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A funcionalidade do sítio é uma das grandes problemáticas da investigação, muito por culpa do estado prévio dos trabalhos. No entanto, seguindo a esquematização funcional e económica para este tipo de sítios de ar livre, holocénicos, na Península de Setúbal, Alentejo Litoral e mesmo do Algarve, deparamo-nos com uma questão fundamental – será uma economia de curto espectro com uma funcionalidade de acampamento temporário, ou de largo espectro correspondente a um campo de base? Para responder a esta pergunta, convém discutir os seguintes pontos:

1 – Normalmente, um dos critérios mais utilizados para demonstrar o carácter residencial de uma determinada ocupação é a densidade artefactual por metro cúbico (Diniz, 2007, p.165). Se visualizarmos o esquema proposto por Joaquina Soares (1995,

106 p.45), para sítios sem cerâmica, ou seja, mesolíticos, considerados como campos de base na Costa Sudoeste, deparamo-nos com uns conclusivos 400/m³, enquanto nos acampamentos temporários essa percentagem baixa para os 15/m³ (v. quadro 18).

QUADRO 18

Densidade artefactual por m³ nos sítios de ar livre, sem cerâmica, holocénicos, no litoral Sul de Portugal Sítios sem cerâmica Materiais líticos por m³

Campos de base 400/m³

Acampamentos temporários 15/m³

Alto da Fonte Nova 80/m³

No caso de sítios de “ar livre”, possuidores de cerâmica, correspondentes ao Neolítico Antigo, visualiza-se o seguinte esquema segundo a investigadora: campos de base 81/m³ (materiais líticos) e 32/m³ (materiais cerâmicos), enquanto nos acampamentos temporários essa percentagem baixa claramente para os 8/m³ para os artefactos líticos e 3,1/m3 para os artefactos cerâmicos (v. quadro 19).

QUADRO 19

Densidade artefactual por m³ nos sítios de ar livre, com cerâmica, holocénicos, no litoral Sul de Portugal Sítios com cerâmica Materiais líticos por m³ Materiais cerâmicos m³

Campos de base 81/m³ 32/m³

Acampamentos temporários 8/m³ 3,1/m³

Alto da Fonte Nova 80/m³ 0/m³

Com isto, apesar de algumas sondagens estarem ainda em curso de escavação no Alto da Fonte Nova, verifica-se uma concentração razoável de artefactos por metro cúbico. Ao aceitar-se a estação como pertencente a grupos já possuidores de tecnologias neolíticas, depressa se chega à conclusão que se trata de um acampamento temporário, devido à raridade de cerâmica, apenas se encontrou um fragmento em contexto superficial. Todavia, se considerarmos que os materiais podem estar relacionados com uma sociedade ainda culturalmente sem cerâmica, os dados continuam a ser coerentes,

107 porque não foi evidenciado no sítio arqueológico (AFN), até ao momento, densidades que ultrapassem os 120/m³.

2 – Outro dos critérios utilizados, trata-se da extensão dos sítios de “ar livre” (v. fig.61), sabe-se que o Alto da Fonte Nova deverá ter uma extensão, evidenciado por recolhas de superfície, a rondar os 300m², embora esta análise ainda seja incipiente, porque por exemplo não efectuamos sondagens de diagnóstico para averiguar os limites do sítio, facto ainda mais agravado, quando as evidências arqueológicas se encontram em clara similitude com outros sítios de “ar livre” existentes na proximidade, ou seja, a microlitização também existente na Boca do Chapim.

Com efeito, normalmente em sítios caracterizados como campos de base, em contextos culturais do Mesolítico ou do Neolítico Antigo, os dados são unânimes, pois, reflectem extensões a rondar os 10 000 m². Os sítios caracterizados como acampamentos temporários, apresentam valores inferiores a 3 500m², evidenciando-se, desta forma, uma clara diferença percentual (v. quadro 20).

QUADRO 20

Extensão dos sítios de ar livre, holocénicos, no litoral Sul de Portugal e comparação com o Alto da Fonte Nova

Características Extensões sítios de ar livre

Campos de base 10 000 m²

Acampamentos temporários 3 500m²

Alto da Fonte Nova 300 m²

Outro dos problemas, sobre esta perspectiva, relaciona-se com a dinâmica de ocupação em superfície efectivamente os sítios caracterizados com uma ocupação humana mais fixa, apresentam uma grande acumulação de materiais com várias estruturas de combustão. Com isto, deparamo-nos, no caso do Alto da Fonte Nova, a dificuldade de perceber qual a relação desta interpretação, porque é notória que a maior concentração para já detectada provem de superfície. Isto leva-nos para outra questão

108 relacionada com o facto de o sítio ter tido, ou não, concentrações funcionais distintas e se existem, ou não, mais estruturas de combustão. Um aspecto a ter em conta nesta linha, é por exemplo, as diferenças observadas a nível do sílex, entre as sondagens nº1 e as sondagens de 2008 (local da estrutura de combustão detectada), verificando-se no caso da sondagem nº1 uma percentagem considerável de sílex verde, tonalidade que está ausente nas sondagens de 2008.

