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sistema tonal e sistema serial (dodecafônico) na estrutura do

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Toda estrutura acórdica apresentada de maneira incompleta pode ter aplicações de indefinição e ambigüidade. Podendo ter aspectos de adensação ou rarefação da textura. Nos Poesilúdios, a omissão de um som da escala/modo, ou a não-presença de um grau numa apresentação harmônica pode oferecer sentido de ambigüidade – nestes casos sempre há vinculação de questões de unidade sonora e expressividade intervalar – lógicas intervalares.

1) Nos compassos 1 e 2 a ocorrência de dois sistemas musicais diferentes (transtonal e serial) no mesmo instante. Tal embricamento de sistemas ajuda a remeter-se também a um sentido de indefinição, mas no complexo geral resulta num novo material sonoro.

O acorde final da estrutura inicial do motivo a, uma espécie de cadência no compasso 2, a tal material cadencial há uma atribuição de estar no sistema tonal. Tal acorde, mesmo que a despeito deste não possuir uma terça, se é num estado maior ou menor, a questão da ausência de terça faz remeter-se a uma posição de indefinição quanto ao modo do acorde.

Nesta questão quer-se aqui buscar uma referência para que se possa postular sobre a estratégia do compositor, em como ele materialmente pode construir esta ambigüidade. Pode-se apresentar aqui duas hipóteses viáveis para tal consecução.

A) A estrutura pode se definir como acórdica por um certo desdobramento / abertura de vozes em 5a.s justas sobrepostas / textura das notas que compõem o acorde de Dó com 4a. justa, sem terça (Csus4).

Figura 19 - material serial com uma cadência final do trecho que sugere um Csus4 não havendo definição modal.

B) Mas, a idéia de estrutura pode ser obtida por uma lógica de intervalos ampliando o sentido do que o compositor teorizou sobre sua obra – expressividade intervalar (Almeida Prado, 2006; Nadai, 2007, p.9). A ordem intervalar é sobreposta num conjunto de quintas.

Figura 20 - constituição acórdica por superposição intervalar.

Mas mesmo assim se estabelece uma suspensão harmônica e indefinição quanto à tonalidade (principalmente a tríade maior ou menor remete mais rapidamente a ambientes tonais do que acordes sem terça [3.º grau – modal] como é o caso do compasso 2) - o compositor aplica então uma idéia de indefinição. O trecho dos c. 1-2 começa com materiais em contraste, bem como em contraste quanto aos sistemas tonal/serial e termina numa rarefação simples de uma sobreposição de quintas imputando um sentido de leveza,

mas de indefinição tonal – uma certa suspensão – uma certa cadência por indefinição. Uma certa pontuação timbrística com expressividade intervalar.

2) O c. 21 (depois c. 39) traz outra indefinição por enarmonia. Veja que a nota melódica é Sol b no terceiro tempo e daí tem-se uma estrutura de acompanhamento com duas notas si e ré – sendo que o Sol b comporá uma sexta menor (na melodia); nesta conjuntura a partir da nota mais grave que remete para um Si menor - mas que enarmonicamente com relação a Fá#. Sonoramente vai se concretizar uma acorde de Si menor, mas na escrita ocorre a indefinição quanto à classificação acordal tonal. Esse propósito é atingido através da expressividade intervalar.

Figura 21 - dentro de uma lógica tonal do encadeamento uma ambigüidade simples por enharmonia.

O material cadencial é modal. A cadência no sistema tonal geralmente faz-se de uma articulação de saltos de quarta e ou de quinta indo assim para o seu acorde último – a tônica. Aqui o salto do baixo ocorre cadenciando em uma relação de salto de uma 9a. maior, sobretudo a força cadencial tonal por saltos é quebrada por esta apresentação nos compassos 41 e 42. A relação seqüencial dos acordes menores – Mi menor e Ré menor – apresenta-se como que não podendo se estabelecer o centro em Mi ou Ré.

Figura 22 - salto de 9a. M ajudando a descentrar qualquer nexo tonal; com dois acordes em estado fundamental numa ordem diversa de material acordal anterior: uma proposta de indefinição.

“O Bernardo Caro havia pintado um quadro que tinha intenções múltiplas...

