído em interpretações medianas públicas que perfazem o mundo. A significatividade que foi exposta como estrutura formal da mundaneidade do mundo, ordenando os nexos de remissões conformativas no conceder inteligibilidade a eles em vista das possibilidades existenciais, deve, portanto, encontrar na decadência os modos de ser herdados que dispõem a configuração prévia da totalidade de significações. Posto isso, resta, entretanto, para a apropriada reconstrução da significatividade em Ser e Tempo, explicitar esta como fundamento da possibilidade da linguagem. Esse é, com efeito, o objetivo do próximo capítulo desta dissertação.

CAPÍTULO III: A SIGNIFICATIVIDADE COMO FUNDAMENTO DA