GEORREFERENCIAMENTO DIRETO
4.2 SISTEMA DE NAVEGAÇÃO INERCIAL
4.2.1 Considerações iniciais
Um sistema inercial é composto fundamentalmente por uma unidade de medida inercial (IMU) e um processador de navegação (PN), como ilustra a Figura 23. A unidade inercial é composta por três acelerômetros, que medem as forças específicas exercidas sobre a IMU, compreendendo acelerações lineares e gravidade, com respeito a um referencial inercial; três giroscópios (ou giros) que medem variações angulares sofridas pela IMU; além de sensores auxiliares para a calibração.
O processador de navegação recebe os dados inerciais e realiza duas funções: primeiro, é realizado um alinhamento inicial, durante o qual ele estabelece uma posição e uma orientação inicial usando o vetor de gravidade local como referência vertical e o norte geográfico como azimute de referência. Tendo estabelecido o sistema de navegação de referência (ao nível local), o PN resolve as equações de movimento a partir da força específica e das razões angulares medidas, para gerar as soluções de posição, velocidade e atitude na razão de amostragem do sensor.
Figura 23: Unidade de medida inercial Litton LN-200 e processador de navegação (COLOMINA, 2002).
A principal vantagem do INS é que, uma vez alinhado, ele navega de forma autônoma, sem a necessidade de informações externas. Por outro lado, o sistema inercial possui erros posicionais que crescem com o tempo, ocasionados por erros de alinhamento e erros internos dos sensores.
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4.2.2 Breve histórico
Segundo Scherzinger (2001), o sistema de navegação inercial (INS) foi inicialmente demonstrado em 1949 por C. S. Draper e, desde então, tem sido usado em aplicações militares e comerciais, cujos levantamentos independem de interferências externas e sinais de origem. O INS fornece uma solução completa de navegação, que inclui informações de posição, velocidade, atitude, acelerações e velocidades angulares da plataforma que está sendo navegada.
Esta tecnologia foi primeiramente desenvolvida para aplicações militares no início de 1968. A comunidade de Geodésia iniciou os trabalhos com estes sensores durante a década de 70, quando também surgiram os sistemas inerciais strapdown, com giroscópios a laser e computadores de alto desempenho, capazes de processar uma grande quantidade de dados de navegação (SCHERZINGER, 2001).
O advento do GPS introduziu novas possibilidades na área de levantamentos. O GPS fornece medidas de posição e velocidade, que são integradas às medidas INS por meio do Filtro de Kalman, para a modelagem dos erros inerentes ao INS e promover a melhor solução de trajetória. Esta integração GPS/INS permitiu a caracterização do conceito de georreferenciamento direto, para aplicações em Fotogrametria e Sensoriamento Remoto.
Os primeiros experimentos foram realizados pelas Universidades de Calgary e do Estado de Ohio (OSU) no fim da década de 80 e início da década de 90. Alguns sistemas experimentais foram colocados em prática, essencialmente scanners multiespectrais integrados a sensores de orientação INS a bordo de aeronaves. Estes sistemas demonstraram o conceito do georreferenciamento direto, mas foram impraticáveis devido a grande dimensão e ao alto custo do INS. Além disto, os giros e acelerômetros introduziram erros nos parâmetros de orientação ao longo da trajetória, que comprometeram a acurácia da orientação das imagens.
O georreferenciamento direto tornou-se possível com o posicionamento GPS preciso e a chegada dos sistemas inerciais strapdown, para aplicações táticas (mísseis guiados) e de navegação. Com a menor dimensão foi possível montar a unidade de medida
Capítulo IV – Georreferenciamento Direto 70
inercial próxima ao centro perspectivo da câmara, estratégia adotada pela Z/I imaging (câmara DMC) e pela Leica Geosystems (câmara ADS40).
A Applanix foi a primeira organização a comercializar um sistema GPS/INS especificamente para aplicações de aerolevantamento (1996, POS/AV – Position and Orientation System for Airborne Vehicles). Desde então, foi possível realizar medidas diretas dos parâmetros de orientação exterior de cada foto adquirida, para auxiliar, ou mesmo eliminar a etapa de fototriangulação de imagens (SCHERZINGER, 2001).