Poesilúdio nº2! O Poesilúdio nº2 tem um pouco de atonal, um pouco de

barroco. É um pouco um rondó também. Há um “não senso”. É um “patchwork”. Foi a primeira vez, em toda a minha escrita musical, que fiz uma colagem como essa. Depois utilizei esse recurso em outras peças”. (Almeida Prado, 2002; apud Moreira, 2004, p. 77).

Síntese Analítica:

1) temas dispostos em “patchwork”;

2) re-estruturação da forma, um lidar prático das formas e seus conceitos dentro da obra;

3) a lógica intervalar como elemento gerativo das ordens materiais, evidenciando as possibilidades originais desses materiais como teoria de música;

4) operação de diversos sistemas musicais (tonal, atonal ,modal e serial), seus materiais e peculiaridades num mesmo Poesilúdio.

Poesilúdio n.º 3: teoria da música

A temática deste Poesilúdio se concentra nos materiais musicais e elementos básicos da teoria musical da tonalidade e suas possibilidades: intervalos, grau conjunto, salto, escala/modo, primeiro tetracorde, segundo tetracorde, acorde, intervalo melódico, intervalo harmônico, tonalidade... Mas, é na realização da arrumação desses elementos que o compositor se utiliza para aplicar sua poética na quebra da obviedade tonal, deixando sempre um suspense no ar: é ou não é? Essa é a intenção, propositada de indefinir.

Outra questão abordada criticamente pelo compositor é a iniciativa de utilizar a forma como elemento de possibilidades de variar a estratégia de composição (plano de composição; Morris, 1985b, p. 329 apud Alves, 2005, p. 34), e assim consequentemente manter o ímpeto ebulitivo de sua criação através dos “sketches da teoria musical”. Esse Poesilúdio n.º 3 assim como o Poesilúdio n.º 2 utiliza meios de contrastar elementos que compõem a forma. Sobrepõe dois motivos constitutivos diferentes como no c. 1; ao mesmo tempo que apresenta nos c. 2-3 a idéia de um motivo c dividido em vários (4) sub-motivos. É como tomar o conceito motívico e “estilhalaçá-lo” (Almeida Prado, 1986, p. 7).

Na teoria da música do século XX, a nota como unidade, e a possibilidade de duas unidades gerando um intervalo, pode em si carregar “diferentes significados para compositores distintos” (Persichetti, 1985, p. 11). Em Almeida Prado, a composição de todos os elementos a partir da nota, a unidade sonora e o intervalo surgem como elemento de expressividade intervalar. Somente relembrando que tal conceito é sempre ampliado, mesmo a despeito daquela conceituação original do compositor.

Assim o material musical é ordenado de forma a ampliar o que se entende por motivo. Esta ampliação dá-se através da re-estruturação de noções sobre conteúdo. Uma re-estruturação da forma que aborda de forma diferente os conteúdos. A ordem dos elementos é repensada; as convenções são mantidas por um momento, e logo podem estar em outra conexão de conceito, em outro sistema musical. A organização dos elementos é sempre repensada a partir dos conteúdos, bem como a partir de uma recomposição da forma. Há a multiplicidade no conteúdo e no tratamento da forma.

Nos compassos 15 a 18, outro exemplo da utilização da forma dentro da própria forma: motivos harmônicos que são variados uns após outros em cada repetição. O motivo assume o caráter de um tema variado, quase como retratando ou aludindo de forma sintética, à forma “tema e variações” – forma convencional do repertório tonal.

Parte 1: c. 1-3 motivos sobrepostos: motivo a sobre motivo b

Parte 1 – Poesilúdio 3

comp. 1 comp. 2 comp. 3

mão direita oitavas escala maior F escala nota

mão esquerda acordes quartais escala maior E acorde (harp.)

nota

Tabela 6 - comparativo de conteúdo de elementos musicais

Parte 2: c. 4-6 (frase A: tema harmônico)