Figura 61 – Panorâmica da extensão do sítio da Samouqueira I, 10 000m², (Mesolítico) e II (Neolítico Antigo), Sines (Segundo Soares, 1995, Est.1)

Apesar destas dúvidas, pensamos, igualmente, que o local, devido à homogeneidade do conjunto lítico analisado, terá tido uma ocupação coerente do ponto de vista cultural, mas falta então perceber se a ocupação se deu esporadicamente, ou se o sítio foi reutilizado várias vezes, tornando-o num palimpsesto ocupacional.

3- Os vestígios arqueológicos são obviamente os indicadores mais importantes para se visualizar o tipo de funcionalidade de um local. Ora é também mais que evidente que a quantidade de materiais em superfície não revela a especificidade da ocupação, porque, por exemplo, um sítio pode ter sido ocupado várias vezes por uma

109 sociedade, ou por várias sociedades de uma forma esporádica e, dessa forma, concentrarem-se inúmeros materiais, sem uma aparente relação.

No entanto, é seguro afirmar que existe, no Alto da Fonte Nova, uma estratégia de aproveitamento da matéria-prima local de má fractura concoidal, encontrando-se o sílex claramente em segundo plano, e o quartzito praticamente inexistente em termos percentuais. Isto pode reflectir uma estratégia de uso expedito, baseado em movimentos logísticos e de exploração territorial (v.fig.63); note-se a representatividade de todas as fases das cadeias operatórias a nível do quartzo, ao contrário do sílex e do quartzito, visto que não são tão acessíveis como o primeiro. Por outro lado, para se considerar o local como de campo base, seria necessário tal como quartzo, detectar uma maior percentagem de matérias-primas alógenas, e sequência operativa dos materiais incluindo cerâmica, (no caso do sítio corresponder cronologicamente à Pré-história Recente).

A nível dos materiais que devem ter tido funcionalidades, verifica-se o domínio de peças pouco elaboradas do ponto de vista do retoque, limitando-se algumas provavelmente a serem utilizadas em bruto, confirmadas pela grande percentagem de peças com retoque marginais/ traços de uso. Note-se igualmente a sub-representação dos chamados utensílios de fundo comum, característicos de actividades mais domésticas e que sustentam a hipótese de um carácter mais nómada por parte da sociedade (s). A maior parte das lascas indeterminadas, são lascas fragmentadas durante o processo de talhe, ou seja, fragmentadas no seu eixo (acidentes de Siret), dividindo bolbos e talões em 2 fragmentos (v. Anexo 2, fig.8), o que poderá estar relacionado com uma preparação pouco trabalhada ou insuficiente, levantando-se como hipótese para estas ocorrências, a pressa e o pouco aperfeiçoamento no trabalho dos materiais líticos (Cruz, 2002, p.143).

110 A estrutura de combustão é, também ela, embora ainda esteja em curso a sua escavação, uma estrutura simples. Escavada nas areias (camadas A2 e A3), não apresentou, até ao momento, um único termoclasto, bem como outras estruturas associadas em contextos habitacionais. Trata-se de uma lareira, onde o fogo teria um aproveitamento directo, idêntico às mais antigas estruturas de combustão conhecidas na Europa (Cardoso et al., 1991, p.6). Apresenta, igualmente, devido à falta de empedrados (v. Anexo 1, fig.11 e 12), paralelos com os denominados “Cinzeiros” identificados no Neolítico Antigo da região de Sines (Vale Pincel I, Silva e Soares, 1981), destinadas a recolher as cinzas das estruturas de combustão com empedrado (v.fig.62).

Figura 62 - Perfil estratigráfico da estrutura E (cinzeiro) da ocupação Neolítica do Cabeço da Velha (segundo Cardoso et al., 1991, p.6)

De igual forma, não foram detectados outros vestígios no interior da estrutura, por exemplo fauna, que comprovassem uma funcionalidade específica, apenas se recolheram escassos artefactos (para além dos inúmeros eco factos em carvão) em quartzo, sendo que a grande percentagem era constituída por restos de talhe.

111 Figura 63 – Factos evidenciados e hipótese da estratégia económica efectuada no Alto da Fonte Nova