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3. Vírus da arterite viral equina

3.2 Situação da enfermidade no Brasil e em nível mundial

O grande surto abortivo causado pelo EAV no estado norte-americano do Kentucky em 1984 despertou um grande interesse de técnicos e criadores em relação a este agente viral (TIMONEY, 2002). Atualmente, diversos estudos soroepidemiológicos têm demonstrado que a infecção pelo EAV está amplamente distribuída em cavalos das Américas do Norte e Sul, Europa, Austrália, África e Ásia, com variação considerável na soroprevalência da infecção entre países e entre as populações equinas dentro de alguns países (HOLYOAK et al, 2008; LIMA & OSÓRIO, 2012).

A prevalência da infecção pelo EAV varia consideravelmente de acordo com a localização geográfica dos rebanhos. Em um estudo realizado em 1998, 2% dos cavalos não-vacinados nos EUA foram considerados soropositivos para o EAV, demonstrando a baixa soroprevalência e a alta suscetibilidade da população em caso de um eventual surto (BELL et al, 2006). Semelhantemente, cavalos residentes e não-vacinados da Califórnia tiveram uma soroprevalência de 1,9%, enquanto 18,6% dos cavalos importados para a Califórnia de fora dos EUA (mais comumente da Europa) foram positivos para EAV. Um estudo de 1973 demonstrou a presença de anticorpos anti-EAV em 2,3% dos cavalos ingleses, e de 11,3% em cavalos suíços. Cerca de 14% dos soros coletados entre 1963 e 1975 de cavalos na Holanda foram positivos. Na Alemanha, 1,8% dos cavalos foram soropositivos em 1987; todavia, a soroprevalência subiu para 20% em 1994 (BELL et al, 2006).

O primeiro isolamento do EAV na Austrália foi a partir de sêmen proveniente de garanhões importados dos Estados Unidos. Um estudo sorológico revelou que em 107 amostras de garanhões Standardbred obteve-se 73% de soropositividade, enquanto em Puros-Sangue essa soropositividade caiu para 8% (HUNTINGTON et al, 1990).

A soroprevalência da infecção pelo EAV varia não somente entre países, mas também entre raças. Nos EUA, foi observado uma diferença importante em relação as taxas de soropositividade entre Standardbred e os cavalos Puro-sangue (Thoroughbred). Neste caso, a infecção foi considerada endêmica com 77-84,3% de soropositividade no primeiro grupo, contra somente 0-5,4% de animais soropositivos da raça Puro-sangue (HOLYOAK et al, 2008). Estas diferenças específicas quanto à raça podem refletir diferenças genéticas que conferem resistência à infecção, porém, muito provavelmente são um reflexo da diferença cultural e de manejo dentro dessas populações e raças equinas. Outros estudos não demonstraram nenhuma variação especifica da raça na suscetibilidade à infecção pelo vírus da arterite equina ou no estabelecimento do estado de portador (HOLYOAK et al, 2008).

Na última década, tem sido observado um aumento nos surtos decorrentes da infecção pelo EAV. Em 2005 foi relatado um surto de arterite viral equina em uma propriedade de cavalos quarto de milha no estado do Novo Mexico, EUA, caracterizado por sintomatologia clínica pouco evidente com episódios de abortamentos causados pelo vírus. Em 2006 e 2007, um grande surto envolveu diversos estados americanos. O início se deu em uma propriedade em Novo Mexico, onde cerca de 50% das éguas sofreram abortamentos, e quatro garanhões foram infectados. O vírus se disseminou para outros seis estados americanos através do transporte de sêmen ou das éguas visitantes dessa propriedade (TIMONEY et al, 2006). Posteriormente, comprovou-se que este surto foi consequente ao ocorrido em 2005, causado pela movimentação de animais infectados entre os estados (ZHANG et al, 2010). Cabe ainda ressaltar que o uso difundido da prática de transferência de embriões em cavalos Quarto de Milha e a proliferação do número de propriedades com éguas receptoras nos últimos anos são fatores que desempenham um papel importante na epidemiologia do EAV, e que não eram reconhecidos anteriormente (TIMONEY et al, 2006).

Durante o verão de 2007, ocorreu um surto na região da Normandia, França, com animais infectados pertencentes a 18 propriedades de cinco regiões diferentes do país. Após a investigação epidemiológica, foi sugerido que um garanhão portador teria sido o foco inicial do surto (MISZCZAK et al, 2012), e o sêmen infectado usado para a inseminação artificial em outras propriedades foi o responsável pela dispersão (PRONOST et al, 2010a). Neste surto, oito mortes foram observadas, incluindo um feto, cinco potros jovens e dois cavalos adultos. Quarenta e três animais foram confirmados positivos através de RT-PCR. A análise filogenética revelou que os 33 isolados do EAV pertenciam ao subgrupo EU-2 (PRONOST et al, 2010a).

