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3.4 S IMULAÇÃO HIDROLÓGICA

3.4.7 Simulações de grandes bacias

As grandes bacias hidrográficas são aquelas cujas áreas de drenagem variam de 2000 a dezenas de milhares de quilômetros quadrados. Historicamente, os hidrólogos realizaram as simulações de bacias dessa escala por meio de modelos distribuídos com maiores intervalos de tempo, semanal ou mensal, ou modelos concentrados aplicados de forma semi-distribuída.

A modelagem das grandes bacias, propriamente ditas, teve seu início com o desenvolvimento dos modelos numéricos de simulação do clima, os quais tentam representar os processos terrestres do ciclo hidrológico em extensões continentais. Esses modelos têm o objetivo de predizer o estado futuro da circulação atmosférica, a partir do conhecimento do seu estado presente, pelo uso de aproximações numéricas nas equações dinâmicas (Holton,1992).

Segundo Holton (1992), a primeira tentativa para prever o tempo, numericamente, deve-se ao cientista britânico L.F. Richardson. Seu livro Weather Prediction by Numerical Process, publicado em 1922, é um tratado clássico nesse campo. Nesse trabalho, Richardson mostrou como as equações diferenciais que governam os movimentos atmosféricos poderiam ser, aproximadamente, escritas como um conjunto de equações de diferenças algébricas para os valores das tendências das variáveis de campo, em um número finito de pontos no espaço. Dados os valores observados das variáveis de campo nesses pontos da grade, as tendências poderiam ser calculadas numericamente pela solução das equações de diferenças algébricas. Extrapolando as tendências considerando um incremento pequeno de tempo, poderiam ser obtidos valores futuros. Esses novos valores das variáveis de campo poderiam então ser usados para recalcular as tendências, as quais, por sua vez, seriam usadas para extrapolar, mais adiante, no tempo. Apesar do trabalho envolvido, Richardson conseguiu um exemplo de previsão para a tendência de pressão de superfície cujos resultados não foram bem sucedidos. Após o insucesso de Richardson para obter uma previsão razoável, a previsão numérica passou por um período de hibernação. Somente após a Segunda Guerra Mundial houve interesse na previsão numérica, devido em parte à expansão da rede de observações meteorológicas, a qual forneceu os dados iniciais mais aperfeiçoados. Entretanto, o fato mais importante foi o desenvolvimento dos computadores digitais, que se encarregavam de fazer o enorme volume de operações aritméticas necessárias à previsão numérica conveniente. Em 1948, o meteorologista americano J.G. Charney mostrou que as equações dinâmicas poderiam ser simplificadas pela introdução sistemática das aproximações geostrófica e hidrostática. As equações resultantes das aproximações de Charney foram, essencialmente, aquelas do modelo quase-geostrófico. Um caso especial desse modelo, o chamado modelo barotrópico equivalente, foi usado em 1950 para fazer a primeira previsão numérica. Esse modelo permitiu previsões do geopotencial, perto de 500mb. Assim, esse modelo não fez previsão “de tempo” no sentido usual. Contudo, os resultados poderiam ser usados pelos previsores como uma ajuda na previsão local do tempo associado às informações sobre as circulações de grande escala. Mais tarde, versões de vários níveis do modelo quase-geostrófico forneceriam previsões explícitas da distribuição das pressões e temperatura de superfície, mas a precisão

de tais previsões foi limitada em conseqüência das aproximações inerentes ao modelo quase- geostrófico.

Com o desenvolvimento de computadores de maior capacidade e técnicas de modelagem mais sofisticadas, a previsão numérica voltou aos modelos quase similares àqueles formulados por Richardson e que são, potencialmente, mais precisos que os modelos quase-geostróficos.

De acordo com Robinson e Henderson-Sellers (1999), os modelos de circulação global (MCG) procuram simular o movimento atmosférico em todo o planeta por meio da solução de uma série de equações que descrevem:

•a conservação do momento (segunda lei de Newton);

•a conservação da massa (equação da continuidade);

•a conservação da energia (primeira lei da termodinâmica); e

•as leis dos gases.

