• Nenhum resultado encontrado

O Sistema Sancionatório Português

No documento Da pena exemplar (páginas 83-87)

5 TEORIAS DOS FINS DA PENA

5.6 O Sistema Sancionatório Português

No sistema sancionatório português para determinar uma sanção penal parte-se de um tipo legal de crime tipificado na parte especial do código penal ou legislação penal extravagante.

Compete ao juiz subsumir os factos dados como provados e determinar a medida da pena, segundo o princípio da jurisdição236 o exercício de conhecer dos feitos criminais está limitado à via jurisdicional, cabendo aos tribunais detentores exclusivos do poder de julgar, realizar a justiça de forma confinada e harmonizada pelos princípios constitucionais e demais princípios enformadores do direito penal e processual penal.

No âmbito dos princípios orientadores jurídico-constitucionais destacam-se os princípios: “da legalidade” que abarca as medidas de segurança (art.º 29º da CRP); “da

congruência” (analogia) substancial entre a ordem axiológica constitucional e os bens

jurídicos tutelados pelo direito penal (art.º 18° da CRP) cuja intervenção está limitada pelos critérios da necessidade e da subsidiariedade e pelos princípios “da proibição do excesso” em matéria de penas (art.º s 1°, 13° e 25° da CRP) e ainda pelo princípio “da proporcionalidade” em matéria de medidas de segurança.

Só as finalidades de prevenção geral ou especial justificam a aplicação das penas ou medidas de segurança, devendo ser preferencialmente aplicadas penas não privativas da liberdade face às penas privativas.237

Realça-se ainda o “princípio da socialidade” que incumbe ao estado o dever de ajuda e solidariedade para com o condenado, no sentido de lhe proporcionar as condições necessárias para sua reintegração (art.º s 2° e 9° da CRP).

Encerra-se o circuito constitucional elegendo pela proeminência contextual o art.º 1.º da CRP, que descreve Portugal como: “uma República soberana, baseada na dignidade da

236

SANTOS, Manuel Simas; LEAL-HENRIQUES, Manuel; SANTOS, João Simas - Noções de Processo Penal. Lisboa: Rei dos Livros Editora, 2010, p. 30.

237 São Penas Principais as que estão expressamente previstas para sancionamento dos tipos legais,

independentemente de quaisquer outras (pena de prisão e de multa quanto às pessoas singulares, quanto às pessoas coletivas pena de multa e a de dissolução). As Penas Acessórias são penas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença condenatória de uma pena principal ou de substituição (Pessoas singulares, artigos 66°, 67°, 69°, 152°, n.º 4, 179°, 246° e 346° do CP, quanto às pessoas coletivas artigos 90°G, 90°J, 90°H, 90°I, 90°L e 90°M do CP). Penas de Substituição, são as que são aplicadas em substituição de uma pena principal (artigos 43°, n.º 1, 43°, n.º 3, 44°, n.º 1, alínea a), 45°, 46°, 50°, 58° e 60° do CP, relativamente às pessoas singulares e as penas previstas nos artigos 90°C, 90°D e 90°E do CP, relativamente às pessoas coletivas e equiparadas).

pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

O respeito pela “dignidade da pessoa humana” consiste num dever constitucional a considerar no tratamento dos cidadãos em sede de julgamento, onde ninguém pode ser condenado sem que o Julgador esteja seguro de que o arguido possui capacidade de avaliação dos seus atos, pois de acordo com o seu entendimento lhe é conferida a culpa. Razão que justifica que as medidas de segurança sejam aplicadas inimputáveis e apenas àqueles que pratiquem delitos que constituam um perigo comprovado para a sociedade.

O art.º 18º da CRP circunscreve aos casos expressamente previstos na constituição a restrição de direitos, liberdades e garantias, e somente na medida necessária a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Por conseguinte, as medidas restritivas carecem de ter um carácter geral e abstrato, estão expurgadas de efeitos retroativos e impossibilitadas de diminuir a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

O sistema sancionatório português está vinculado ao respeito da dignidade da pessoa humana, por conseguinte, rejeita a pena de morte e as sanções de cariz perpétuo, ilimitado ou indefinido.

A dignidade assenta no genoma humano, como tal estende-se aos inimputáveis e condenados (art.º s 24° e 30° da CRP), a Constituição protege a inviolabilidade da integridade moral e física de todas as pessoas (art.º 25º da CRP), bem como o direito à liberdade e à segurança (art.º 27º da CRP), cuja privação só pode ocorrer em virtude de sentença condenatória ou medida de segurança, cujas preeminências são extensíveis à prisão preventiva (art.º 28º da CRP) ao recurso e à providência de “habeas corpus” (art.º 31º da CRP).

A legitimidade da sanção criminal (art.º 29º da CRP) exige uma exata interpretação e obediência aos princípios e cânones da hermenêutica, podendo os cidadãos condenados invocar o direito à revisão da sentença e consequentemente vir a ser indemnizados pelos danos sofridos.

No âmbito do Código Penal pelo relacionamento da culpabilidade com a prevenção pretendida com a pena, segundo a conceção de que as sanções privativas da liberdade constituem a “ultima ratio” da política criminal, pautada pelos critérios da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade (artigos 79º a 98º do CP), salientam-se algumas disposições relativas às finalidades da pena e das medidas de segurança (art.º 40º do CP), bem

como os critérios subjacentes à sua escolha (art.º 70º do CP), a mediação da sua dimensão (art.º 71º do CP) e as possibilidades da sua atenuação especial (art.º 72º do CP).