Disposto em 6 vozes que se distribuem num conjunto de vozes que se movimentam uniformemente. A lógica de distribuição na textura ou de abertura de vozes é intervalar. As três vozes mais graves atuam no centro harmônico de Abm com predominância dos acordes no estado de segunda inversão (tendo a

omissão do 6.º grau que pode ser Solb ou até Sol - mais provavelmente seja um Dórico em Sib – (podendo 6.º grau ser Solb [Db]) – uma intenção da aplicação da imprecisão, da ambigüidade – amplamente cultivada pelo compositor em sua poética). As três vozes mais agudas estão em outro centro tonal que transita sobre o Am (um Eólio de Lá, sem o 2.º grau (Si) 7.º grau (Sol) – a omissão; ‘aqui uma indefinição por omissão de um grau do modo’. Essas três vozes atuam na escala pentatônica de - Lá, Do, Ré, Mi Fá. As duas camadas de materiais (superiores e inferiores) estão alocadas por sobreposição e contraste de primeira ordem.

Parte 3: c. 7-14 (frase B: Ciranda 1)

Tema é discorrido com ar de uma ciranda (brincadeira de roda que se desenvolve uma cantiga que inspira um ciclo contínuo da dança). Esta ciranda está exposta no modo Jônio, mas só que não contem a sensível tonal (7.º grau – Si). Enquanto o acompanhamento é discorrido com uma liberdade seqüencial de acordes sem uma aparente ordenação. As cinco notas que envolve o acorde são executadas em um caráter de escala pentatônica contendo os cinco primeiros graus de uma escala (ex: Fá Maior: Fá, Sol, Lá, Sib, Do).

Parte 4: c. 15-18 (frase C: tema harmônico da Ciranda 2 - com módulos motívicos em caráter de variação)

Esta parte tem antes do tema e das duas variações motívicas dois acordes (antes- tema: um discorrido em harpejo (C) e outro discorrido em homofonia

(Bb7(5+)13). Assim acontecem esses dois acordes que preparam toda entrada para uma nova apresentação de outra próxima variação. O tema harmônico é apresentado; após, são apresentados então as duas variações desse tema harmônico. Na parte aguda dessa estrutura acórdica existe uma melodia intrínseca. Uma melodia de uma ciranda. Na última variação os materiais são separados, contrastados em dois campos. As duas vozes mais graves estão sob a lógica de uma escala pentatônica de tons inteiros (Sol, Lá, Si, Do#, Ré#).

Parte 5: c. 19-25 ( motivo c ’ [com caráter de frase] – TRANSIÇÃO)

Esta transição lembra o “motivo c” que são duas escalas em movimentos espelhados a mais grave em Mi Maior, e a mais aguda em Fá Maior (material ocorrente no compasso 2 – escala contra escala). Ainda nesta transição, há também novamente a idéia de unidade sonora versus unidade sonora (nota contra nota) sob diretriz da expressividade intervalar de uma 2a. menor. Ocorreu uma tentativa de o material representar um caráter de ornamento, que trabalha como se fosse composto de bordaduras superiores e inferiores à nota Fá. Essa idéia faz parte de continuar discorrendo sobre os materiais musicais e modelos da Teoria Tonal, mas que são sempre ajustados segundo a poética do compositor. Parece- se que aqui o ornamento é citado com mais clareza pelo fato de o compositor dar mais espaço temporal para realização dele nesse momento de transição que compreende os compassos 19-25. Essa utilização do material com caráter de ornamentação compreendem os compassos 19 e o 24.

Parte 6: c. 25-42/43-45 (frase D: Ciranda 3 - desenvolvimento com caráter de improvisação)

