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A simbiose do espiritualismo novo-velho

No documento Odemio Antonio Ferrari.pdf (páginas 138-149)

CAPÍTULO II O PENTECOSTALISMO

5. A simbiose do espiritualismo novo-velho

Durante três séculos, o Brasil viveu sob a égide do Contrato do Padroado, onde o Papa concedeu a direção religiosa aos desígnios do Imperador, o que gestou no período colonial, um catolicismo ibérico, distanciado da ortodoxia romana. Com a independência(1822), o império abre espaço à imigração alemã no sul(1824) e conseqüente chegada da Igreja Luterana e seu Protestantismo de Imigração, ligado à colônia germânica. Na metade deste século XIX, há abertura ao Protestantismo de Missão e suas igrejas reformadas, vindo dos Estados Unidos. Em 1890 com a queda da Monarquia e instituição da República, cessa o Padroado e a Igreja Católica deixa de ter a oficialidade, mas adquire a liberdade para que a Sé Romana tente implantar sua ortodoxia doutrinária e pastoral.

O regime do padroado, por sua vez, detinha o controle do aparelho eclesiástico, de forma que a Igreja esteve sempre circunscrita à moldura dos interesses da Coroa. O conforto de religião oficial e do patrocínio financeiro e político, por parte do poder civil, engessava sua ação missionária e sua expansão pelo território de missão.176

Dentro deste panorama de estado laico, modernidade política e tolerância religiosa, percebemos que o protestantismo histórico e o catolicismo com projeto de romanização(1890) e depois o seu Concílio Vaticano II(1965-67), atuaram num enfoque secularizador. Estas duas igrejas de matriz e enfoque doutrinário europeu tentaram pastorear nos moldes exógenos, racionalizando e reprimindo o inconsciente coletivo da religiosidade e cultura brasileira, construídas dentro da história do padroado colonial e seu aportuguesado catolicismo, miscigenado com os variados fatores culturais deste vasto território em ocupação. As pastorais católicas e protestantes ignoraram os valores e símbolos religiosos difusos, formadores das representações e substratos religiosos- culturais, provindos em grande parte de concepções arcaicas do povo interiorano, fortemente marcado por tradições ancestrais, organização familiar patriarcal, convívio mediado pelas relações com os ciclos da natureza, devoções populares... Esses elementos constituíram um vasto sincretismo, um processo aberto à aceitação-rejeição- ressignificação dos valores exteriores(sagrados ou profanos), conforme o contexto local e tempo histórico.

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João Décio PASSOS, A Matriz Católico-Popular do Pentecostalismo. In: MOVIMENTOS DO ESPÍRITO, p.62.

Portanto, há uma religiosidade mínima solidificada nos meandros do senso comum dos indivíduos e organização social, provindos da mestiçagem racial, miscigenação cultural e enfoques de crenças. O catolicismo romano e protestantismo histórico irão deparar-se com a vitalidade de cultos indígenas, africanos, magia européia, espiritismo, em permanente trânsito sincrético, perpassando um arraigado catolicismo popular. Vemos que no âmbito sócio-cultural há uma matriz de crença que proporciona um panorama religioso misto, sincretista, propício à formação de uma religiosidade

matricial, ligada ao indivíduo na sua recepção mais emotiva, particular de ver, sentir e

reagir, a qual dá base à construção da sua concepção religiosa pessoal. Caminho este, normalmente de pouco ângulo racional e bastante subjetivo, o que pode moldar um arranjo de concepções religiosas contraditórias, a serem acionadas de forma multifacetadas, conforme a necessidade pontual do momento. O viver move-se num aleatório acúmulo e rejeição de ritos, doutrinas, símbolos, tanto no âmbito civil como religioso, conforme influências do momento, sem maior coerência lógica. Transpondo esta religiosidade individual e transitória à época atual, podemos afirmar que este formato de crença vem a corroborar com as concepções de vida fragmentadas, sem lógica de conjunto da vida pós-moderna.

Desta forma, ao analisarmos o vasto fenômeno da diversidade pentecostal, neste século de implantação no Brasil, necessitamos buscar base hermenêutica sobre a formação, conservação e transformação da matriz religiosa brasileira.