Nos artigos 13º a 15º o Código Penal encontram-se as duas modalidades de culpa possíveis, o dolo e a negligência, que abrem caminho para o erro sobre as circunstâncias de facto ou de direito de um tipo de crime ou sobre proibições, cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável para a tomada de consciência da ilicitude (art.º 16º do CP) o que pode excluir o dolo.

Neste contexto refere-se ainda o erro sobre a ilicitude (art.º 17º do CP), que de acordo com a censurabilidade ou não do erro revela a culpabilidade que consubstancia a punição ou o benefício de uma atenuação especial da pena.

Por conseguinte, caso o agravamento da pena decorra do resultado (art.º 18º do CP), este não pode ser imputado ao agente sem culpa, a menos que a título de negligência.

A definição de anomalia psíquica (art.º 20º do CP) para efeito imputabilidade diminuída, pressupõe que a colocação nesse estado não possa ser censurável ao agente.

A culpa do comparticipante (art.º 29º do CP) afere-se individual e independente dos demais comparticipantes238.

A controversa alteração que promoveu uma diminuição da culpa na figura do crime continuado (art.º 30º do CP).

Quanto às causas que excluem a culpa enumera-se: o excesso de meios na legítima defesa (art.º 33º do CP) que carece da não exigibilidade de conduta diversa; o estado de necessidade desculpante (art.º 35º do CP) operante através da indispensabilidade de atuar ilicitamente para afastar um perigo atual para a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou terceiro, desde que não seja razoável exigir comportamento distinto, admitindo caso o perigo ameace interesses jurídicos não eminentemente pessoais uma pena especialmente atenuada ou dispensa de pena. O funcionário que cumpra ordem (art.º 37º do CP) sem ser evidente a proibição da conduta age sem culpa239.

Na dispensa de pena (art.º 74º do CP) aglomeram-se os ditames dos fins da pena permitindo ao tribunal não aplicar sanções se a ilicitude e a culpa forem diminutas, de onde se

238 Unidade do ilícito e pluralidade de culpas.

239 A ordem de um superior que conduza à prática de um crime não tem que ser obedecida pelo subordinado:

retira a não obrigatoriedade de sancionar a culpa, desde que ressalvados os fundamentos da prevenção geral ou especial.

A agravação da pena com fundamento na reincidência (art.º 75º do CP) depende da circunstância censurável das condenações anteriores não terem servido como suficiente advertência.

Relacionado com a determinação da pena ressalvam-se ainda as regras da punição do concurso de crimes (art.º 77º do CP), o conhecimento superveniente desse concurso (art.º 78º do CP) e a punição do crime continuado (art.º 79º do CP).

Importa referir a não automaticidade dos efeitos das penas (artigos 30°, n.º 4, da CRP e ainda 65° do CP) e a tendência monista de não aplicar simultaneamente pelos mesmos factos, ao mesmo agente uma pena e uma medida de segurança privativas da liberdade, como decorre do regime da pena relativamente indeterminada (artigos 83°; 84º e 85ºdo CP) em articulação com a declaração de inimputabilidade (artigo 20°, n.º 2 do CP) e do regime de execução das penas e das medidas de segurança privativas da liberdade (artigo 99° do CP).

No âmbito do Código de Processo Penal, ligado à determinação da pena destaca-se, a possibilidade do Ministério Público, na acusação ou por requerimento, se for superveniente o conhecimento do concurso, limitar a pena em concreto a um máximo de 5 anos (art.º 16º n.º 3 do CPP). Compete ao Ministério Público colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, na sua intervenção processual deve cingir-se a critérios estritamente objetivos, pertence-lhe ainda promover a execução das penas e medidas de segurança (art.º 53º do CPP).

Sobressai ainda, a obrigatoriedade de defensor para o arguido (art.º 64º do CPP) para atos processuais mais graves e quando possa vir a ser impugnada a sua validade ou correção.

Antes da determinação da pena ou medida de segurança precede-se à inquirição de testemunhas sobre factos relativos à personalidade e carácter do arguido, bem como sobre as suas condições pessoais e condutas anteriores (art.º 128º do CPP).

Constituem objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência mas também inexistência de um crime, apurar a punibilidade ou não do arguido e consequentemente para a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (art.º 368º do CPP).

Quanto à circunscrição dos factos necessários para determinação da sanção e a sua obtenção concreta relacionam-se os art.º 339º n.º 4 com o art.º 369º, ambos do CPP.

Releva-se ainda a importância do relatório social, que permite conhecer características da personalidade do arguido e do seu ambiente (art.º 370° do CPP).

Quanto à reabertura da audiência para a determinação da sanção através da produção de prova suplementar, com a audição de perito em criminologia, técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor sobre a personalidade e condições de vida do arguido (art.º 371º do CPP).

Não se podia deixar de destacar a importância do teor da sentença condenatória, onde se fundamentam as escolhas da sanção e sua medida, o seu início, regime e deveres impostos ao condenado, o seu término e plano individual de readaptação social (art.º 375º do CPP).

No documento Da pena exemplar (páginas 83-87)