Processos físicos, tais como, a formação de nuvens, o transporte de calor e umidade na atmosfera e entre a superfície e o ar, também são incluídos nos modelos.

Nesse tipo de modelo, a divisão da energia incidente sobre a superfície terrestre, principalmente nas formas de calor latente e/ou sensível, depende fundamentalmente do comportamento hidrológico superficial. Por isso, observou-se um grande desenvolvimento na concepção de módulos de hidrologia superficial nos modelos climáticos (Collischonn, 2001).

Os módulos de hidrologia superficial dos MCGs sempre deram maior atenção ao papel da vegetação no balanço de energia, também compreendendo a evapotranspiração. Isso faz com que esses módulos tenham grande complexidade e um número elevado de parâmetros para descrever a vegetação. Quando se considera as aplicações em hidrologia, um número excessivo de parâmetros é inconveniente, pois a deficiência de informações dificulta a sua estimativa. Nos MCGs a representação da propagação horizontal do escoamento é ausente ou muito simples (Collischonn, 2001).

Uma das características dos módulos de hidrologia de superfície dos MCGs é a divisão do espaço em células regulares. Esse tipo de discretização do espaço também foi adotado no desenvolvimento de modelos hidrológicos de grandes bacias. Um dos trabalhos pioneiros foi desenvolvido por Vörösmarty et al. (1991), que elaborou um modelo para analisar os impactos das atividades humanas na bacia do rio Zambezi (1.220.000 km²), no sudeste da África. O modelo desenvolvido também foi utilizado para simular as bacias do rio Amazonas

(Vörösmarty et al., 1996) e do rio São Francisco (Ferreira et al., 1998). Esses autores obtiveram bons resultados para o intervalo de tempo mensal.

Na década de 1990 foram desenvolvidos modelos hidrológicos que, além de permitirem a acoplagem com os MCGs, também possibilitavam a simulação em intervalos de tempo iguais ou inferiores a 1 dia. Entre os vários modelos destacam-se o VIC-2L, SLURP e LARSIM (Collischonn, 2001).

O modelo VIC-2L (Liang et al., 1994; Lettenmaier, 2004) é um aperfeiçoamento do modelo VIC (Wood et al., 1992). A inovação do modelo VIC foi a representação da variabilidade da capacidade de infiltração no interior da célula do modelo empregando uma formulação semelhante ao modelo ARNO (Todini, 1996). O aperfeiçoamento que originou o VIC-2L foi a possibilidade de representar diversos tipos de cobertura vegetal no interior da célula e a divisão do solo em duas camadas.

O modelo LARSIM (Bremicker, 1998 apud Collischonn, 2001), da mesma forma que o VIC- 2L, divide a bacia em uma grade regular de células quadradas, sendo cada uma subdividida em blocos que combinam o uso do solo e cobertura vegetal. Os processos hidrológicos representados são a interceptação; a acumulação, compactação e fusão de neve e gelo; a evapotranspiração; o armazenamento no solo com drenagem rápida (superficial), lenta (sub- superficial) e muito lenta (subterrânea); o escoamento; a translação e retenção nos rios; a retenção em lagos e reservatórios.

O modelo SLURP (Kite e Kowen, 1992; Kite, 1995a; Kite, 1995b; Kite, 1997 apud Collischonn, 2001) é um modelo semi-distribuído que divide a bacia em regiões de comportamento hidrológico homogêneo, denominadas de Grouped Response Units (GRU). As GRUs são divididas em blocos de acordo com o tipo de cobertura vegetal. O balanço vertical é realizado nos blocos e o escoamento resultante é propagado no interior da GRU até a rede de drenagem por um método de hidrograma unitário derivado do modelo numérico do terreno. Na rede de drenagem, a propagação é efetuada por um método fundamentado em uma seqüência de reservatórios não lineares.

