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Mapa 3: James e territórios na cidade de Belo Horizonte/MG

3.2. Signos da experiência da loucura

Os significados associados à experiência da “doença mental” são construções

culturais herdadas e utilizadas em situações de aflição (RABELO; ALVES; SOUZA, 1999 apud CORIN et al., 1992, 1993). Rabelo, Alves e Souza em um estudo realizado no Nordeste de Amaralina, em 1999, apresentam a partir de narrativas construídas com familiares de portadores de sofrimento mental, contribuições importantes e pertinentes para análise da experiência da “doença mental”, que tomamos como ponto de partida para este empreendimento científico.

A experiência da “doença mental”, conforme descrito por Rabelo, Alves e Souza (1999), é referida como problemas de cabeça, compreendidos como estado de perturbação mental, perda de controle das próprias reações e das atitudes ou estado de enfraquecimento do juízo. No caso da perda do juízo está a incapacidade pessoal de julgamento e discernimento nas interações sociais, campo de atuação do juízo, cujo comprometimento altera o desempenho social do indivíduo.

Em síntese, alguns atributos estão presentes na experiência da loucura: signos relacionais, de violência, isolamento, agitação, alterações no discurso, problemas no campo da percepção (delírio e alucinação), ataques e crises, desempenho de papéis sociais, aparência, emoção e comportamento bizarro (RABELO; ALVES; SOUZA, 1999).

Os signos relacionais e de violência somados aos signos de agitação e comportamento bizarro referem-se a atitudes agressivas e desrespeitosas vivenciadas no campo do convívio social, este marcado pelo desrespeito às regras e normas sociais. O comportamento bizarro, por sua vez, compreende-se como rótulo para agrupar condutas e modos de ser considerados estranhos ou alheios a um padrão normal vigente (RABELO; ALVES; SOUZA, 1999). Esses autores descrevem alguns comportamentos tipicamente bizarros:

Andar nu pela vizinhança, adornar o corpo com papelão, pedaços de metal ou qualquer outra coisa que encontre pelas ruas, fugir de casa, comer restos do lixo e viver na sujeira ou, simplesmente, passar todo o dia vagando pelas ruas sem nenhuma razão aparente – todos comportamentos sublinhados por seu caráter estranho e absurdo (RABELO; ALVES; SOUZA, 1999, p. 52).

É importante ressaltar, que ao contrário de noções tradicionais do desvio que atribuem certos grupos o caráter desviante, trabalhamos com a noção de desvio tal como proposto por Becker (2008). Esse autor apresenta o exercício de relativização das regras sociais que definem situações e comportamentos reconhecidos como "certos" ou "errados". Regras, desvios e rótulos são sempre construídos em processos interacionais. Segundo Becker (2008), o desvio não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação entre a pessoa que comete o ato e aqueles que reagem a ele. Nessa perspectiva, um comportamento só será compreendido como bizarro e desviante, à medida que não é compartilhado por um grupo de pessoas, assim como descrito por Schutz.

Outra caraterística relacionada à ideia de desvio refere-se ao cuidado com a aparência. Andar limpo, arrumado, enfim, demonstrar interesse pela higiene e apresentação pessoal, especialmente, em contextos públicos, são atos indicadores de que o indivíduo, se tem o juízo fraco, não cortou de todo os laços sociais que lhe conferem o status de pessoa (RABELO; ALVES; SOUZA, 1999).

Ainda no campo das relações sociais, o isolamento social é um atributo importante, assim como a emoção. Nos relatos de Rabelo, Alves e Souza (1999), o isolamento associa-se, de um lado, à indisposição e falta de ânimo e, de outro lado, à condição de se estar aborrecido, o que, por vezes, adquire uma conotação moral negativa, uma vez que ameaça um fluxo de reciprocidade. A reciprocidade constitui-se como elemento essencial para a constituição das relações sociais, conforme descrito por Weber (1998), uma vez que a relação social pode ser apreendida como a probabilidade de que uma forma determinada de conduta social tenha, em algum momento, seu sentido partilhado pelos diversos agentes numa

sociedade qualquer. Nessa perspectiva, é possível retomarmos a experiência do estrangeiro descrita por Schutz, uma vez que o mundo da vida nessa situação é questionado.

À emoção do portador de sofrimento mental é conferida um caráter exagerado, as ações e reações são compreendidas como exacerbadas e decorrentes de avaliações deficientes das atitudes e intenções dos outros (RABELO; ALVES; SOUZA, 1999).

A agitação, os ataques e crises, consoante ao estudo de Rabelo, Alves e Souza (1999), compreendem-se como episódios nos quais o indivíduo apresenta ritmo acelerado, distinto das pessoas normais e mudanças súbitas e inexplicáveis de atitudes, o que contribui para a representação de que o portador de sofrimento não é dado a interações e ao convívio social. Somadas às descrições de agitação e crises, encontramos alterações no discurso e problemas no campo da percepção. A existência de alucinações5 e delírios6 no campo da loucura podem trazer impacto no mundo das relações sociais, uma vez que, de acordo com Schutz (2012), os processos intersubjetivos ocorrem em contextos de comunicação face a face, no qual a linguagem e a reciprocidade de perspectivas estão colocadas. Além disso, há problemas no campo da percepção e da problemática da realidade, uma vez que, esquemas díspares de interpretação da realidade podem acarretar dificuldades na comunicação social e consequentemente na relação social (SCHUTZ, 1983).

O desempenho de papéis sociais, por sua vez, também apresenta-se como elemento fundamental para análise da experiência da loucura. Os pesquisadores Rabelo, Souza e Alves (1999) descrevem que, ora os portadores de sofrimento mental vivenciam o papel social de doente, ora de desviante. Por outro lado, apontam o papel social de trabalhador como atributo de melhora ou de normalidade.

Diante dessas descrições, é possível reconhecer a existência de signos que conferem negatividade ou degenerescência à experiência da loucura. Dessa forma, julgamos pertinente o aprofundamento do conceito de estigma para compreensão das diferentes experiências de loucura e os processos das relações sociais envolvidos nessas experiências.