4.2.3 Classificação
Tomando-se como base o tipo de plataforma, os sistemas de navegação inercial podem ser categorizados em (KOCAMAN, 2003; KING e FRIN, 1998):
o Gimballed plataform (plataforma mecânica), na qual a direção dos eixos de medição é estabilizada no espaço por meio de uma plataforma servo-controlada. Este tipo de sistema é de alta precisão, contudo são muito complexos do ponto de vista mecânico e, conseqüentemente, possuem um alto custo;
o Strapdown plataform (plataforma analítica): a direção dos eixos acompanha os movimentos do veículo e os movimentos angulares são continuamente medidos. Este tipo de sistema exige uma alta capacidade computacional para a determinação da orientação no espaço em tempo real. Uma vez que a ausência de complexas partes mecânicas permite a redução do peso e dimensão e, conseqüentemente, do custo, os sistemas strapdown são comumente usados para a navegação inercial de plataformas comerciais. Com isto, as definições e modelos apresentados no decorrer deste capítulo referem-se a este tipo de sistema.
Para melhor caracterizar os tipos de plataformas inerciais, a Figura 24 ilustra as plataformas gimballed e strapdown.
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Figura 24: Unidades de medida inercial: (a) gimballed, (b) strapdown (KING e FRIN, 1998; KOKAMAN, 2003).
Em outra classificação, levando-se em conta a grandeza dos erros intrínsecos ao sistema, os sensores inerciais podem ser classificados em três grupos (SKALOUD, 1999):
o Estratégicos: unidades inerciais de baixa precisão, com erros acentuados ao longo do tempo (> 0,1°/s). São usados em levantamentos de curto período de tempo e necessitam de outras fontes de dados integrados (GPS) para a suavização dos erros internos do INS;
o Táticos: sistemas de custo médio (~U$50.000) usados geralmente para a orientação
de mísseis. Estes sistemas possuem custos inferiores aos sistemas de navegação devido ao curto período de tempo percorrido pela plataforma e, consequentemente, os erros internos não afetam significativamente a descrição de trajetória;
o Navegação: unidades inerciais de alto desempenho e custos elevados (> U$100.000), usadas para navegação de alta precisão.
Como exemplo, a Tabela 6 apresenta as características de três sistemas inerciais disponíveis no mercado, que representam os três grupos classificados anteriormente: estratégico (Motion Pak II), tático (LN-200) e de navegação (iNAV-FJI-IDEG- 001). Trata-se de sensores em estudo por Wis et al (2004).
Acelerômetros Giroscópios roll azimute pitch servos (a) (b)
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Tabela 6: Características de três sistemas inerciais.
Modelo Motion Pak II LN-200 iNAV-FJI-IDEG-001
Fabricante Systron Donner Northrop Grumman iMAR Navigation
Giroscópios
Erro 5°/s 1°/h 0,003°/h
Acelerômetros
Erro (µµµµg) 200.000 300 < 5
Razão de dados (Hz) 32 400 1500
Sincronismo não sim Sim
Dimensão (cm) 12,8 x 11,2 x 11,6 8,9 x 8,9 x 8,5 20,0 x 20,0 x 20,0 Peso (kg) 1,2 0,8 5,5 Desempenho roll, pich (°°°° - RMS) yaw (°°°° - RMS) < 0,5 < 1 0,02 0,01 < 0,01 < 0,01
Custo aproximado (U$) 3.000,00 30.000,00 150.000,00
Imagem
4.2.4 Equações de Observação
Um sistema de navegação inercial é um sistema autônomo de posicionamento e orientação, que mede acelerações lineares e variações angulares ao longo da trajetória (Figura 25). A teoria é baseada na lei de Newton onde a força específica medida
b
f r
de um movimento em relação a um sistema de coordenadas inercial pode ser obtido pela combinação das acelerações lineares do sistema are a aceleração da gravidade gr. Com o modelo de gravidade conhecido pode-se calcular as acelerações lineares, a partir da força específica medida (CRAMER, 1997).
g f a b r r r + = (13) Integrando a aceleração linear ( ar) em relação ao tempo tem-se a velocidade e, com a segunda integração, da velocidade em relação ao tempo, obtém-se a informação de posição. Da mesma forma, as variações angulares são integradas em relação ao tempo para se obter as informações de atitude. Nesta técnica de navegação necessita-se
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da realização da coleta, quando a plataforma ainda se encontra estável (inicialização e alinhamento do sistema).
Figura 25: Unidade de medida inercial.
