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Antes de explicitar as relações entre expressão e conteúdo que caracterizam os sistemas semi-simbólicos, é preciso distingui-los de outros tipos de sistemas, em oposição aos quais se definem: os simbólicos e os semióticos. Os sistemas simbólicos são “linguagens cujos dois planos estão em conformidade total: a cada elemento da expressão corresponde um – e somente um – elemento do conteúdo” (FLOCH, 2001, p. 28). Os sinais de trânsito são um bom exemplo desse tipo de linguagem. Os sistemas semióticos, ao contrário, são linguagens em que não há essa correspondência termo a termo. As línguas naturais e mesmo linguagens não-verbais, como a fotografia, são exemplos desses sistemas.

O estudo dos sistemas semi-simbólicos obriga o analista a to- mar inicialmente cada um dos planos da linguagem separadamente, impedindo, assim, a redução da análise a observações sobre a mani- festação textual, que se caracteriza pela união da forma da expressão e da forma do conteúdo, constituindo o signo. Levando em conta as particularidades de cada plano da linguagem, deve-se, então, descobrir que homologações podem ser feitas, percebendo no texto a construção “de uma fala mais profunda” (FLOCH, 1985, p. 15).

Partindo da observação dos elementos significantes, é necessá- rio encontrar, no tratamento e no arranjo das formas, cores, texturas e suas disposições topológicas, os elementos pertinentes, suas opo- sições e contrastes, suas relações sintagmáticas que permitam uma

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segmentação, tornando possível a análise. É certo que nem todo texto plástico atualiza todos os elementos e possibilidades combinatórias das categorias plásticas, mas cada texto indicará, a partir de seus elementos concretos, dos contrastes que ressaltam, o que deve ser considerado no momento de análise.

Essa segmentação se confirma pela apreensão do conjunto de unidades discretas menores percebidas por intermédio de categorias das qualidades plásticas dos textos visuais. Essas unidades, neste primeiro momento, serão consideradas ainda provisórias e só pode- rão ser consideradas pertinentes se puderem ser correlacionadas a categorias do conteúdo, constituindo os formantes, que nem sempre se prestam a uma lexicalização fácil. Podem ser figurativos, quando se associam a unidades do conteúdo que remetam a figuras do mun- do natural, ou plásticos, manifestando diretamente conteúdos mais abstratos. Um formante não necessariamente corresponde a apenas uma unidade do conteúdo, do mesmo modo que mais de um formante pode associar-se a apenas um conteúdo.

A análise do plano da expressão se dá, então, pela descrição de seus componentes, servindo-se de categorias específicas (cromá- ticas, eidéticas, topológicas) que se organizam em hierarquias cujas combinações designam os numerosos e variados efeitos plásticos. Entre as categorias constituintes dos elementos visuais dos textos plásticos, podem-se considerar as eidéticas e cromáticas, que formam o nível profundo do plano da expressão. As qualidades eidéticas podem ser organizadas em categorias como /reto/ versus /curvo/, / longo/ versus /curto/, /contínuo/ versus /descontínuo/, /arredondado/

versus /anguloso/, /segmentado/ versus /não segmentado/ (esta última

subsume as oposições /mudança de orientação/ versus /não mudança de orientação/). Da mesma forma, as qualidades cromáticas podem se estruturar em um certo número de oposições tais como /claro/

versus /escuro/, /saturado/ versus /não saturado/, /luminoso/ versus

/não luminoso/. Identificadas essas categorias, chamadas plásticas, resta ainda determinar as combinações dessas unidades mínimas em configurações mais complexas.

Esses termos opositivos de cada categoria plástica podem, portanto, relacionar-se paradigmaticamente (pela sua co-presença nos textos, formam os contrastes plásticos) ou sintagmaticamente (pelas combinações de termos dessas categorias, fazendo surgir as figuras de expressão), constituindo o nível superficial do plano da expressão.

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As combinações de categorias eidéticas, formando sintagmas lineares e de categorias cromáticas, cujas unidades sintagmáticas for- mam figuras chamadas de áreas ou regiões, permitem a identificação e descrição precisa e funcional de unidades dos textos plásticos.

Os sintagmas lineares, tanto quanto os cromáticos, não ocorrem, entretanto, isolados, mas podem manter entre si relações diversas que explicam a organização do texto visual ao se articularem por meio de regras de iteração e de disposições topológicas, formando, por exemplo, simetrias ou paralelismos. As possibilidades combinató- rias, originadas das relações entre sintagmas eidéticos e cromáticos, definem, enfim, os desenhos.

