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Sintomas somáticos e o reconhecimento da depressão

Infelizmente, o subdiagnóstico da depressão ainda é uma realidade. O não reconhecimento da depressão nos pacientes com sintomas físicos pode ser a principal causa pela qual os transtornos psiquiátricos são freqüentemente subdiagnosticados na prática médica geral (Fava, 2002). Em 1985, Bridges & Goldberg relataram que médicos em Atenção Primária não diagnosticavam qualquer transtorno psiquiátrico em mais de 50% dos pacientes que se apresentavam com queixas predominantemente somáticas. No Canadá, Kirmayer et al. (1993) demonstraram que 78% dos pacientes com TDM que tinham como queixa principal sintomas somáticos não eram diagnosticados corretamente.

As explicações para esse fato são complexas, envolvendo características pessoais tanto do paciente como do médico, o que o paciente relata a seu médico, a maneira como ele reporta suas queixas e como o médico conduz a entrevista com seu paciente (Docherty, 1997; Tylee, 1999).

Um estudo desenvolvido por Posse & Hallstrom (1998) identificou casos de “depressão mascarada” na rede de Atenção Primária à saúde, utilizando-se de um estudo em duas fases. Na primeira fase, que envolveu uma investigação com 442 pacientes, identificou-se uma proporção de 1,8% de transtorno depressivo entre

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eles. Posteriormente, 62 pacientes que não receberam o diagnóstico de depressão na primeira fase do estudo, mas que apresentavam alta pontuação nas escalas de somatização, foram novamente avaliados e evidenciou-se que 39 (63%) deles apresentavam um transtorno de humor (TDM ou distimia), de acordo com o DSM-III-R. A fase 2 desse estudo quase triplicou a estimativa de prevalência de TDM nessa população, realçando a opinião de que os sintomas somáticos encontram-se presentes e representam sintomas-chave do TDM numa significativa proporção de pacientes.

Pacientes com depressão frequentemente relatam sintomas físicos, principalmente dor, como sua queixa principal ou mesmo única, ao invés dos sintomas psicossociais mencionados. Em razão disso, muitos médicos não consideram a possibilidade de um transtorno de humor subjacente (Greden, 2003). Lesse (1983) relatou que 30% dos pacientes com depressão experimentaram sintomas físicos por mais de cinco anos antes de receberem o diagnóstico apropriado.

O médico generalista diagnostica o TDM com maior acurácia quando os pacientes apresentam-se com sintomas psicossociais. Kirmayer et al (1993) estudaram 75 pacientes com TDM ou transtorno de ansiedade que relataram sintomas físicos; somente 17 (22%) foram identificados como tendo um transtorno psiquiátrico pelos seus médicos quando apresentavam sintomatologia predominantemente física, comparados com os 58 (77%) que tinham queixas de natureza psicossocial. Os autores desse estudo concluíram que existia um padrão distinto de “diminuição de reconhecimento” quando o TDM apresentava-se acompanhado de sintomas físicos.

Füredi et al. (2003), ao realizarem uma investigação com 1.211 pacientes de 12 centros de Atenção Primária na Hungria, notaram um baixo percentual de reconhecimento dos quadros depressivos pelos médicos desses serviços se comparado com a utilização de uma entrevista estruturada. A tendência entre esses

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profissionais era de diagnosticarem depressão apenas na ausência de doença somática e na presença de sintomas psicológicos claros. De fato, o médico generalista tende a diagnosticar o TDM com maior acurácia quando os pacientes apresentam-se com sintomas afetivos e(ou) cognitivos, empobrecendo a identificação da depressão nos pacientes que se queixam preferencialmente de sintomas somáticos (Magruder-Habib et al, 1990; Kirmayer et al., 1993; National Institute for Clinical Excellence, 2003).

Na Atenção Primária, o principal motivo para o falta de diagnóstico é a tendência de o paciente deprimido atribuir os sintomas somáticos não explicados clinicamente a um estilo de vida atribulado, ao invés de atribuí-los a uma causa psicológica (Kessler et al., 1999; Parker & Parker, 2003; Bower et al., 2000; Robins & Kirmayer, 1991). Médicos que atuam em um centro de cuidados primários no Reino Unido deixaram de identificar um quadro depressivo em 85% dos pacientes que tinham um estilo cognitivo que minimiza a importância dos sintomas ou os atribui a situações cotidianas, em comparação com 38% dos pacientes que apresentavam um estilo psicologizante (Kessler et al., 1999). Um estudo conduzido em seis centros de Atenção Primária na Austrália demonstrou que pacientes com essas características psicológicas tinham probabilidades 20 vezes menores de receber o diagnóstico de transtorno depressivo se comparados com outros pacientes depressivos (Parker & Parker, 2003).

Outra razão para o subdiagnóstico da depressão em Atenção Primária pode ser atribuída ao estigma que ainda envolve os transtornos mentais, tornando a discussão sobre acontecimentos psicológicos desconfortáveis e levando os pacientes a darem pouca importância aos seus aspectos emocionais. A curta duração das consultas e o medo do estigma ligado a um diagnóstico psiquiátrico se somam, minimizando as chances de essa condição ser ao menos discutida entre o paciente e seu médico. (Nutting et al, 2000; Rost et al., 2000). Num estudo de Tylee et al. (1995),

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médicos de 36 centros de Atenção Primária no Reino Unido tinham cinco vezes menos probabilidade de identificar quadros depressivos se os sintomas psicológicos fossem relatados pelo paciente ao final da consulta, quando comparados com a menção a sintomas emocionais entre as quatro primeiras queixas apresentadas ao médico.

Ao estudarem o perfil dos diversos sintomas apresentados por pacientes de uma clínica de dor no Canadá, Wilson et al. (2001) constataram que a não consideração dos sintomas somáticos na formulação diagnóstica dos transtornos depressivos pode reduzir o reconhecimento dessa condição em até 45% dos casos.

Okulate et al. (2004) procuraram avaliar a contribuição dos sintomas somáticos para o diagnóstico da depressão aplicando a PHQ-15 em 829 pacientes na Nigéria. Utilizando a análise do componente principal e o modelo de regressão logística como instrumentos estatísticos, concluíram que, embora os sintomas somáticos possam ser expressivos entre pacientes com depressão, eles têm um peso consideravelmente menor que os sintomas emocionais/cognitivos na formulação diagnóstica dos quadros depressivos.