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Capítulo 4. O Português em Organizações Internacionais: Panorama Atual

4.4. Situação do português face a outras línguas oficiais/de trabalho

Se retomarmos a globalidade as instituições que têm o português como LO/LT, apercebemo-nos que apenas cerca de um quarto conta com um leque alargado de línguas oficiais (cinco ou mais) e que, dessas, várias adotam apenas uma ou duas línguas de

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Cf. organigrama no Anexo VI. De forma algo inesperada, o acesso à informação disponibilizada pelo BID sobre a sua estrutura organizacional requer uma autenticação. Os dados apresentados foram obtidos em

http://www.isdb-pilot.org/wp-content/uploads/2016/08/Organisational-Chart.pdf. Página consultada em 20 de

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trabalho - com o inglês e o francês a cumprirem, geralmente, essas funções, como vimos nas secções anteriores.

No continente americano, o português surge a par de apenas um ou dois outros grandes idiomas, o espanhol e o inglês; mesmo a inclusão do francês ou do neerlandês em organizações como a UNASUL ou a CELAC deixa o português numa posição relativamente privilegiada, em particular no subcontinente sul-americano, como segunda língua, a seguir ao espanhol. Ainda assim, quando o inglês faz parte da equação, este tende a tornar-se a língua franca, testemunhando o poderio dos E.U.A..

Já no continente africano, a situação, embora parecendo semelhante em termos do número de

línguas oficiais que coocorrem com o português, apresenta algumas nuances. O primeiro

elemento-chave é a presença do inglês e do francês, línguas com maior prestígio e preponderância no continente, sobretudo o inglês.

O segundo é a diversidade dos blocos de países que formam as diferentes organizações e o peso relativo dos países lusófonos nesses contextos. Assim, se olharmos para uma organização como a SADC, de que Angola e Moçambique fazem parte, seria de esperar que o português fosse uma língua mais relevante e com maior visibilidade do que numa organização como a CEN-SAD, em que o português é apenas representado pela Guiné-Bissau e por São Tomé e

Príncipe. 100 Contudo, mesmo nos casos em que seria expectável que o português surgisse

numa boa posição no jogo de forças entre diferentes línguas, os dados são por vezes viciados pela presença de países anglófonos considerados grandes potências no continente africano (com destaque para a África do Sul na SADC e a Nigéria na CEDEAO), relegando as restantes línguas para uma posição secundária; noutros contextos, a presença do francês tende a replicar ou tentar partilhar a posição de força do inglês.

Quanto às organizações de matriz intercontinental, novamente, o peso dos diferentes intervenientes constitui um elemento crucial, mas não inequívoco: assim, a presença do Brasil, a par de outros países lusófonos, tende a facilitar a adoção do português mas, quanto maior o peso do inglês, maior a tendência para esta língua se sobrepor às restantes. A medição do papel e relevância do português face a outras línguas não é uma tarefa de fácil execução, sobretudo quando saímos do universo das organizações mais centrais a nível global.

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Na realidade, através da consulta dos sites da CEN-SAD e da SADC, vemos que em ambos os casos o português está ausente, apesar da presença de Angola e Moçambique nesta última organização - com efeito, no primeiro caso apenas encontramos informação em francês e árabe e, no segundo, a informação surge essencialmente em inglês.

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As estatísticas acerca do número de tradutores e intérpretes, do número de falantes de português (não só como língua materna, mas, de forma mais relevante, como língua estrangeira), ou do volume de documentos que são traduzidos para português (e da sua qualidade real, algo ainda mais difícil de quantificar) são dados que a esmagadora maioria das instituições não disponibiliza101 – constituindo a UE a grande exceção, como vimos, a que não é alheio o facto de este ser um tópico de debate particularmente sensível no seio da instituição.

Na impossibilidade de ter acesso a dados mais precisos e alargados, e sendo hoje a maioria da informação disponibilizada em formato digital, um dos principais indicadores através dos quais se pode medir a implantação do português e a sua visibilidade é a consulta das páginas eletrónicas destas OI e da documentação aí facultada. Constituindo a internet um dos principais meios de acesso à informação e um veículo estratégico para a promoção de diferentes línguas e culturas, o que se reflete em numerosos estudos recentes, este é um aspeto relevante na análise em causa.

A tabela 4.9 revela-nos alguns dados interessantes:

a) Mais de metade das páginas eletrónicas (12) não dispõe de versão portuguesa; b) Nas organizações que não dispõem de site em português, é, contudo, geralmente

possível encontrar documentação legal, como tratados e legislação, na sua versão portuguesa, seguindo os links nas outras línguas – o que testemunha que, em circunstâncias de uso limitado, os textos legais ganham prioridade;

c) Em alguns casos, há ligações em português que remetem para textos ou secções noutras línguas, demonstrando que há ainda trabalho a fazer em termos de desenvolvimento destas páginas eletrónicas;

d) Na esmagadora maioria dos casos em que há páginas em português, estas estão na variante do Português do Brasil (PB), o que é compreensível por se tratar, em muitos casos, de organizações no continente americano, mas também ocorre em sites de organizações que têm Portugal e Brasil como seus países-membros (em particular a Organização dos Estados Ibero-americanos).

