• Nenhum resultado encontrado

SITUA¬«0 DE APRENDI;AGEM 5 FIL0S0FIA E LITERATURA

Nesta Situação de Aprendizagem, vamos pensar a Filosoàa em comparação com a Lite- ratura, para completarmos o ciclo de aproxi- maç×es e distanciamentos que nos conduzem a um aprofundamento sobre a especiàcidade

da Filosoàa como discurso capaz de narrar o pensamento reflexivo, não apenas sobre os temas mais relevantes da existência humana, mas, principalmente, sobre os demais discur- sos Literatura, Ciência, Religião.

Conteúdos e temas: Filosoàa e Literatura; aproximaç×es e distanciamentos.

CompetËncias e habilidades: relacionar informaç×es, representadas de formas variadas, com conhecimentos disponíveis em diferentes situaç×es, para construir argumentação consistente; comparar discurso àlosÓàco e discurso literário; aprofundar compreensão sobre o que é Filosoàa em comparação com a Literatura; ler, compreender e interpretar textos teÓricos e àlosÓàcos; expressar-se por escrito e oralmente de modo sistemático; elaborar hipÓteses e quest×es sobre leituras e debates realizados.

Sondagem e sensibilização

Nas Situaç×es de Aprendizagem anteriores, desaàamos os estudantes a pensar em aproxi- maç×es e distanciamentos entre o discurso cientíàco e o discurso àlosÓàco. Neste momento, vamos pensar a distinção e a aproximação entre o discurso àlosÓàco e a Literatura.

Como sondagem inicial, solicite a leitura do poema “Começo a conhe- cer-me. Não existo”, de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), que também consta no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto.

Provoque os alunos com as duas quest×es a seguir, propostas no Caderno do Aluno, e observe se são capazes de respondê-las. Se apresentarem diàculdades, você pode auxiliá- -los a partir do questionamento sobre a ideia principal da poesia e como o autor procura justiàcar a sua primeira aàrmação.

1. Como o poeta descreve a sua condição humana

2. Por que é possível aàrmar que ele é um intervalo

3. Como você imagina essa reáexão a partir do texto àlosÓàco argumentativo Em folha avulsa, construa um breve texto àlosÓàco a partir das ideias contidas no poema.

ApÓs o exercício com o poema, peça aos alu- nos que realizem dois movimentos de comparação em grupo o primeiro movimento comparando seus textos, trocando ideias sobre a forma que encontraram para transformar o poema em um breve discurso àlosÓàco. No segundo movimento, eles devem comparar o poema propriamente dito com seus textos Qual é a diferença

Você, professor, poderá acompanhar a reáexão comparativa de cada grupo e, ainda, se houver tempo, solicitar a cada equipe que apresente uma síntese sobre o processo de discussão.

Na etapa seguinte, leia com os alunos o texto a seguir, que também se encon-

Sugestão de estratégias: levantamento de hipÓtese sobre aproximaç×es e distanciamentos entre Filosoàa e Literatura; leitura sistemática e problematizadora de textos e elaboração escrita do prÓprio pensamento.

Sugestão de recursos: texto poético; texto àlosÓàco a respeito da leitura do discurso da Filosoàa. Sugestão de avaliação: sugere-se que seja avaliada a capacidade de expressão clara, áuente e consistente, buscando superar o senso comum e o enfrentamento reáexivo dos alunos com as atividades propostas. Como instrumentos de avaliação, recomendam-se registros individuais; veriàcação das atividades do Caderno do Aluno; outros trabalhos que o professor julgar adequados e pertinentes.

Começo a conhecer-me. Não existo

Começo a conhecer-me. Não existo.

Sou o intervalo entre o que desejo ser e os [outros me fizeram,

ou metade desse intervalo, porque também [há vida...

Sou isso, enfim...

Apague a luz, feche a porta e deixe de ter [ba rulhos de chinelos no corredor.

Fique eu no quarto sÓ com o grande sossego [de mim mesmo.

­ um universo barato.

PESS0A, Fernando (Álvaro de Campos). Poemas

de Álvaro de Campos. Disponível em http//XXX.

dominiopublico.gov.br/doXnload/texto/ jp000004.pdf. Acesso em 19 dez. 2013.

