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Simulação e análise do episódio 1: Coimbra, Janeiro de 1996

5 Intrusões de ozono estratosférico na baixa troposfera em Portugal

5.2 Ocorrências em Portugal: casos de estudo

5.2.1 Simulação e análise do episódio 1: Coimbra, Janeiro de 1996

Identificou-se uma ultrapassagem ao limiar de informação ao público em Coimbra, no dia

17 de Janeiro, cuja concentração de ozono registada corresponde a 182 µg.m-3, às 14H00.

consecutivos com concentrações de ozono superiores a este limiar (ver Tabela 5.1). Este aspecto é importante na medida em que a estação de Coimbra se situa na Avenida Fernão Magalhães, classificada por essa razão como estação urbana de tráfego automóvel. Esta estação de qualidade do ar está activa desde 1992 e cumpre a eficiência de aquisição de dados superior a 75 %, em termos anuais, desde 1995, inclusivamente, o que torna o seu histórico de dados relativamente completo (Borrego et al., 2003a; Borrego et al., 2003b e Borrego et al., 2005b). Um dos resultados deste estudo evidencia que as médias mensais das concentrações de ozono das estações urbanas em Portugal apresentam valores de

concentrações de ozono baixas, em geral, e a de Coimbra não é excepção (Figura 5.6). No

mesmo período, detectaram-se valores de concentração de ozono acima dos 100 µg.m-3 a 8

e 9 de Janeiro em Monte Chãos e entre 9 e 12 de Janeiro na estação de Monte Velho. Pensa-se que estes valores não sejam resultado de produção fotoquímica já que durante este período a passagem de frentes activas sobre a Península Ibéria é bem visível em imagens de satélite (consultar para o efeito o site da Internet da Eumetsat, a rubrica Historical Image Data, URL 16)

Tabela 5.1: Concentrações de ozono superiores a 100 µg.m-3 em Janeiro de 1996 em Portugal.

Dia 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Coimbra 133 137 155 155 104 128 129 128 104 129 155 182 106 104 118 104 Monte Chãos 108 104 Monte Velho 108 112 106 112

Figura 5.6: Concentração mensal média de ozono em Coimbra.

As médias mensais em Coimbra mostram uma grande variabilidade interanual. Os anos de 1997, 1999, 2000 e 2001 revelam os picos elevados de ozono no Verão. São também notórios picos de ozono nos meses de Outono e Inverno, como no início de 1996 e finais de 1997, por exemplo.

O episódio meteorológico associado a este evento está balizado entre os dias 5 e 19 de Janeiro de 1996. A sua descrição (Borrego et al., 2005b) consiste na passagem de sistemas frontais que influenciaram o tempo em Portugal Continental, nos dias 5, 6, 9 e 11 de Janeiro. Detectaram-se sistemas depressionários a influenciar a Península Ibérica também a 12, 13 e 14 de Janeiro. Nos dias 16 e 17 de Janeiro o fluxo rodou para leste. No dia 17 de Janeiro, a massa de ar sobre Portugal é de origem polar continental, associada ao fluxo fraco de Leste descrito para o dia anterior. A nebulosidade é fraca e a pressão de 1017 hPa, tendo-se registado 18,6º C de temperatura máxima.

Leitão e Moreira (2004) identificaram três momentos em que a possibilidade de intrusão de ar estratosférico poderia ter ocorrido, a partir da análise da sobreposição das retrotrajectórias com o mapa da tropopausa e ainda com o mapa de “bolhas” de ar estratosférico:

Hipótese 1: Entre o dia 06 às 18 UTC e o dia 07 às 12 UTC, enquanto se dá a travessia das partículas pela América do Norte, entre a Baía de Hudson e o Mar do Labrador.

Hipótese 2: Entre o dia 08 às 12 UTC e o dia 10 às 06 UTC, durante o percurso sobre a América do Norte e o Atlântico.

Hipótese 3: No dia 11 entre as 12 e as 18 UTC, segundo diversas retrotrajectórias, a partícula encontra-se numa região que é atravessada por uma anomalia da tropopausa.

O modelo MM5, versão 3, foi aplicado a um período mais curto, entre 9 e 19 de Janeiro de 1996, do que o episódio meteorológico definido previamente para este evento. A simulação meteorológica a partir do dia 5 de Janeiro apenas teria interesse para seguir os afundamentos que se identificaram como possíveis de afectar a concentração de ozono em superfície pela hipótese 1. Todavia, a aplicação do MM5 ao domínio definido de modo a abranger a parte NE da América do Norte e a Península Ibérica não se revelou possível, por incompatibilidade entre a escala de aplicabilidade do modelo e a que se pretende estudar. Por outro lado, houve questões técnicas que necessitaram ser salvaguardadas, como por exemplo a compatibilidade entre os domínios definidos para o modelo MM5 e a área sobre Portugal, de maior resolução, a considerar pelo CAMx.

Assim, definiram-se regiões de aplicação comuns a todos os episódios simulados , com 23

níveis sigma verticais, de características horizontais que figuram na Tabela 5.2 e que se

encontram também representados na Figura 5.7.