As observações dos acelerômetros numa IMU, considerando os ruídos observacionais, podem ser modeladas de diversas formas. Schwarz e El-Sheimy (2000) apresentam um modelo que considera a soma dos diferentes fatores de erros presentes nas observações:
(
)
b f b f b f f b S S f N f g l r r r rγ
rδ
rε
r r + + + + + + + = 1 2 * * (14) onde: fl : vetor de observação dos acelerômetros;
b
f : força específica;
b: desvio sistemático das medições dos acelerômetros (bias);
1
S : fator de escala dos erros lineares;
2
S : fator de escala dos erros não lineares;
f
N : matriz com os desvios de ortogonalidade dos eixos dos acelerômetros; γ: gravidade normal;
g
δ : distúrbio da gravidade no ponto (diferença entre g e γ);
f
ε : ruídos observacionais dos acelerômetros. IMU Giroscópios Acelerômetros Movimento da plataforma AX AY AZ ωX ωY ωZ
Capítulo IV – Georreferenciamento Direto 74
De forma análoga, as observações dos giroscópios podem ser representadas por: ω ω ω
ω
ω
ω
ε
r
r
r
r
r
r
+
+
+
+
=
d
S*
N
*
l
(15) onde: ωl : vetor de observação dos giroscópios; ω: velocidade angular;
d: desvio sistemático das medições dos giroscópios; S: fator de escala;
ω
N : matriz com os desvios de ortogonalidade dos eixos dos giroscópios;
ω
ε : ruídos observacionais dos giroscópios.
4.2.5 Referenciais e transformações usados na navegação inercial
Na navegação inercial estão envolvidos diversos sistemas de referência, conforme ilustra a Figura 26 (SCHWARZ e EL-SHEIMY, 2000):
o Sistema quase inercial (i): num sistema de referência considerado inercial, as leis dinâmicas de Newton são válidas, nas quais o sistema de referência é considerado sem rotações e acelerações. As medidas realizadas pelos giroscópios e acelerômetros são referenciadas a este sistema considerado inercial (i).
• Origem: centro de massa da Terra;
• Eixo Zn: coincide com o eixo de rotação da Terra;
• Eixo Xn: na direção do equinócio vernal médio;
• Eixo Yn: torna o sistema dextrogiro.
o Sistema Geocêntrico (e):
Capítulo IV – Georreferenciamento Direto 75
• Eixo Xe: aponta para o meridiano médio de Greenwich;
• Eixo Ye: torna o sistema dextrogiro.
o Sistema de navegação (n):
• Origem: local;
• Eixo Xn: torna o sistema dextrogiro;
• Eixo Yn: direção norte;
• Eixo Zn: normal ao elipsóide de referência.
o Sistema do sensor inercial, ou da plataforma (b):
• Origem: centro do conjunto de sensores da IMU; • Eixo Yb: direção da trajetória da plataforma;
• Eixo Xb: direção transversal;
• Eixo Zb: direção vertical à plataforma para cima.
Figura 26: Sistemas de Referência usados na navegação inercial (adaptado de SCHWARZ e EL-SHEIMY, 2000).
e Y i e Z Z = Sistema da plataforma inercial (b) Sistema de navegação (n)
Sistema geocêntrico (e)
Ωe λ ϕ i Y i X e X n X n Z n Y b Z b Y b X
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De acordo com Baumker e Heimes (2002), a navegação inercial é baseada em integrações contínuas de acelerações medidas pelos acelerômetros. Tais acelerações são medidas no sistema do sensor inercial, ou da plataforma, (b – body frame). Todavia, estas medidas e as correções devido à gravidade e outros efeitos, devem ser transformadas para um sistema de coordenadas local, denominado sistema de navegação (n – navigation frame). A transformação entre estes sistemas é realizada por uma matriz de rotação, formada pelos ângulos de rotação roll (φ), pitch (θ) e yaw (ψ), interpretados como ângulos de navegação (Figura 28). Os ângulos de navegação e, conseqüentemente, a matriz de rotação são continuamente atualizados pelas medidas angulares dos giroscópios.
Os modelos matemáticos que estabelecem as relações entre os referenciais podem ser encontrados em Skaloud (1999) e Baumker e Heimes (2002).
4.2.6 Erros do INS
Devido a ruídos, fatores instrumentais e efeitos aleatórios, na navegação inercial há diversas fontes de erros que podem prejudicar a precisão do levantamento e, consequentemente, devem ser considerados. A Tabela 7 sumariza os principais tipos de erros do INS, destacando o grau magnitude destes erros na coleta.
Tabela 7: Erros no INS (OMERBASHICH, 2002).
Tipo de erro Descrição Magnitude
Erros de alinhamento Erros em roll, pitch e heading - Acelerômetros: Bias Deslocamento constante nos dados de
saída dos acelerômetros
50 – 100 µg
(1 µg = 9,81 * 10-6 m/s2) Acelerômetros: erros de
fator de escala
Resulta em um erro de aceleração
proporcional a aceleração captada 75 – 200 ppm Não-ortogonalidade dos
eixos dos acelerômetros e giroscópios
Não-alinhamento nos eixos dos
acelerômetros e giroscópios 5 – 25”
Giroscópios: drift Erro devido às variações de temperatura 0,002 – 0,01°/h Giroscópios: erros de fator
de escala
Erros angulares proporcionados pelas
variações de temperatura < 10 ppm
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