48

A leitura dos textos àlosóàcos

+orge Alberto Molina1

Queremos aqui caracterizar aquelas produç×es textuais que classificamos como textos de Filoso- fia. Num romance, como Madame BovarZ, os personagens são seres humanos, reais ou fictícios, como Ema BovarZ, Monsieur )omais, o Doctor BovarZ etc. No texto filosÓfico, os personagens são as teses defendidas. Essas teses estão apoiadas sobre argumentos. 0 texto filosÓfico é um texto de tipo argumentativo. Mas essa é ainda uma caracterização muito geral, pois um ensaio sociolÓgico, um editorial de jornal, um sermão, são também textos argumentativos. De maneira que essa descrição é insuficiente, a menos que precisemos, com mais exatidão, quais são os traços específicos da argumen- tação filosÓfica. 0 que dificulta ir além daquela caracterização muito geral é o fato de o discurso filosÓfico manifestar-se através de uma grande variedade de gêneros textuais diferentes2.

Antes de SÓcrates, a Filosofia usou como forma de expressão a poesia, e ainda no período romano- -helenístico encontramos De rerum natura, de Lucrécio, como exemplo de poema filosÓfico. Platão e também AristÓteles usaram o diálogo como veículo para expressar suas ideias. 0 diálogo filosÓfico está presente até na Idade Moderna, lembremos por exemplo o Diálogo sobre a conexão entre as ideias e as

palavras, de Leibniz, e os Três diálogos entre Hilas e Filonius, de BerLeleZ. As cartas têm servido como

instrumento de expressão de ideias filosÓficas. Podemos citar exemplos célebres como a correspondência entre Leibniz e ClarL sobre a natureza do espaço e do tempo, a correspondência entre Leibniz e Arnauld sobre a noção de substância, as cartas a Lucílio de Sêneca etc. A autobiografia tem sido usada para expressar concepç×es filosÓficas, assim As Confissões de Santo Agostinho e as de Rousseau. 0s filÓsofos também se apropriaram do gênero apologético e, como mostra disso, encontramos a Apologia de SÓcra-

tes, de Platão, A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, e Os pensamentos, de Pascal. 0 tratado científico

foi introduzido por AristÓteles como gênero textual para a expressão de filosofemas. Existem também textos filosÓficos formados a partir de aforismos, como o Tractatus, de Wittgenstein. Face a essa grande variedade de gêneros textuais usados pelos filÓsofos, nos perguntamos sobre a justificativa para colocar produç×es pertencentes a gêneros tão diferentes sob o rÓtulo comum de texto filosÓfico.

[...]

Podemos, então, afirmar o seguinte parece difícil apontar a priori um conjunto de marcas neces- sárias e suficientes que outorguem uma especificidade ao texto filosÓfico. Não podemos definir o texto filosÓfico por meio de uma cláusula do tipo “texto filosÓfico é ABC, e somente aquilo que seja ABC... poderá ser chamado de texto filosÓfico”. No entanto, pensamos que, malgrado a impossibilidade de definir diretamente o que é um texto filosÓfico, podemos obter luz sobre o nosso tema, comparando o discurso filosÓfico com outros tipos de discursos o científico, o jurídico, o teolÓgico e o literário.

[...]

Diferenciar a Filosofia da Literatura é mais difícil, e tememos que qualquer critério de demarcação que seja dado entre as duas disciplinas possa ser sempre impugnado. Platão considerava que a Poesia busca comover e que a Filosofia procura a verdade3. 0 bom poeta, segundo ele, é aquele que sabe

1 Doutor em LÓgica e Filosofia da Ciência pela Unicamp, professor do Departamento de Ciências )umanas e docente do

Mestrado em Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

2 Estou usando a distinção entre gêneros e tipos textuais apresentada em Marcuschi (2002). 3 República X, 05d-07d.

tra no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto, e peça que realizem a atividade proposta Destaque uma diferença entre Literatura

e Filosoàa apontada no texto e explique por que, de acordo com os argumentos do texto, é difícil distinguir essas duas áreas.

provocar em nÓs as emoç×es apropriadas. AristÓteles considerava o discurso poético como aquele que representa coisas fictícias como possíveis, enquanto a Filosofia é um discurso que expressa o que é, da forma que ele é. 0u, dito de outra forma, o discurso filosÓfico descreve como é o que existe4. )egel con-

siderava que a arte representa o universal sob a forma da sensibilidade, ao passo que a Filosofia representa o universal sob a forma de conceito5. Agamêmnon representa a hZbris ou desmesura comum a vários

governantes; Antígona e Creonte, o conflito entre a razão de estado e a piedade familiar; Dom Quixote, o espírito sonhador e aventureiro. Personagens da literatura representam conceitos ou situaç×es universais. Então, baseados naqueles três filÓsofos, podemos dizer que o discurso literário se diferencia do filosÓfico pelo fato que i) ele busca suscitar em nÓs emoç×es; ii) ele tem um caráter fictício; iii) ele representa situa- ç×es universais (o universal) sob a forma de um conjunto de representaç×es individuais.