Tabela 5.2: Definição dos domínios de simulação. Domínio Nº Células (O-E x N-S) Resolução (km)

D1 58 x 47 90

D2 52 x 52 30

Figura 5.7: Domínios do MM5 usados nas simulações de episódios seleccionados.

Os resultados do modelo MM5 foram visualizados recorrendo a duas ferramentas, o

VIS5D (URL 17) e o GRADS (URL 18). Os instantes seleccionados para esta descrição

estão de acordo com a hipótese 2 para intrusão de massa de ar estratosférico na troposfera livre sugerida em Borrego et al. (2005b) para este episódio: ou seja, que a partícula que chegou a Coimbra no dia 17 de Janeiro se encontrava em ar troposférico entre as 12H00 UTC do dia 8 de Janeiro e a mesma hora do dia 9, no mesmo mês, numa região de grande actividade da tropopausa. A conclusão do estudo desta hipótese sugere uma possibilidade de passagem de ar estratosférico para ar troposférico, uma vez que durante este período a tropopausa apresenta uma grande actividade perto da região onde a partícula se encontrava. Tal é visível na representação tridimensional da isosuperfície de 1,5 UVP, sobre o domínio 1 de aplicação do MM5, em que a coloração diz respeito à altura de geopotencial a que este valor de unidade de vorticidade potencial se encontra (Figura 5.8). Como se pode verificar, a tropopausa dinâmica está bastante activa na parte Noroeste do domínio de simulação, sobre a região identificada anteriormente na hipótese 2. A altitudes inferiores a 3500 m de altura de geopotencial é possível verificar que a superfície de 1,5 UPV forma uma “cunha” em massa de ar troposférica que se estende de Norte para Sul.

São também observáveis afundamentos profundos da tropopausa em momentos posteriores, sobre a parte Norte do domínio 1 de simulação a altitudes baixas sobre o Atlântico Norte (Figura 5.9). A observação desta Figura justifica muita atenção devido à

presença de regiões de elevados valores de UPV a baixa altitude associadas ao seu forte arrefecimento, nomeadamente sobre a Federação Russa.

9 de Janeiro 1996, 00H00 UTC 9 de Janeiro 1996, 06H00 UTC

9 de Janeiro 1996, 13H00 UTC

Figura 5.8: Isosuperfície de vorticidade potencial isentrópica de 1,5 UPV a 9 de Janeiro de 1996 às 00H00, 06H00 e 13H00 UTC (o círculo indica a localização da Península Ibérica).

Figura 5.9: Afundamentos da tropopausa dinâmica sobre o Atlântico Norte em 12, 14, 15 e 17 de Janeiro de 1996, às 11H00, 18H00, 06H00 e 02H00 UTC, respectivamente.

A forte actividade da tropopausa detectada, tanto pela análise dos mapas de bolhas e de tropopausa construídos a partir dos dados de reanálise do ECMWF como pela modelação numérica, tem associada uma variação positiva da coluna total de ozono, como se pode observar na Figura 5.10. Ou seja, nos dias em que a actividade da tropopausa é elevada há valores mais elevados da coluna total de ozono ao largo da Península Ibérica, sobretudo nos dias 9 e 13 de Janeiro de 1996.

Figura 5.10: Coluna total de ozono medida sobre o Hemisfério Norte nos dia 9, 11, 13 e 15 de Janeiro de 1996 (URL 19).

As rectrotrajectórias de partículas foram também calculadas através do programa HYSPLIT (URL 20) e os resultados das posições obtidos foram representados tridimensionalmente para facilitar a visualização da trajectória de partículas e as características das massas de ar por onde estas viajaram. Para este episódio de ozono calcularam-se retrotrajectórias com o seu final em Coimbra (40,2ºN; 8,5 ºW) e que chegam a diferentes altitudes, especificamente a 26 metros (altura da estação meteorológica), 500 e 1000 m. Considerou-se 1000 m uma altitude razoável para o desenvolvimento de uma possível camada de mistura às 12 horas sobre a região de Coimbra, representando o topo desta eventual camada.

Pela observação da Figura 5.11 qualquer uma das partículas esteve sob a acção de uma massa de ar pobre em humidade relativa, contudo as partículas que têm a sua origem no norte de África fazem o seu percurso a baixas pressões enquanto que a partícula que atravessa o Oceano Atlântico inicia o seu trajecto a níveis de pressão superiores aos 650 hPa, indicando uma maior possibilidade de enriquecimento da troposfera por ar estratosférico.

a) b)

Figura 5.11: Retrotrajectórias de partículas obtidas pelo modelo HYSPLIT que chegam ao ponto de latitude/longitude (40,2ºN ; 8,5ºW). a) valores de pressão durante do trajecto; b) valores de humidade relativa durante o trajecto.

14 Janeiro 1996, 4H00 UTC 17 Janeiro 1996, 12H00 UTC

Figura 5.12: Linhas de corrente e UPV num plano vertical sobre o domínio 3 à latitude de 40,16 º N, visto de Sul.