No Brasil, destaca-se o modelo desenvolvido por Collischonn (2001), cuja estrutura se baseia nos modelos LARSIM e VIC-2L e é composto dos módulos de balanço de água no solo; evapotranspiração; escoamentos superficial, sub-superficial e subterrâneo na célula; e o de escoamento na rede de drenagem.

4 METODOLOGIA

As principais metas da presente pesquisa, a saber, a verificação das relações entre alguns indicadores climáticos e as precipitações e vazões do Alto São Francisco; a definição de um modelo probabilístico de previsão de precipitações semestrais e vazões sazonais utilizando indicadores climáticos como preditores; e a alteração da entrada de dados da técnica Extended Streamflow Prediction (ESP) para estimativa das vazões mensais do período chuvoso; são temas cujo grau de complexidade faz com que possam ser analisados em trabalhos isolados. Por isso, a abordagem aqui desenvolvida, na realidade, é uma composição de várias metodologias existentes, ou reelaboradas, para concretizar os objetivos da tese. Uma preocupação inerente à abordagem empregada foi a de tentar utilizar, de forma prática, os resultados alcançados para um objetivo, como informações que poderiam ser aplicados na análise de outro escopo. Dessa maneira, os propósitos deste estudo foram trabalhados de forma seqüencial. Primeiro, foi realizada uma análise das prováveis influências da Oscilação Sul sobre as precipitações e as vazões da bacia do Alto São Francisco. Em seguida, foram elaborados modelos de previsão probabilística de precipitações e vazões sazonais que empregam indicadores climatológicos como preditores. E, finalmente, foi elaborada uma metodologia para alteração da entrada de dados da técnica ESP para a previsão de longo termo de vazões mensais.

A investigação das relações entre alguns indicadores climáticos, as precipitações e as vazões observadas na bacia do Alto São Francisco foi realizada adotando dois enfoques distintos. No primeiro, preocupou-se com a pesquisa das possíveis influências da Oscilação Sul sobre os volumes precipitados e escoados na bacia, e os efeitos da OS sobre a distribuição temporal das precipitações no período chuvoso. Enquanto que o segundo está associado a seleção de preditores para os modelos probabilísticos.

A análise das influências da OS sobre os volumes precipitados e escoados foi efetuada com a aplicação de uma metodologia existente, baseada no trabalho de Ropelewski e Halpert (1996). O cerne dessa metodologia é a comparação entre diferentes percentis das distribuições de probabilidade ajustadas aos dados associados às fases da OS e ao período completo de observações, além da confrontação dos valores médios e medianos correspondentes às fases da OS e ao período integral de dados.

Uma inovação metodológica foi a investigação das prováveis influências sobre as vazões trimestrais do período de estiagem (AMJ e JAS), quando as precipitações do semestre

chuvoso anterior (Outubro a Março) ocorrem em fases diferentes da OS. A novidade consiste na alteração da metodologia anterior em relação à montagem das séries de vazões, as quais são organizadas em associação com a fase da OS que ocorreu no semestre chuvoso anterior ao período de estiagem.

A pesquisa da influência da OS sobre a distribuição temporal das precipitações, também apresentou uma inovação, que foi a adaptação do modelo de distribuição temporal de tormentas, desenvolvido por Huff (1967).

A segunda abordagem está relacionada à seleção de preditores para os modelos de previsão probabilística de vazões trimestrais e precipitações semestrais do Alto São Francisco. Os modelos probabilísticos elaborados neste trabalho baseiam-se no modelo proposto por Piechota et al. (1998). A escolha dos preditores testados fundamentou-se na disponibilidade das informações e na revisão bibliográfica, onde diversos trabalhos mostravam que o Índice de Oscilação Sul e as anomalias da temperatura da superfície do mar em regiões dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, aqui denominados de indicadores climatológicos, apresentavam algum sinal de teleconexão com variáveis climáticas do sudeste brasileiro. A seleção dos melhores preditores foi feita a partir do desempenho dos modelos de previsão probabilística. A avaliação dos resultados dos modelos pode ser efetuada com a utilização de índices de verificação das previsões. No método propõe-se utilizar o índice de Haf-Brier (Brier e Allen, 1951 apud Piechota et al. 1998).

