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Simionato, ao refletir sobre o pensamento gramsciano na análise de seu momento histórico vivenciado na Itália, observa que então “ O projeto de sociedade resultante dessa nova ordem econômica ampliava as relações

de exploração e subordinação das classes em presença. O capitalismo nascente emergia marcado, sem dúvida, por um forte processo de exclusão. As camadas de classe subalternizadas passam a ser excluídas de qualquer forma de cidadania, A acumulação interna do capital fortalecia-se e engendrava relações sociais capitalistas, dinamizando a economia sob a égide do capital industrial, criando o grande quadro ilusório de ascensão social. Posto em marcha por vias sinuosas, o crescimento econômico aprofundou as contradições já existentes, desencadeou novos conflitos sociais, e marginalizou os conflitos sociais” (SIMIONATO, 1998:40).

Gramsci repensou aspectos da tradição marxista, tomando sua abordagem mais dialética do que aquela que prevalecia sobretudo no marxismo vulgar. Marx preocupou-se com a análise da economia, o que o levou, de algum modo, a afirmar uma anterioridade do mundo exterior ao homem, que seria um produto posterior. Tomou uma posição prevalentemente empirista no que se refere ao conhecimento e na gestação do conhecimento humano. Este seria produto do mundo exterior. Nesse sentido, afirma a anterioridade do ser sobre o conhecer.

Ao acentuar o valor do fator econômico e ao sustentar a necessidade de uma visão científica da análise da sociedade, inserida em contexto cientificista na segunda metade do século XIX, levou muitos a crerem que isto era suficiente para transformar a sociedade, de tal forma que haveria uma passagem necessária do capitalismo para o comunismo.

É esta atitude dogmática que Gramsci flagra nos socialistas do início do século, denunciando-a como causadora de uma certa ingenuidade política.

Sem intenção de desenvolver mais profundamente os fundamentos do materialismo-histórico, cabe lembrar apenas que Gramsci, diante da surpresa da revolução socialista em país (Rússia) pouco desenvolvido capitalisticamente, e diante da constatação de que o socialismo estava longe de se efetivar exatamente onde o capitalismo estava mais desenvolvido (Europa Ocidental), sentiu a necessidade de ressaltar outros fatores ainda pouco pensados e refletidos na tradição marxista, para a formulação de uma teoria política marxista, salientando aspectos culturais, psicológicos, históricos, morais, situando o fator econômico num quadro social mais complexo.

Gramsci tomou, assim, muito mais dialética, tanto as relações entre fatores econômicos, políticos e culturais, quanto teoria e prática. Em suma, para ele, a fundamentabilidade do fator econômico não pode ser entendida sem a presença deoutras dimensões. Não é só por fatores econômicos que as mudanças se tomaram decisivas, mas concorrem outros fatores, como os políticos e culturais.

Com Gramsci, não mais foi aceita a concepção de que o proletariado seria automaticamente o herdeiro do capitalismo, que inevitavelmente por via de conseqüência, desembocaria na socialização da produção. Neste contexto e perspectiva, situa-se a

centralidade do conceito de hegemonia, a fim de compreender melhor como uma classe pode estabelecer sua superioridade cultural e moral sem deter o domínio do poder político, ou como, às vezes, se pode cair na ilusão de contar com o apoio de uma maioria sem, no entanto, dar-se conta de que esta maioria é muito frágil, devido ao apoio a um determinado projeto de sociedade.

O socialismo de Gramsci exige fundamentos éticos honestos e a prevalência da vontade coletiva baseada na liberdade política e na liberdade de pensar por sua própria conta. Ademais, também devido ao fato de não ter podido concluir a sua obra teórica pela morte prematura, insiste que uma teoria nunca é definitiva Gramsci deixa uma obra aberta, permitindo, inclusive, "usos" não desejados pelo próprio autor.

Todavia, a riquesa de seus ensinamentos, frutos de uma experiência histórica e vivida na sua Itália, mostra o quanto é prossível aproveitá-la para a realidade do Brasil de hoje.

Posições diversas são assumidas por seus intérpretes na vida acadêmica e na vida política: para alguns é um pensador reformista, para outros, elaborador de uma teoria revolucionária, mas de qualquer forma, seu pensamento está inserido nos ideais da modernidade.

1.5 O Estado Moderno em Gramsci

Não se pode pensar a funcionalidade democrática dos operadores do Direito, sem um conceito de Estado Moderno.

Para formular sua teoria do Estado, Gramsci encontra no Príncipe de Maquiavel elementos decisivos; inspira-o não só o realismo analítico do florentino, mas também a figura mítica representativa do poder político, Quiron, que é meio animal e meio humano, ou seja, é à força do leão e da raposa, mas também a racionalidade do ser humano. Em outras palavras, todo poder político inclui necessariamente força e consenso, dominação e direção, violência e civilização, coerção e hegemonia.