Na fotografia, as oposições /claro/ versus /escuro/ podem esta- belecer um contraste complexo que resulta na oposição /modelado/

versus /achatado/, por exemplo.1 O modelado permite a tomada de

objetos em volumes, pela organização das partes claras por meio de uma orientação sistemática, resultando num efeito de luminosi- dade vindo de determinada direção (esquerda ou direita), capaz de produzir, nas composições, o efeito de sentido de profundidade que funciona como um procedimento de iconização do figurativo. Ao con- trário, o termo /achatado/ dá às figuras que o realizam um aspecto de desenhado, ocorrendo quando as regiões representadas não são mais claras ou escuras segundo uma orientação à esquerda ou à direita. Esses termos, se co-ocorrentes, tornam-se, assim, unidades do plano da expressão que indicam o modo de segmentação da composição em partes que possibilitem a análise. Em relação a essas unidades do plano da expressão, é necessário notar que não há necessidade de haver continuidade para a sua constituição nem correspondência necessária a uma unidade léxica imediata.

Resta agora refletir mais um pouco sobre as regras de disposição e relações topológicas das categorias eidéticas e cromáticas, cujas diferentes realizações nos textos visuais acarretam variados arranjos, funcionando como elemento determinante tanto para a segmentação do conjunto em unidades discretas quanto na orientação da leitura.

As categorias topológicas dos objetos semióticos planares bidimensionais podem ser retilíneas, tais como /alto/ versus /baixo/, /direito/ versus /esquerdo/, /intercalado/ versus /intercalante/ ou

curvilíneas, totais (podendo ser concêntricas, como /central/ versus /

periférico/ ou não concêntricas, como /englobado/ versus /engloban- te/) ou parciais (/cercado/ versus /cercante/).

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Além das categorias relativas à posição das figuras plásticas, a orientação tem importante papel na configuração de estruturas mais complexas, constituindo conjuntos significativos, conjugados a dife- rentes figuras plásticas, sejam eidéticas, sejam cromáticas.

Se, nesse tipo de texto, as categorias da expressão são particu- larmente importantes por possuírem especial relevância na constitui- ção global do texto, elas só se constituem como tal por se associarem necessariamente a uma determinada unidade de conteúdo.

Exatamente por sua especificidade, os objetos plásticos, mui- tas vezes, apresentam dificuldades na apreensão da estruturação do conteúdo: ora ocorre o rompimento de uma relação imediata das figuras com a grade de leitura do mundo natural, tendendo a uma não figuratividade, como nas pinturas abstratas, ora a falta do apoio circunstancial de elementos espaço-temporais, impossibilitando a reconstrução de uma linha narrativa, mesmo em textos figurativos de natureza icônica, como a fotografia (um exemplo é a foto maior que compõe a Figura 13). Entretanto, essas particularidades, se, por um lado, constituem obstáculos à análise por não trazerem a facilidade de uma lexicalização imediata, por outro lado instigam a uma leitura menos simplista e superficial de suas figuras e temas. Não se pode deixar de considerar, ainda, que a um objeto visual se acrescentam, muitas vezes, elementos verbais, como título ou legenda, que, como mecanismos também constitutivos do sentido, serão incorporados à análise.

O processo de figurativização pode se dar diferentemente, em cada tipo de objeto plástico. Na fotografia, a figuratividade remete a figuras do mundo natural, facilmente reconhecíveis, própria à iconi- cidade deste tipo de linguagem. Ao contrário, na pintura abstrata, a identificação das figuras com outras correspondentes do mundo natural não é tão imediata, podendo ser recuperada, por exemplo, por intermédio do seu cotejamento com outras obras com que tra- va um diálogo intertextual (cf., por exemplo, a análise que Floch faz de Kandinsky, em FLOCH, 1985, p. 41) ou por meio da titulação (ver análise de Teixeira sobre quadros de A. Bandeira em TEIXEIRA, 1998). Entretanto, a leitura de uma pintura não figurativa não depen- de simplesmente do reconhecimento de figuras, como se a opção por expressá-las por traços mínimos não fosse relevante. Além da reconstrução dos percursos figurativos e dos percursos temáticos que recobrem, é importante descobrir a construção de uma outra

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linguagem, que remete a um conteúdo de natureza mais profunda, temática. Muitas vezes, mesmo no texto visual, o temático encontra-se diretamente manifestado, sem ser recoberto por uma figura reconhe- cível como imagem do mundo.

Não se pode esquecer, enfim, do papel dos elementos virtuais que participam da constituição do sentido dos textos tanto quanto os elementos realizados. A diluição de contornos ou a ausência de figuras esperadas segundo o conjunto de saberes relativos ao mundo natural podem tornar possível a interpretação da falta como a representação de um conteúdo abstrato, conceptual.