Na Bélgica foram relatados dois surtos da enfermidade: o primeiro em 2000, em uma propriedade cuja única característica clínica foi um surto abortivo com isolamento do agente e observação de animais soropositivos em 95,5% do plantel; e o segundo surto em 2008 onde dois potros neonatos morreram após apresentarem sintomatologia respiratória aguda e severa (VAIRO et al, 2012). Adicionalmente, uma pesquisa sorológica das amostras submetidas à Faculdade de Medicina Veterinária de Ghent, demonstrou um aumento de 10 a 30% de soropositividade para o EAV em equinos além do isolamento viral a partir de animais nos diferentes surtos (VAIRO et al, 2012).

Um estudo realizado por Lee et al (2010), na Coréia do Sul investigando a ocorrência de doenças infecciosas em cavalos importados entre os anos de 2003 e 2008 demonstrou a presença de 28 animais soropositivos para o EAV em um total de 6.043 animais.

A Argentina é o país sul-americano onde há o maior número de casos registrados. O primeiro isolamento do EAV neste país ocorreu em 2001 a partir do sêmen de um garanhão soropositivo (LIMA &OSORIO, 2012). Em 2010, foi relatado um surto de EAV na província de Buenos Aires, onde a fonte de infecção viral foi o sêmen de um garanhão importado da Holanda. Este sêmen foi utilizado para inseminar éguas de cinco propriedades diferentes, e de onde a infecção se espalhou através de movimentação animal para outras sete propriedades (BARRANDEGUY, 2010).

Na Venezuela, de 1.008 soros equinos pertencentes a cinco estados diferentes, foi observado 2,48% de soropositividade com uma proporção

significativamente maior em cavalos importados em relação aos cavalos locais (SAÉNZ, 2010).

No Brasil, o primeiro surto causado pelo EAV foi relatado em 1993, em Ibiúna, SP a partir de sorologia pareada (BELLO et al, 2007). Diversos estudos sorológicos posteriores tem confirmado a circulação do agente em diferentes regiões do país (LIMA & OSÓRIO, 2012). Bello et al. (2007) detectaram sete amostras positivas (0,85%) para a presença de anticorpos específicos de um total de 826 amostras de equídeos (equinos, muares e asininos) no estado de Minas Gerais.

Diel et al. (2006), encontraram 33 animais sororreativos de 1.506 amostras analisadas, correspondendo a 2,2% do total dos animais testados no Rio Grande do Sul. Em São Paulo, Lara et al (2002) encontraram uma prevalência de 18,2% em um total de 659 amostras. Essa alta prevalência em São Paulo pode ser um reflexo da grande concentração de animais, e o intenso uso de técnicas reprodutivas como a inseminação artificial, onde o sêmen infectado pode ser a fonte de introdução em um plantel negativo. Anteriormente em São Paulo, Fernandes & Souza (1999) observaram 23,52% de animais soropositivos em um grupo de animais com sinais clínicos respiratórios, e 10,34% de animais soropositivos para o EAV para animais com quadro de abortamento. Em um estudo mais recente foi encontrada uma prevalência de 5,7% (80 amostras positivas) num total de 1400 amostras provenientes de mesorregiões paulistas entre 2007 e 2008 (BRAGA et al, 2012).

Não foram detectados animais reagentes à pesquisa de anticorpos contra o EAV, em um estudo com 176 amostras, na região de Monte Negro, Rondônia (AGUIAR et al, 2008). Ainda na região Norte, Heinemann et al (2002) também não detectaram animais reagentes contra o EAV no estado do Pará, num total de 96 animais. A ausência de anticorpos anti-EAV nessa região pode ser devido à baixa aglomeração de animais, do pouco uso das técnicas de inseminação artificial ou da baixa importação de animais.

3.3. Diagnóstico clínico e laboratorial

O diagnóstico da infecção pelo vírus da arterite equina tem como base inicial as características clínicas e epidemiológicas onde se verifica sinais de enfermidade respiratória incluindo dispneia, lacrimejamento, edema de conjuntiva e partes baixas. Os abortamentos precoces ajudam a fundamentar a suspeita clínica (THOMASSIAN, 2005).

A principal preocupação na doença clínica é o abortamento na fase aguda da infecção, geralmente ocorrendo entre os três e 11 meses de gestação, concomitantemente ou logo após a infecção. As éguas que abortam podem ou não apresentar sintomatologia clínica da infecção ou sinais premonitórios de abortamento enquanto que o feto pode apresentar diferentes graus de autólise ou não apresentar lesões macroscópicas aparentes (CHRINSIDE et al, 2000; BELL et al, 2006; DEL PIERO, 2000a). Durante a avaliação histopatológica de casos confirmados da enfermidade, frequentemente observa-se a panvasculite que é mais pronunciada nas arteríolas, particularmente no ceco, cólon, baço, gânglios linfáticos associados e córtex adrenal. A presença de arterite necrotizante disseminada envolvendo células endoteliais e mediais dos vasos afetados é considerado clássico para o EAV (OIE, 2008).

