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Com a pretensão de resolução da relação Direito estatal interno versus Direito Internacional, o alemão Heinrich Triepel criou os fundamentos da teoria dualista, com a sua obra Völkerrecht und Landesrecht (1899). Todavia, apenas com Alfred Verdross (1914) deu-se o nome de “Dualismo” a esta teoria167. Nesta corrente doutrinária, o Direito Internacional e o Direito interno seriam sistemas distintos e nunca entrariam em conflito, pois as normas de um não teriam aplicação no outro, sem uma forma de recepção prévia do Direito Internacional pelo Direito interno168.

A tese dualista de Heinrich Triepel é sustentada na crença da distinção entre o conteúdo e as fontes (o que ele denominou rapports sociaux) do Direito Internacional e do Direito interno, ou seja, por apresentar conteúdo e fontes próprias e distintas, o Direito interno teria por objeto relações diferentes das empreendidas em Direito Internacional, e ambos expressariam sempre a vontade coletiva do grupo social que a eles estivesse submetido169.

Desta forma, o Direito interno teria sua fonte na vontade do Estado de emanar normas para reger as relações internas, e o Direito Internacional encontraria sua força legiferante no resultado da vontade coletiva dos Estados, tácita ou expressa (Vereinbarung), acarretando, assim, a óbvia dificuldade de um ato unilateral de qualquer Estado criar uma norma de Direito Internacional. A Vereinbarung existiria também no âmbito interno dos Estados, por meio do Legislativo ou do Poder Constitucional. Todavia, Triepel vai mais além, propondo a

167

ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre tratados internacionais e Leis internas: o judiciário brasileiro e da nova ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 62.

168

BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 71-72.

169

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados Internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 121.

existência de uma Gemeinwillen, que representaria a fusão das vontades diversas em uma vontade superior às vontades isoladamente manifestadas e que seria a fonte primordial do Direito Internacional, diferenciando, assim, desde o seu ponto inicial, o Direito Internacional e o Direito interno170.

Dentro do dualismo, uma ordem jurídica se defrontaria com a outra como um puro fato e, portanto, havendo a apreciação de um mesmo acontecimento nestas ordens jurídicas diversas, não ocorreria um conflito de normas. Assim, “a recusa de extradição à base de uma norma interna, enquanto que um tratado impõe a obrigação de extraditar, é um fato legítimo na ordem interna e ilegítimo na ordem internacional, tal como um contrato pode ser nulo na ordem jurídica francesa e válido na ordem jurídica italiana”171.

O Direito interno poderia ser internacionalmente relevante ou internacionalmente irrelevante, sendo, no primeiro caso, conforme ou contrário ao Direito Internacional, mas sem perder a sua vigência, quando fosse contrário, pois não poderia surgir conflito entre ambos172.

A questão da recepção das normas de Direito Internacional pelo Direito interno tornaria as primeiras juridicamente e formalmente válidas na ordem interna, mas também acarretaria a transformação dos destinatários das normas, que passariam a ser os indivíduos ao invés dos Estados173, já que os defensores desta corrente doutrinária acreditavam que o Direito Internacional tinha como atores

170

ARIOSI, Mariângela. Op. cit., pp. 67-68.

171

BOSON, Gerson de Brito Mello. Op. cit., p. 147.

172

TRUYOL Y SERRA, Antônio. Op. cit., p. 147.

173

apenas os Estados, mas, como viveria em constante transformação, não se descartaria o surgimento de novos entes de Direito Internacional174.

Esta corrente foi adotada na Inglaterra por Oppenheim e na Itália por Anzilotti, mas este último considerava que em certos casos o Direito Internacional poderia ser aplicado na órbita interna sem a necessidade de um procedimento prévio de recepção, posição que ficou conhecida como “dualismo moderado”, em relação a um “dualismo radical” de Triepel175.

A grande reação a este sistema dualista veio através daqueles que acreditavam na unicidade do Direito como um todo e não apenas na unicidade dos Direitos estatais, com o sistema de normas internacionais funcionando em apartado das ordens estatais. Muitas foram as críticas à teoria dualista, dentre as quais se ressalta a impossibilidade da existência de dois sistemas, reciprocamente independentes, valendo de modo simultâneo. Cada um deles, soberanamente, estender-se-ia sobre a competência material e territorial do outro, conduzindo ao absurdo de haver duas normas válidas prescrevendo exatamente o contrário, ferindo mortalmente o princípio lógico da contradição176 (incluindo-se aí, também, o Direito interno dos outros Estados que não o modelo). Ademais, quanto ao conflito de normas entre normas internacionais e internas, Hans Kelsen ressaltou:

Simplesmente, a este fato corresponde um outro perfeitamente análogo dentro da ordem jurídica estadual sem que, no entanto, se ponha por qualquer forma em dúvida, por tal motivo, a unidade desta. Também a chamada Lei inconstitucional é uma Lei válida e permanece tal sem que, por esta razão, se tenha de considerar a Constituição como anulada ou modificada. Também a chamada sentença ilegal é uma norma válida e permanece em vigor até ser anulada por outra sentença. (...) a “anormalidade” de uma norma não significa que haja qualquer conflito entre a norma inferior e a norma superior, mas apenas traduz a anulabilidade da

174

ARIOSI, Mariângela. Op. cit., p. 66.

175

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Op. cit., p. 121.

176

norma inferior ou a punibilidade de um órgão responsável. (...) Tal é o caso nas relações entre o Direito Internacional e o Direito estadual177.

Esta visão norteou a teoria monista (em sua versão internacionalista moderada) acerca das relações do Direito Internacional com o Direito interno, como melhor poderá se aperceber a seguir.