A evolução das linhas de corrente ajuda a visualizar o percurso de partículas calculadas para este período. Na Figura 5.12, no dia 14 de Janeiro às 4H00 UTC as linhas de corrente são de Oeste aos níveis médios altos, entre a superfície e a troposfera média a linearidade das linhas de corrente é quebrada por movimentos verticais de grande profundidade e pela influência da superfície no escoamento horizontal. No dia 17 observa-se uma grande estabilidade da atmosfera, as linhas de corrente provêm de Este desde a superfície até dois terços do limite da atmosfera considerada na simulação realizada. A cor lilás está associada a valores de vorticidade potencial isentrópica entre os 1,5 a 2,5 UPV, indicando o rosa valores à volta de 2,0 UPV. Como se pode observar, existe um massa de ar com características dinâmicas de elevada vorticidade potencial entre a superfície e a troposfera média ao largo da costa portuguesa, à latitude da região centro.

Para se obter a concentração de ozono em Coimbra por eventual produção fotoquímica, aplicou-se o modelo fotoquímico CAMx, considerando os campos meteorológicos resultantes do modelo MM5. A técnica de nesting foi também seleccionada no modelo fotoquímico para o cálculo das concentrações de ozono durante o período de simulação. Para este modelo consideraram-se apenas dois domínios, um de resolução de 30 km x 30 km abrangendo toda a Península Ibérica, e um domínio de maior resolução, 10 km x 10 km, considerando todo o território nacional e a parte fronteiriça do território espanhol. As emissões em área foram calculadas sobre os domínios em questão, de acordo com a resolução de cada um deles, tal como descrito em § 3.3. Os resultados obtidos em Coimbra, em ambos os domínios, encontram-se representados na Figura 5.13. Pela sua observação pode-se concluir que a malha de maior resolução ajuda a resolver melhor os mínimos de ozono, sobretudo até ao dia 15 de Janeiro. Os dias 16, 17 e 18 de Janeiro apresentam os valores de concentração de ozono simulado de maior amplitude, não

atingindo os 90 µg.m-3. Este aumento está relacionado provavelmente com o aumento de

radiação solar nesses dias, pois coincide com a fraca nebulosidade sentida nesse período. Contudo, este aumento de radiação solar não é suficiente para a que a produção fotoquímica de ozono justifique os valores medidos e que se encontram na Tabela 5.1.

Figura 5.13: Evolução das concentrações de ozono em superfície em Coimbra simuladas para o período entre 11 e 18 de Janeiro de 1996.

A análise deste evento de Inverno ocorrido em Coimbra demonstrou ser bastante complexa, apesar de se tentar isolar dias de ocorrência de episódios de ozono superiores a

180 µg.m-3. Tal como se mostrou na Tabela 5.1, os valores de ozono registados na estação

de qualidade do ar nesta cidade foram superiores aos 100 µg.m-3 entre os dias 5 e 21 do

mês de Janeiro de 1996, à excepção do dia 11. A análise de retrotrajectórias de todo este período não foi realizada devido ao critério imposto para estudo de um episódio meteorológico associado a um episódio fotoquímico. Contudo considerou-se ser útil a observação das retrotrajectórias que chegam a Coimbra no dia 5, bem como as que chegam a Coimbra, Monte Velho e Monte Chãos, estações que apresentam concentrações de ozono

superiores a 100 µg.m-3 no dia 9 de Janeiro.

Pela análise das Figuras 5.14 e 5.15 observa-se que as partículas que chegam às três estações de qualidade do ar previamente identificadas com concentrações de ozono

superiores a 100 µg.m-3 parecem pertencer à mesma massa de ar, já que as partículas que

terminam as suas trajectórias aos diferentes níveis verticais atravessam zonas com humidade relativa semelhante, três dias antes de atingirem a costa portuguesa. Contudo, são as trajectórias que chegam ao nível dos 1000 m, em todas as localidades, a cor verde, que atravessaram regiões de massas de ar com humidade relativas inferiores a 20 %, entre o dia 2 e 3 de Janeiro.

Figura 5.14: Retrotrajectórias de partículas obtidas pelo modelo HYSPLIT que chegam ao ponto de latitude/longitude (40,2ºN;8,5ºW) - Coimbra - no dia 5 de Janeiro de 1996, às 12H00 UTC. Valores de humidade relativa durante o trajecto.

Embora não se tivesse feito uma análise exaustiva de todo o período considerado, parece haver indicações de que a forte actividade da tropopausa detectada previamente no início do mês de Janeiro sobre o Atlântico esteja relacionada com intrusões de massa de ar

estratosférico na troposfera média sobre o Atlântico, enriquecendo a sua concentração de modo a aumentar as concentrações de ozono sem se atingir o nível de alerta à população, com excepção do dia 17 de Janeiro em Coimbra.

a) Coimbra b) Monte Chãos

c) Monte Velho

Figura 5.15: Retrotrajectórias de partículas obtidas pelo modelo HYSPLIT que chegam aos pontos de latitude/longitude de a) Coimbra; b) Monte Chãos e c) Monte Velho no dia 9 de Janeiro de 1996, às 12H00 UTC. Valores de humidade relativa durante o trajecto.