Quando há suspeita de infecção aguda pelo EAV, a confirmação pode ser obtida baseada no isolamento viral ou na detecção de ácido nucléico ou antígenos virais (TIMONEY & MCCOLLUM, 1993). Para o isolamento viral, o material a ser coletado inclui swabes naso-faríngeos e conjuntivais além de amostras de sangue com anticoagulante EDTA ou citrato. O EAV pode ser isolado a partir do soro ou plasma sanguíneo por 7-9 dias após infecção aguda. Uma redução na viremia coincide com a produção de anticorpos neutralizantes específicos (HOLYOAK et al, 2008). O vírus pode ainda ser isolado de uma grande variedade de tecidos e fluidos corpóreos de animais a partir de um a dois dias após infecção experimental pela via respiratória (HOLYOAK et al, 2008; OIE, 2008). Em casos de abortamentos pelo EAV, tanto o feto como a placenta contém grandes quantidades de vírus. Deve ser realizada a tentativa de isolamento viral nos tecidos e fluidos placentários e nos

tecidos fetais, como pulmão, fígado e tecido linforreticular (TIMONEY, 2002; GLASER et al,1997).

Para aumentar as chances de isolamento e detecção do agente, as amostras clínicas devem ser obtidas o mais precocemente possível, logo após o aparecimento de febre ou outros sinais suspeitos da infecção. Os swabes devem ser acondicionados em meio de transporte (meios de cultura celular ou solução salina balanceada contendo 5% de soro fetal bovino) sob refrigeração ou congelados e enviados imediatamente em embalagem isolante térmica até o laboratório de diagnóstico. As amostras de soro sanguíneo devem ser enviadas refrigeradas, mas não congeladas (TIMONEY, 2002; HOLYOAK et al, 2008).

As linhagens celulares normalmente utilizadas para o isolamento do EAV a partir de amostras clínicas são a RK-13, VERO e células pulmonares equinas (DEL PIERO, 2000a). As culturas celulares in vitro são examinadas diariamente para o aparecimento do efeito citopático viral, que normalmente se evidencia entre 2-6 dias após a infecção (OIE, 2008) (Figura 02).

A imunohistoquímica também pode ser utilizada para detecção de antígeno viral, na presença ou não de lesões características da infecção (DEL PIERO, 2000b). A detecção de antígenos virais já foi demonstrada em tecidos de pulmão, coração, fígado, baço e na placenta de fetos abortados (SZEREDI et al, 2005).

Vários testes moleculares de diagnóstico incluindo a RT-PCR (reação em cadeia da polimerase precedida pela transcrição reversa) e RT-PCR em tempo real vêm sendo desenvolvidos para detecção de ácidos nucléicos em culturas de tecidos, secreções nasais e sêmen, e são cada vez mais utilizados na rotina laboratorial. Porém, a validação destes testes ainda é necessária antes da plena aceitação como um instrumento de confiabilidade equivalente ao teste de isolamento viral, considerado o teste de diagnóstico padrão-ouro pela OIE (LU et al, 2008).

A detecção da soroconversão utilizando a técnica de soroneutralização é um método seguro de identificação dos animais infectados. A infecção aguda pode ser confirmada sorologicamente pela detecção do aumento dos títulos de anticorpos neutralizantes anti-EAV entre a fase aguda e convalescente da doença, com um aumento de quatro vezes ou mais nos títulos de anticorpos neutralizantes específicos. A soroconversão também pode ser detectada em éguas que sofreram abortamentos, sendo uma ferramenta útil de diagnóstico quando não se consegue recuperar os restos placentários e fetais para o isolamento viral (TIMONEY & MCCOLLUM, 1993; GLASER et al, 1997; DEL PIERO, 2000a). Infecções naturais ou experimentais com o EAV resultam em imunidade duradoura contra reinfecções com diferentes isolados/cepas do vírus. Anticorpos específicos podem ser detectados entre os dias sete e 14 pós-infecção, coincidindo com o desaparecimento do vírus da circulação sanguínea. Altos títulos neutralizantes são geralmente detectados em animais com infecção persistente (LIMA & OSÓRIO, 2012).

De acordo com a OIE, a detecção de anticorpos específicos ao EAV é baseada no teste de soroneutralização. No entanto, diversos tipos de ensaios imunoenzimáticos (ELISA) têm sido desenvolvidos ao longo dos anos na tentativa de simplificar o diagnóstico sorológico do EAV. Os primeiros testes tinham como característica negativa o grande numero de falso-positivos devido a reações cruzadas com antígenos provenientes de vacinas produzidas em cultura celular (GLASER et al, 1997). Dois testes desenvolvidos, um por Cho et al. (2000) utilizando um anticorpo monoclonal de bloqueio e o outro por Nugent et al. (2000)

utilizando a proteína de envelope G têm sido extremamente promissores, com sensibilidade de 99,4 e 96,7% e especificidade de 97,7 e 95,6 % respectivamente (NEWTON et al, 2004).

A identificação do estado de portador de um garanhão deve ser primeiramente realizada a partir de um exame sorológico para detectar a presença ou não de anticorpos neutralizantes contra o EAV. Garanhões com título de 4 ou superiores sem histórico de vacinação prévia para o EAV devem ser considerados potenciais portadores. Neste caso deve ser realizado o isolamento viral ou a detecção de ácido nucléico viral em amostra de sêmen do animal (TIMONEY, 2002).

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