O compositor aqui apresenta dois materiais: um que é o acompanhamento de uma seqüência escalar (Si2, Do#3, Ré#3, Mi3 – e aqui se estabelece ambigüidade, um dilema que é estabelecer se esse é o primeiro tetracorde de um Jônio de Si, ou se é o segundo tetracorde de Mi, que na mesma seqüência escalar/melódica acrescenta um Mi#3, que é um 4.º grau aumentado, mas que enarmonicamente é um Fá. E ainda mais essa aproximação diatônica/cromática do tetracorde que tanto pode ser de um tom como de outro estabelece uma relação dominante/tônica entre a nota Si e Mi, mesmo em caráter passageiro. Somando-se a isso o Mi# (Fá) estabelece também aqui uma relação de resolução sonora de uma sensível – Mi como sensível tonal de Fá. Mas em contrapartida a escrita confere que ‘esse susposto Fá’ na audição é uma nota, mas na escrita é outra (seja qual grau for: sem em B é um 4.º grau e em E é outro). Aqui o compositor aplica tipo clássico e sutil de imprecisão. Numa primeira visualizada o contraste é marcante entre a melodia da ciranda e o acompanhamento que se estabelece em caráter de ostinato. A melodia da ciranda é desenvolvida com ares de improvisação no modo Mixolídio em Sol. Ao final deste trecho no compasso 41, o trecho é cadenciado por um material que é novamente escala contra escala (elemento 1 do motivo c).

Nos compassos 42,43-45 é uma espécie de extensão dessa parte 6. Parece ser uma ponte, mas utiliza material que lembra material tratado com semelhante técnica do motivo c do Poesilúdio n.º 2 – aqui pode-se nomear esse material como motivo e.

Parte 7: c. 46-55 (frase E: Ciranda 4)

Há aqui no acompanhamento o mesmo caráter de material em repetição que acontece na parte 6. Enquanto que na parte 6 o material era escalar/melódico, aqui o material tem um ostinato de espécie harmônica, disposto num desenho de harpejo, que no primeiro compasso parece apresentar-se com a harmonia de B7+/D#, mas que a partir do segundo compasso dessa frase se fixa na harmonia G7+(#5) #9 somente pelo fato de haver uma adição de uma nota Sol (mudando totalmente a configuração harmônica do ostinato harmônico).

A melodia transita desenvolvendo-se no modo Eólio em Do. Ela está inserida abaixo de um Ré5 que sempre coincide com a cabeça do tempo do compasso. Aqui é como se o compositor quisesse contrastar o material que mais agudo tido como melódico, mas, que é desenvolvido numa lógica quase que harmônica arpejada a partir do acorde de Cm perpassando pelo modo Eólio desse tom. O contraste se estabelece por função do material. Numa idéia continuadamente harmônica, o acompanhamento em contrapartida assume função de acompanhamento pelo critério da repetição.

Parte 8: c. 56-62 (Coda)

Esta parte a última assume uma função recapituladora de materiais importantes utilizados durante o desenvolvimento deste Poesilúdio n.º 3. Classificada aqui como Coda, numa recapitulação um tanto modular, numa apresentação de módulos/colagens recapitulativas são trazidos os materiais/conceitos de volta

como: tetracorde versus escala pentatônica, oitava versus harpejo quartal, oitava versus ornamento (trinado), oitava versus expressividade intervalar (segunda menor), oitava versus nona menor – como elemento cadencial. A cadência pela expressividade intervalar.

Aspectos de “Expressividade Intervalar”

1) Nesta parte 1 no c. 1-3 a expressividade intervalar ocorre aplicada conjuntamente com o contraste de gênero. Veja quadro abaixo:

Parte 1 – Poesilúdio 3

comp. 1 comp. 2 comp. 3

mão direita oitavas escala maior F escala nota

mão esquerda acordes quartais escala maior E acorde (harp.) nota contraste no gênero similaridade no gênero contraste no gênero similaridade no gênero

Tabela 7 - expressividade intervalar por 2as. menores num contraste por gênero de material.

2) No c. 4-6 (frase A: tema harmônico) as estruturas superiores (centro em Eólio de Lá; com exclusão do 2.º grau (Si) e do 7.º grau (Sol)) que estão em contraste de alturas com as alturas das estruturas inferiores (com centro em Eólio de Sib – com omissão do 6.º grau). Portanto contrastados estão entre si os centros de tonalidade/modal diferentes.

Parte 2

4 frase A (tema harmônico) 6 acordes quartais

8 acordes quarta e sexta

idem mi lá ré/ F7+(omit5) mi lá ré/ F7+(omit5) idem mi lá ré/ F7+(omit5) Bbm/F Abm/Eb Bbm/F Abm/Eb idem Bbm/F Abm/Eb

Diagrama 4 - materiais sobrepostos no que tange as espécies similares de acordes (quartais e