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1.3 O Silêncio do Pai diante da dor

1.3.1 O Silêncio eterno: o mistério do Pai

O Silêncio nos traz a oportunidade do questionamento. Ele nos remete à Palavra. Logo, ele se torna o início, mas a fé se relaciona com a Palavra, pois, através dela tateamos o mistério. Ao mesmo tempo em que descobrimos e alimentamos nossa fé a partir da Palavra, esta nos remete ao seu início, sua origem: o silêncio. Nesse dinamismo entre Silêncio e Palavra, descobrimos a dinâmica da Revelação de Deus. É o Deus que se “re-vela” (entendido como ato de abolir a cobertura e também como um velar mais espesso).29 A afirmação dessa dinâmica é

indispensável para evitar que a manifestação da fé seja entendida como

Offenbarung30.

Forte afirma que é preciso pensar essa relação Silêncio/Palavra de maneira a mostrar continuidade e distinção, portanto; negação/afirmação; uma via negativa, uma positiva e uma dialética. Só é possível falar em Silêncio, porque há Palavra, porque a dinâmica da revelação proporciona um ocultamento e uma manifestação.

A primeira forma de relação entre Palavra e Silêncio é a via negativa, onde se ressalta a diferença entre Silêncio e Palavra. Isso ocorre porque ao manifestar-se a Palavra torna-se presente, visível e palpável. Por sua vez, o Silêncio revela escuridão e distanciamento. Não significa que ele não esteja presente, por que pela Palavra se descobre o Silêncio, mas ele é distinto.

29 Cf. FORTE, Bruno. À escuta do outro. Filosofia e Revelação. p. 14.

30 Termo alemão que privilegia somente um dos significados de revelação: o de trazer a tona. Deixa

de lado o ocultamento da revelação. Bruno Forte dedica um capítulo sobre este termo no livro: À

escuta do outro. Filosofia e Revelação. p 13-29. Bruno Forte lembra que o risco do offenbarung é a repetição necessária da identidade, mas o contrário representa o risco a tornar-se incomunicabilidade entre os seres separados pelo nada.

[...] o Silêncio, cuja a Palavra abre, se oferece como a não-Palavra, a diferença específica é o Verbo enquanto tal. Como a Palavra tem o caráter de vir em seguida, de proximidade imediata ao nosso mundo de pronunciável no horizonte da nossa linguagem e portanto de comunicação que dá a possibilidade dos homens de tornar-se “filhos no Filho”, assim é o Silêncio em relação ao Verbo tem um caráter de pro-venir, escondido, de profunda distância.31

Nessa relação, a fé se restringe ao aspecto visível, ao explicável. O Silêncio está nas trevas, oculto. Só o conhecemos porque o comparamos com a Palavra em uma dedução lógica simples: o que não é manifesto pela Palavra é característica intrínseca do Silêncio.

Ao contrário, a via positiva, pretende afirmar a continuidade entre Silêncio e Palavra. Através do que a Palavra nos apresenta conhecemos o Silêncio e adentramos em seu mistério. A Palavra nos leva ao oculto, porém este permanece no seu ocultamento e a qualificação desse ocultamento se dá através do amor. Porque a manifestação de Deus se dá no Filho, por amor. “Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou seu Filho ao mundo para que vivamos por ele.” (1Jo 4,8s)

Através do amor conseguimos entender a afirmação de continuidade entre Silêncio e Palavra, que a via positiva tenta comprovar. O amor nos leva da Palavra ao Silêncio e desta, novamente, à Palavra.

A continuidade entre Palavra e Silêncio, afirmada pela via positiva, não é, portanto, de modo algum extrínseca; ela é necessária pela livre necessidade do amor. Do amor revelado subimos ao amor oculto e deste retornamos à revelação como ato de comunicação que, dentro da liberdade e gratuidade do amor eterno, encontra sua mais profunda motivação e seu início.32

31 FORTE, Bruno. Dialogo e annuncio. L’evangelizzazione e l’incontro com l’altro. p. 108. Il Silenzio,

cui la Parola schiude, si offre come la Non-Parola, la differenza rispetto a ciò che specifica il Verbo in quanto tale. Come la Parola há il carattere de “venuta” e quindi di prossimità imediata al nostro mondo, di dicibilità nell’orizzonte del nostro linguagio e perciò di comunicazione che rende possibile agli uomini di venire “figli nel Figlio”, così il Silenzio al di là del Verbo há il carattere di “pro-venienza” nascosta, di profondità lontana,

Constata-se, na via positiva, a iniciativa do advento que vem ao encontro do humano pelo caminho do amor. A fé acolhe a iniciativa divina e, através dela, dá-se conta do Silêncio. Dessa forma, o humano é elevado ao divino. O amor torna-se novamente o viés capaz de estabelecer a relação entre êxodo e advento.

O risco encontrado na via positiva é o de colocar em máxima evidência a continuidade entre Silêncio e Palavra, esquecendo a particularidade de cada uma das partes. Desta forma o Silêncio seria totalmente Palavra e teríamos a capacidade de conhecer plenamente a Deus a partir da sua revelação.

Entre a via negativa e a positiva existe a dialética das mesmas. Essa via tem como característica perceber a unidade e a distinção entre Palavra e Silêncio. Existe uma continuidade e uma singularidade. A Palavra provém do Silêncio e a ele retorna. O Filho provém do Pai e retorna ao Pai.

A via dialética reassumiu e superou as outras duas, porque reconheceu entre Palavra e Silêncio uma continuidade e uma distinção, um tipo de eminência do Silêncio sobre a Palavra, enquanto origem e destino e da Palavra sobre o Silêncio enquanto verbo da comunicação e da participação da vida divina junto aos homens.33

A cruz é o exemplo da unidade entre Palavra e Silêncio. Porque no abandono total a Palavra se comunica no Silêncio e entra em comunhão com ele. Compreender essa unidade é compreender a unidade entre Pai e Filho. Igualmente é compreender a unidade entre divino e humano que se encontram no Silêncio. Em ambos os casos o Silêncio manifesta amor. De um lado, amor Divino da entrega, de outro, o amor humano que sente a falta, que sente saudades pela perda.

Na mesma intensidade da unidade existe a distinção, pois um é o que gera e o outro o que é gerado. Essa distinção não coloca em patamares diferentes Pai e Filho. Demonstra, contudo, a distinção, existente nas duas pessoas. O Silêncio do

33 FORTE, Bruno. Dialogo e annuncio. L’evangelizzazione e l’incontro com l’altro. p. 110-111. “È la via

dialettica a riassumere e superar ele altre due, perchè riconosce fra la Parola e il Silenzio un rapporto che è insieme di continuità e di distinzione, uma sorta di “eminenza’ del Silenzio sulla Parola, in quanto Origene e Destino, e della Parola sul Silenzio, in quanto Verbo della comunicazione e della partecipazione della vita divina agli uomini.”

ser vai revelar essa unidade com o Silêncio divino e com os outros seres formando assim uma comunhão.