101 Em intervenção de Graddol, no relatório da FLAD Promoção da Língua Portuguesa no Mundo (2008:36),

este lamenta precisamente que “os dados internacionais sobre o português, mesmo em relação ao seu uso na Internet, estão sempre desactualizados”.

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Tabela 4.9 Uso do Português em Organizações Internacionais – Presença na Internet

Sigla/Acrónimo Nome da Organização Línguas oficiais/de trabalho Línguas do site Documentos em português?

Organizações com duas línguas oficiais/de trabalho

ALADI Associação Latino-Americana de Integração ESP, POR ESP, POR Documentos legais, acordos

OEI Organização dos Estados Ibero-americanos ESP, POR ESP, POR Legislação, artigos diversos

UEMOA União Económica e Monetária do Oeste Africano FR, POR FR, ING Não

Organizações com três línguas oficiais/de trabalho

BAfD Banco Africano de Desenvolvimento FR, ING, POR FR, ING Relatórios anuais e sobre temas específicos

CEDEAO Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental FR, ING, POR FR, ING, POR Não - links remetem para textos em inglês ou

francês

MERCOSUL Mercado Comum do Sul ESP, GUA, POR ESP, POR Documentos oficiais, tratados, comunicados

SADC Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral FR, ING, POR ING Não

Organizações com quatro línguas oficiais/de trabalho

ACP Países de África, Caraíbas e Pacífico ESP, FR, ING, POR FR, ING Não

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento ESP, FR, ING, POR ESP, FR, ING, POR Relatórios anuais e alguns documentos legais

CEEAC Comunidade Económica dos Estados da África Central ESP, FR, ING, POR FR Não

CEN-SAD Comunidade dos Estados do Sahel-Sahara ARB, ESP, FR, POR ARB, FR Não

OEA Organização dos Estados Americanos ESP, FR, ING, POR ESP, FR, ING, POR Relatórios, projetos, documentação diversa

OTCA Organização do Tratado de Cooperação Amazónica ESP, ING, NEE, POR ES, ING, NEE, POR Regulamentos, declarações, planos de

trabalho, artigos

SELA Sistema Económico Latino-Americano e do Caribe ESP, FR, ING, POR ESP, ING Documentação relativa ao Brasil

UNASUL União de Nações Sul-Americanas ESP, ING, NEE, POR ESP Não

ZPCAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul ESP, FR, ING, POR NA - Sem site NA - Sem site

Organizações com cinco ou mais línguas oficiais/de trabalho

CELAC Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos ESP, FR, ING, NEE, POR Site da cimeira 2015 - ESP Não

FIVB Federação Internacional de Voleibol ARB, ESP, FR, ING, POR, RU (LT: FR, ING) ING Não

OMPI Organização Mundial da Propriedade Intelectual ARB, CH, ESP, FR, ING, POR, RU ARB, CH, ESP, FR, ING, RU Legislação, tratados

UA União Africana ARB, ESP, FR, ING, POR, SWA ARB, FR, ING Relatórios diversos

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Um outro aspeto relevante é que nas organizações que contam apenas com países francófonos ou de língua árabe, esses idiomas, em particular o francês, tendem a demonstrar a mesma atitude “glotofágica” que o inglês apresenta em OI mundiais.

Com efeito, já em 2006, Filipe se referia ao facto de que o português se encontrava entre dois predadores, já que "nesta visão belicista, nesta “guerra dos mundos linguísticos”, em versão francófona, o português é uma presa à espera de ser devorada, mas com a presunção de ser ele a escolher o carrasco".102 Citando Chaudenson: "En ce cas, ils font preuve de bons sens, car le loup angloaméricain ne serait pas long à dévorer le mouton lusitanien. Donc, entre la peste et le choléra... ".103

Finalmente, também em alguns casos, em que a configuração das organizações apresenta um elevado número de países hispanófonos (por defeito, em organizações regionais no continente americano), a tendência é para essa língua assumir a segunda posição no jogo de forças linguísticas, embora a presença do Brasil tenda a ser um elemento que introduz um maior equilíbrio do que o que acontece em organizações africanas, por exemplo.

Face a este cenário, e dado que constituição de algumas das OI aqui consideradas não é de molde a que o português possa ganhar particular destaque, será possivelmente necessário o investimento dos países-membros de LOP, diretamente ou por intermédio da CPLP, procurando concentrar esforços naquelas que têm maior visibilidade a nível global e em que os blocos lusófonos dispõem de maior peso e influência.