Os pentecostalismos, por seu turno, reprocessaram a religiosidade de origem matricial, pondo-lhe sinais valorativos. Em outras palavras: em vez de rejeitar esse sistema de crenças do senso comum, discriminaram e classificaram aquilo que pertenceria ao domínio de Deus e aquilo que se situaria na jurisdição do Diabo. A rigor, com esse procedimento os pentecostalismos ensejaram que a matriz religiosa brasileira permanecesse intacta, ou seja, apenas realocada e reinserida em um novo sistema religioso.177

O pentecostalismo e sua diversidade de representações e práticas, conforme a época e contexto social de inserção, absorveu e redimensionou partes do culto religioso popular. Esta mentalidade religiosa média, resultou de crenças arcaicas que alimentavam um imaginário coletivo que percebia e temia a vasta natureza brasileira como permeada de seres sagrados, entes míticos ameaçadores. Havia a necessidade

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José BITTENCOURT Fº, MATRIZ E MATRIZES: constantes no pluralismo religioso. In: Movimentos do Espírito... p.26.

de um temor horizontal que respeitasse e aplacasse estas forças, pois o sobrenatural estava integrado ao natural, como parte do cotidiano. Por outro lado, a racionalidade doutrinal e ritual católico romana e protestante histórica, apresentava ao povo a verticalidade da crença transcendente, erudita, abstrata, dualista, centrada na catequese e culto litúrgico rubricista no templo.

Nesta simbiose de modelos e práticas de crença, forma-se uma religiosidade

difusa, que perpassa a coletividade em suas representações do sagrado, conserva uma

compreensão religiosa sincrética, maleável às renovadas ofertas de crença. Como sabemos, as acusações e perseguições às idolatrias, superstições e paganismos, mais acirraram a resistência discreta e, o criativo sincretismo brasileiro protegia-se pacificamente no catolicismo popular, tido como pertencente à oficialidade da religião hegemônica. Dentro desta comunhão de crenças formadores de uma religiosidade diversificada e integrada por valores arcaicos comuns, os missionários pentecostais norte-americanos chegaram, via igrejas reformadas protestantes históricas. Imprimiram um espiritualismo renovado, manejando valores tradicionais da cultura religiosa que as ortodoxias católica e protestantes rejeitaram.

O movimento pentecostal tem sua raiz básica na reforma protestante metodista da busca da santidade pessoal, em acréscimo à justificação luterana. A segunda bênção enfatizada por Wesley na Inglaterra vai penetrar e dividir as igrejas reformadas norte- americanas. Despertará movimentos de santificação e líderes inspirados pela re- atualização do evento bíblico de pentecostes, o resgate do poder e envio missionário das origens cristãs, a ser experienciado e externalizado.

O surgimento do pentecostalismo nos Estados Unidos foi precedido por um divisionismo entre as Igrejas protestantes. As Igrejas se dividiam não apenas por questões teológicas ou doutrinais, mas também por questões sociais, de etnia e de ideologia. As teorias da evolução, por exemplo, dividiram as Igrejas entre fundamentalistas e liberais. Um dos primeiros líderes da Assembléia de Deus, Charles Perham, era um branco, racista e admirador da tenebrosa Ku Klux Klan. Na época, o racismo dividia o país em duas cores. Nos estados do sul, a lei proibia os cultos religiosos mistos. Outro dos fundadores do pentecostalismo norte-americano foi William Seymur. Ele era negro, escravo e assistia escondido aos cultos de Perham.178

O pentecostalismo ressignifica, transforma a racionalidade bíblica protestante e sua interpretação lógica, necessitada de domínio da escrita por uma aleatória leitura

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literal, fundamentalista, conduzida pelo pastor, o homem de Deus. O livro sagrado deixa de ser enfocado como texto complexo e adquire utilidade pela escolha de fragmentos úteis às necessidades do momento de fé. Passa a ter um simbolismo de poder, arma espiritual, mágica presença a substituir a visualidade sagrada da condenada iconoclastia dos santos católicos populares.

O pentecostalismo transita pelas suas origens protestantes trazidas dos EUA e faz inserção no Brasil, em um contexto bem diferenciado, encontrando a sociedade e cultura marcadas pela matriz religiosa católico-popular. A colonização ocorreu conjugada ao catolicismo sob o comando do império português, distante dos ditames da ortodoxia romana. Forjou-se uma religiosidade inserida no contexto cultural dos povos que foram ocupando o vasto território, permeados por valores arcaicos das tradições ancestrais, vivência regida pelos ciclos naturais, crença dos colonizadores, devoções santoriais. O

catolicismo culturalizado gestou-se aberto às variadas produções de significados,

sincretizando-se pela assimilação espontânea e rupturas com as representações e práticas de crenças, dentro do tempo e espaço da colonização portuguesa, vasta presença de nações indígenas e posterior migração de negros(escravatura) e europeus.