§(86). Machiavelli. Altro punto da fissare e da svolgere è quello delia <doppia prospettiva> nelVazione política e nella vita statale. Vari gradi in cui può presentarsi la doppia prospettiva, dai piü elementari ai piú complessi. Ma anche questo elemento è legato alia doppia natura dei Centauro machiavellico, delia forza e dei consenso, dei dominio e dell'egemonia, delia violenza e delia civiltà {delia ‘Chiesa e dello Stato ’ come direbbe il Croce) 37(GRAMSCI, 1977:991).

Ressalte-se, contudo, que o pensador italiano insiste em que há um conceito restrito do Estado, como sociedade política, contraposto e composto com a sociedade civil; e, um conceito ampliado de Estado. Neste caso, Estado equivale a "ditadura + hegemonia" (GRAMSCI, 1977: 811), ou então, a "sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia escudada na coerção” (ibid.). Além disso, quando se fala, de modo sintético, das duas funções, hegemonia e coerção, Gramsci usa o termo "supremacia".

Assim, para Gramsci, à diferença de Hegel e Marx, o campo superestrutural é composto de sociedade política (governo) e de sociedade civil, e a superestrutura não é mero resultado do que é decidido na estrutura, ou seja, no campo das relações econômicas, mas também é lugar de luta entre classes. E a sociedade política é o lugar privilegiado do exercício do poder político como coerção, como domínio, como "ditadura", mesmo que não se compreenda só como tal, enquanto a sociedade civil é o lugar privilegiado do exercício do consenso, da hegemonia. Em todo caso, nenhum poder político é sustentável apenas pelo consenso ou apenas pelo uso legítimo da força. Em tese, quanto mais democrática é a sociedade, mais se baseia no consenso, e quanto menos democrática, mais se fundará sobre o uso da força. Assim é possível vislumbrar qual tipo de sociedade mais se aproxima do tipo ideal.

Portanto, o Estado ou sociedade política é a pessoa jurídica legalmente constituída e dotada do exercício legítimo do uso da força (dominação, coerção, etc.), mas também precisa contar com o consenso na sua articulação/contraposição com a sociedade civil:

37 Tradução livre: § (86) Maquiavel. Outro ponto por fixar e por desenvolver é aquele da < dupla perspectiva > na ação política e na vida estatal. Várias posições pode se apresentar a dupla perspectiva, que vai da mais elementar à mais complexa. Mas até este princípio está preso à dupla

Se scienza política significa scienza dello Stato e Stato è tutto il complesso di attività pratiche e teoriche con cui la classe dirigente giustifica e mantiene il suo dominio non solo ma riesce a ottenere il consenso attivo dei governati, é evidente che tutti le questioni delia scienza essenziali delia sociologia non sono altro che i questioni delia scienza política.

(GRAMSCI, 1977:1765)

Como se pode verificar, a concepção de Estado em Gramsci é diferente da adotada por Marx. Enquanto para este a sociedade civil e o mundo da circulação da riqueza (mundo das relações econômicas) estão compreendidos na estrutura e o Estado na superestrutura, para aquele somente as relações econômicas estão compreendidas na estrutura, enquanto na superestrutura estão tanto a sociedade civil como a sociedade política ou Estado. Assim sendo, para Gramsci, sociedade civil deixa de ser sinônimo de relações econômicas.

Nesse sentido, a sociedade civil, tanto quanto o Estado, é a esfera onde se dão as lutas políticas pela hegemonia, com efetivos e diretos reflexos sobre o Estado (Relação), de tal forma que a primeira, sendo social, atua pela persuasão ou pela troca de vantagens; a segunda, pela coerção ou constrangimento, já que esta detém o uso legal da força. Ao aproximar estas esferas, como faces da mesma moeda, Gramsci faz a seguinte exposição:

Lo Stato è concepito sí come organismo proprio di un gruppo, destinato a creare le condizione favorevoli alia massima espansione dei gruppo stesso, ma questo sviluppo e questa espansione sono concepiti e presentati come la forza motrice di una espansione universale, di uno sviluppo di tutte le energie <nazíonali>, cioè il gruppo dominante viene coordinato concretamente congli interessi generali dei gruppi subordínati e la vita statale viene concepita come un continuo formarsi e superarsi di equilibri instabili (neïl’ambito delia legge) tra gli interessi dei gruppo fondamentale e quelli dei gruppi subordínati, equilibri in cui gli interessi dei gruppo dominante prevalgono ma fino a un certo punto, non cioè fino al gretto interesse economico-corporativo.(GRAMSCI, 1977:458)39

natureza do Centauro maquiavélico, o da força e do consenso, do domínio e da hegemonia, da coação e da civilização (da Igreja e do Estado, como diria Croce) (GRAMSCI, 1977:991)

38 Tradução livre: Se ciência política significa ciência do Estado e Estado é todo complexo de atividades práticas e teóricas com que a classe dirigente justifica e mantém o seu domínio, não só passivo, mas visando a obter o consenso ativo dos governados, é evidente que todas as questões de ciência essenciais à sociologia, não são outra coisa senão as questões da ciência política

39 Tradução livre: "O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar condições

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