A previsão de longo termo das vazões mensais do período chuvoso (Outubro a Março) foi concretizada com uma técnica muito empregada, que é o Extended Streamfolw Prediction (ESP), criando uma nova metodologia para definir as trajetórias de precipitações que devem ser simuladas em um modelo chuva-vazão. A metodologia proposta, que também é uma inovação da tese, visa utilizar os resultados do modelo de previsão probabilística, por categorias, das precipitações semestrais, para estabelecer uma curva de freqüência para cada ano que se realiza a previsão, e a partir dela, gerar as trajetórias de precipitações que serão simuladas. A idéia básica da definição da curva anual de freqüência é a de que a variável aleatória, precipitação semestral do Alto São Francisco, é oriunda de uma distribuição mista de probabilidades. A função de densidade de probabilidade (fdp) da distribuição mista de probabilidades é a soma ponderada das densidades das distribuições de probabilidades associadas às categorias, normal, acima e abaixo do normal; onde os ponderadores são os resultados do modelo de previsão probabilística, por categorias, das precipitações semestrais. Dessa maneira, é possível estabelecer, para o ano para o qual se realiza a previsão, a curva de

freqüência da altura de precipitação semestral a partir das condições dos indicadores climatológicos utilizados como preditores no modelo de previsão probabilística, por categorias, das chuvas semestrais. Após a definição da curva anual de freqüência, estimam-se as alturas de chuva semestrais associadas a diferentes probabilidades de excedência. Esses totais semestrais de precipitação são distribuídos temporalmente utilizando hietogramas adimensionais, os quais também podem ser associados a várias probabilidades de ocorrência. Assim, é possível definir n trajetórias de precipitação para simulação em um modelo de simulação hidrológica. O número de trajetórias a serem simuladas é estabelecido pelo previsor, que definirá quais quantis de precipitação semestral serão utilizados e número de hietogramas adimensionais usados para efetuar a distribuição temporal dos quantis. Em regiões, onde se verifica a influência da Oscilação Sul sobre a distribuição temporal das precipitações, os hietogramas adimensionais podem definidos associados às fases da OS, permitindo que as previsões sejam realizadas considerando a possibilidade de ocorrência das três fases da OS. Assim, se a previsão é a de suceder a fase quente, utilizam-se os hietogramas adimensionais associados a essa fase para definição das trajetórias de precipitação.

Na aplicação da técnica ESP, para realizar as previsões, é necessária a definição de um modelo de simulação hidrológica. A área em análise, a bacia do Alto São Francisco, é considerada uma grande bacia hidrográfica e poderia ser simulada com modelos de macro escala, ou modelos distribuídos com maiores intervalos de tempo, ou, ainda, com modelos concentrados aplicados de forma semi-distribuída. Como as informações utilizadas nesta pesquisa são mensais e, além disso, de uma forma geral, as previsões de longo termo são expressas em forma de dados mensais, optou-se por utilizar um modelo concentrado mensal para simular cinco sub-bacias do Alto São Francisco. O modelo escolhido foi o MSD-30, desenvolvido por Fernandes et al. (2003), que é uma simplificação do modelo RIO GRANDE elaborado por Naghettini et al. (2002), o qual simula vazões mensais a partir dos dados mensais de precipitação espacial e evaporação da bacia em análise. A descrição detalhada do modelo será apresentada no Anexo I.

As descrições das metodologias adotadas e as atividades seqüenciais necessárias para alcançar os objetivos propostos para este estudo estão apresentadas a seguir.

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