Há um conjunto de visões e práticas que permanece abaixo da modernização latino- americana, como um substrato que se adapta funcionalmente aos novos contextos modernos, conservando, porém, sua estrutura e dinâmica básicas. Portanto, a gênese do pentecostalismos se dá no pressuposto de uma religião hegemônica brasileira, o catolicismo popular. É esse pressuposto religioso que oferece as condições mais amistosas para a implantação e expansão dos grupos pentecostais em nosso contexto, muito embora, o discurso pentecostal seja de franca oposição e ruptura com as práticas católicas.179

O homem de Deus pentecostal re-adequou o cargo de pastor protestante fraco em legitimidade, perante o sacerdócio universal e acesso bíblico dos adeptos. O pentecostalismo inseriu legitimidade, poder hierárquico aos seus pastores, bispos..., apropriando-se do carisma de função do sacerdócio católico, também atribuindo poder técnico para exercer com exclusividade, rituais e manuseio de objetos simbólicos. Assim, o hierárca pentecostal é redimensionado da pregação ao acréscimo da função ritual, detentor técnico e condutor da assembléia às experiências santificantes, sensíveis pela força da efusão do pentecostes no viver. Deverá ser prático no discurso para

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João Décio PASSOS, A Matriz Católico-Popular do Pentecostalismo. In: MOVIMENTOS DO ESPÍRITO, p.49.

provocar a manifestação do êxtase espiritual, dons, línguas, curas, milagres ao crente agraciado. A lógica cúltica readequou a devoção nos santos populares pela pregação e ritualidade da graça e milagres na santificação do evento de pentecostes. Ressignificou o gingado profano presente nos movimentos negros protestantes (EUA) pelo louvor corporal da alegria no espírito.

Desta forma, o culto protestante centrado na letra e reflexão foi redimensionado ao espetáculo do gesto e emoção, bloqueando a atenção racional. Neste domínio do culto pelo movimento corporal e sonoro, em detrimento da atenção da assembléia que ouve e interpreta a pregação metódica, os crentes pentecostais são incentivados à liberdade coletiva de manifestação individual, uníssona de suas preces e lamentações diretas à divindade pela glossolalia. Os leigos podem falar de suas sensações vividas, milagres, angústias e revelações bíblicas, por que o púlpito tornou-se democratizado aos testemunhos que dão legitimidade à pregação e ritualidade condicionada pelo mediador do sagrado, o pastor pentecostal.

A manifestação do carisma do líder religioso deve centrar-se na técnica oral e ritual, produtora de emoções extasiantes, apoiado pela justificação bíblica alegórica, literal e fundamentalista. Desta maneira, a formação teológica erudita do protestantismo tornou-se desprezada pela crescente prática pentecostalizada de cunho mágico-ritual de controle de massa.

O pastor, portador de boa comunicação, simples e objetiva, sendo normalmente alguém que testemunha ter pertencido a mesma origem da clientela crente, agora emancipado, conjuga a incisiva mensagem e ritualidade com técnica de convencimento. Desperta a esperança do indivíduo à oferta de uma hierarquia divina mais forte, que é poderosa para oferecer o salto qualitativo aos deserdados. As crenças anteriores são taxadas como impuras e fracas, mas servem de base à construção da lógica de crença pentecostal, adequada ao contexto da instabilidade das massas periféricas das metrópoles desordenadas. Tenta-se aplicar o prisma de uma religião eficiente e diferenciada, plausível ao território estranho, ocupado por indivíduos atingidos por forças anônimas e perdidos nas referências existenciais.

O pastor tem técnica superior ao capelão, curandeiro ou benzedeira da roça por ter a Bíblia como escudo espiritual, estabelecer uma relação espontânea e oralizada do sagrado. Coloca-se como agenciador de alianças espirituais e contratos de prosperidade, mediante ofertas, dízimos e sacrifícios de fé e esperança. Seu discurso e

ritualidade desmistifica e estabelece revisão à religiosidade do prosélito em conversão, prometendo a passagem do idólatra(velho) ao regenerado, o crente(novo).

A pregação do pastor atinge o imaginário do prosélito por dentro, fala de seus símbolos e de suas práticas com espontaneidade e com conhecimento de causa. O ouvinte não é convidado a abandonar todas as suas referências e experiências religiosas, mas a dar um salto qualitativo. Em termos construtivistas, o pregador parte da experiência de mundo do ouvinte, introduzindo elementos novos a partir dos velhos. A apreensão do universo religioso pentecostal por parte do fiel católico se dá somente por um processo de revisão e adaptação da fé católica.180

A simbiose entre o novo (pentecostalismo) e o velho (catolicismo popular) ocorre, a partir das forças do imaginário hegemônico, dentro de um processo paulatino, sendo camuflado, rejeitado e apropriado, conforme o desenvolvimento da diversidade de institucionalizações pentecostais, ocorridas no espaço de tempo de um século. A gradativa assimilação e mutação, tornou-se explícita, ao ponto de o neopentecostalismo expressar clara configuração autóctone, um novo culto pentecostal, brasileiro e de exportação.

O longo período de mais de três séculos de um catolicismo ibérico pouco institucionalizado e com o controle civil pelo regime do Padroado, tendo o Rei como chefe da igreja oficial do império, gestou uma cultura nacional catolicizada. Este monopólio religioso de perfil rural, começou a entrar em crise, perante a chegada das igrejas protestantes históricas, a instituição da república e o seu estado laico, tentativa de romanização católica. Chega o séc. XX e dois fatores atingem a realidade sócio- cultural e religiosa: a vinda dos missionários pentecostais, fundadores de seitas-igrejas dentro desta realidade brasileira; e, o processo de industrialização-urbanização de desenvolvimento tardio. Portanto, em nossa Terra de Santa Cruz gestou-se um catolicismo popular de origem ibérico e rural, resistente à chegada da modernidade, o qual tornou-se matriz ao pentecostalismo abrasileirado, diversificado e urbano.

Na realidade, o Brasil sofreu uma metropolização vertiginosa e contraditória que fez prevalecer uma discrepância entre mudança social – novas regras de produção, consumo e convivência – e mudança cultural, e, as grandes massas urbanas permanecem com sua cosmovisão tradicional estruturada sobre um fundamento religioso e auto-gestada pelos agentes populares. O pentecostalismo poderia ser visto, deste modo, como a

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João Décio PASSOS, A Matriz Católico-Popular do Pentecostalismo. In: MOVIMENTOS DO ESPÍRITO, p.73.

maneira urbana de a fé católico-popular continuar sobrevivendo em sua estrutura dinâmica de fundo, organizando o espaço e o tempo dos fiéis.181

O movimento pentecostal com origens na migração rural-urbana dos EUA, entra no Brasil dentro de semelhante fenômeno sócio-econômico, em um país que tentava entrar no ciclo da modernidade capitalista, estando a república e federação em crise, constituindo contingentes urbanos em aglomeração desordenada, a queda do coronéis e ascensão da política populista, tentativa de romanização católica.... Um espaço de instabilidade às massas sociais em mobilidade geográfica, desagregação cultural e quebra dos laços tradicionais. É o ambiente em que a cosmovisão pentecostal encontra plausibilidade, estabelecendo rupturas e continuidades com os significados da cultura vigente, criando novas expressões de crença.

A hermenêutica popular sobre o evento de Pentecostes extraiu da narrativa elementos fortemente criadores para a vivência da fé em contextos sociais marcados pela desagregação e pelo correspondente esforço de coesão grupal. Na Babel das metrópoles que se expandem, os carismas do Espírito fazem emergir sujeitos religiosos e grupos que se irmanam com práticas e destinos comuns na busca de sentido e solução para as novas condições de vida.182

O catolicismo popular (velho) e o pentecostalismo (novo) têm a característica comum de integração, rejeição e ressignificação de valores significantes diversos, sagrados ou profanos. Nutrem autonomia, relativização da mediação institucional e dos agentes especializados, distância das racionalidades teológicas, protagonismo dos leigos com líderes carismáticos, sincretismo de crenças, visão tradicional e espiritualizada das realidades terrenas, resistentes à modernidade e apegados às significações arcaicas, desempenho ritual prático ligado ao socorro das precariedades existenciais e natureza em crise, prática devocional com sensibilidade gestual, miscigenação étnica, pobreza econômica e cultural, periferia urbana como território de encontro e simbiose.

Na mobilidade das realidades campo-cidade e diversidade das metrópoles, os contingentes do catolicismo popular e pentecostalismo, transitam e dão significado seletivo, conforme o enfoque dual arcaico (perdição-salvação) aos produtos do progresso modernizante. Resistem na existência autônoma, mesmo na cidade estando

181 João Décio PASSOS, A Matriz Católico-Popular do Pentecostalismo. In: MOVIMENTOS DO ESPÍRITO, p.56.

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geograficamente, próximos das oficialidades religiosas e políticas. Nesta convivência de grupos de arraigada tradição própria e com origens diferentes, mas com elementos culturais e religiosos de matriz assemelhada é que o novo poderá resignificar o velho, gestando um processo de simbiose espiritual, o que terá a configuração de um movimento não totalmente novo. “É essa autonomia que produz e acolhe o novo como boa-nova que comporá, ainda que de modos variados, o contexto sociorreligioso hospedeiro do pentecostalismo nas suas sucessivas vagas.” 183

As massas rurais migradas às periferias urbanas passaram por crises em suas compreensões de mundo, formas de sobrevivência, quebra dos sonhos e os abalos emocionais deixaram (deixam) os indivíduos anônimos em busca de estabilidade referencial. As balisas simbólicas das origens interioranas não mais respondem à nova situação emergente da metrópole caótica. As crenças e significados trazidos em seu imaginário não transmitem referenciais condizentes aos riscos de identidade e sobrevivência do indivíduo e coletividade. É dentro desta erosão humana, em território estranho que o indivíduo que trouxe em si uma bagagem de crença vai recorrer ao socorro das forças sobrenaturais na esperança de alternativas ao túnel do caos amedrontante. Na instabilidade humana e social, o perfil cristão diferenciado da igreja pentecostal com sua agregação solidária será a âncora, perante a avalanche de quebra de referenciais à existência do indivíduo. “A elaboração dessa nova identidade religiosa, a partir de comportamentos ascéticos e de uma disciplina de si, constitui, portanto, estratégia individual para fortalecer a própria autoestima.” 184

O indivíduo estando num mundo de anônimos com aparência de monstros a todos os lados, também seus referenciais simbólicos entrou numa instabilidade e não lhe oferecem equilíbrio psíquico e racional na busca de sobrevivência. Nesta fragilidade dos deserdados das promessas do progresso, a falta de investimentos dos poderes públicos, deixam o indivíduo propenso à porta pentecostal, panfletos e palavras com ofertas poderosas de alternativas, sejam de cunho religioso, político-populistas, bingos ou bilhetes de loterias, cartões de crédito, encontram plausibilidade no vazio de possibilidades e sensação de morte dos miseráveis.

183 João Décio PASSOS, A Matriz Católico-Popular do Pentecostalismo. In: MOVIMENTOS DO ESPÍRITO, p.64.

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Na crise econômica, emocional, desajustes familiares, vícios, medos, a proposta pentecostal aparece incisiva na promessa de soluções ou alternativa solidária no encontro cúltico com os pares do grupo social em desajuste existencial. A aplicação objetiva da mensagem e ritualidade de contraposição, calçada em renovados referenciais cristãos, a partir da matriz popular trazida pelo crente, adquire plausibilidade.

O pentecostalismo herda a postura de rejeição e afastamento do mundo diretamente do metodismo e do movimento Holiness, dos quais se originou. Provém daí, as raízes puritana e pietista do movimento pentecostal. Tal como no puritanismo, para o crente pentecostal mostrar-se santificado, ele precisa exteriorizar sinais, por meio de comportamentos ensinados e exigidos pela comunidade religiosa, que os diferenciem da sociedade inclusiva... Para não serem contaminados e corrompidos pelas coisas, paixões e interesses do mundo, os líderes pentecostais procuram imprimir na conduta dos fiéis, desde a conversão, normas e tabus comportamentais, valores morais, usos e costumes de santificação.185

O pentecostalismo aplica uma tática de oposição, ressignificação, formando continuidade aos referenciais de crença trazidos pelo indivíduo que passa por ruínas. Significados existenciais, tradições católicas de origem rural e as representações pentecostais avivacionistas e santificantes, apresentam analogias permeadas de elementos arcaicos, o que possibilita uma configuração religiosa renovada, numa comunhão entre a crença tida como velha com a que se apresenta como nova. Assim é processada a variedade da fé pentecostal.

Nesta exigência de ruptura dos referenciais do passado por não responderem ao novo e crítico território e momento vivido, Jesus e o Espírito Santo são apresentados como parte do Deus forte e imediato que tudo move e remove. No culto pentecostal estes agentes divinos potentes não são mais atrapalhados pela multidão de mediadores, os santos ou espíritos indígenas e afros. Agora, Jesus tem o poder miraculoso porque n‟Ele está a força do Pai e do Espírito Santo. Crer e aceitá-lo, falar em seu nome é possuir também o alcance deste poder de bênçãos e nova vida, sendo salvo, escolhido,

No documento Odemio Antonio Ferrari.pdf (páginas 138-149)

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