4 “Pelo exposto se torna Óbvio que a função do poeta não é contar o que aconteceu mas aquilo que poderia acontecer, o que é

possível, de acordo com o princípio de verossimilhança e da necessidade” (Poética, 51a 3-51b 11). “Deve preferir-se o impossível verossímil ao possível inverossímil” (Poética, 0a 27).

5 “[...] a função da arte consiste em tornar a ideia acessível à nossa contemplação, mediante uma forma sensível e não na figura

do pensamento e da espiritualidade em geral [...]”. )egel (1993), p. 47.

M0LINA, +orge Alberto. A leitura de textos filosÓficos. Revista Signo, vol. 31, p. 37-47, 200. Disponível em http//online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/vieXFile/438/291. Acesso em 19 dez. 2013.

Baseando-se na leitura e com a escolha de uma das diferenças apontadas, é importante que você faça uma síntese com as ideias cen- trais do texto. Solicite a alguns alunos que leiam suas respostas ou dÙvidas ao exercício proposto, pois este é um momento de discus- são sobre as principais características do discurso àlosÓàco.

A Literatura talvez seja o discurso que menos se distanciou do discurso àlosÓàco, uma vez que poetas, romancistas e cronistas tratam de quest×es filosÓficas como a finalidade da existência humana e de dramas éticos.

Essa aproximação é notada também no caso dos àlÓsofos que escolheram a Literatura para abordar sua àlosoàa. +ean-Paul Sartre (1905-1980) é um deles. Escreveu romances como A náusea (1938), ou sua trilogia de romances A idade da razão (1945), Sursis (1947) e Com a morte na alma (1949). 0utro filÓsofo que escolheu a Literatura para expor seu pensamento educacional foi +ean-+acques Rousseau (1712-1778), em sua obra àccional Emílio ou da Educação (172).

Peça aos alunos que façam uma pesquisa de outros àlÓsofos que se expressaram por meio da Litera- tura e registrem em folha à parte seus nomes e suas principais obras. Essa proposta encon- tra-se no Caderno do Aluno, na seção Pes- quisa individual.

A distinção de limites entre a Filosoàa e a Literatura torna-se, assim, uma tarefa complexa e delicada que não se esgota nesta Situação de Aprendizagem, cujo objetivo é oferecer mais uma oportunidade de confronto entre diferentes modos de pensar e dizer os temas centrais da existência humana.

Avaliação da Situação de

Aprendizagem

0riente os alunos a preencher um quadro-síntese, conforme consta no Caderno do Aluno, na seção Você aprendeu . Esse quadro servirá para ava- liar a compreensão dos traços que marcam o discurso àlosÓàco.

50

Aproximações DiGerenças

Filosoàa, Mitologia e Religião

A Filosofia não surge em contraposição ou dissonância dos mitos e discursos religiosos. Ao contrário, é baseada em temas e preocupações predominantes no discurso religioso e nos mitos registrados em poemas como a Ilíada e a Odisseia, de Homero, e nos poemas de Hesíodo.

Aspectos que são comuns a ambos os discursos: preocupação dos poetas de apresentar causas e motivos das ações; esforço para descrever os fatos em uma abrangência que abarca deuses, homens, terra, céu, guerra, paz, bem e mal; preocupação dos poetas em construir narrativas para ensinar justiça como virtude fundamental. O mito e alguns discursos religiosos, assim, já contemplariam a estrutura de apresentação dos fatos e os temas valorizados pela Filosofia.

O discurso nos mitos apresenta-se como uma narrativa marcada por analogias, metáforas e parábolas, ao passo que o discurso na Filosofia se manifesta por questionamentos sucessivos a cada afirmação, por fundamentação e crítica sobre o saber afirmado.

As religiões, especialmente se tomarmos as religiões monoteístas, professam verdades cuja base é a fé no divino. A Filosofia busca significados na ordem do humano a partir de uma reflexão que deve ser radical, rigorosa e de conjunto (conforme Dermeval

Saviani1) e, dessa forma, questionar certezas e

verdades.

Filosoàa e CiËncia

A curiosidade e o conjunto de perguntas sobre a realidade que inspiram ambas as investigações; O esforço de explicitação de ideias que filósofos e cientistas empreendem;

A construção de argumentação que permita a comunicação dos saberes formulados, investigados; A utilização de metáforas para oferecer imagens mais próximas a saberes já conhecidos, no esforço de comunicação dos novos conhecimentos.

A Filosofia utiliza diversos gêneros textuais para expressar suas ideias: cartas, poemas, diálogos, ensaios. A Ciência utiliza ensaios, mas não poesias, diálogos ou cartas sem que passem por explicitação analítica.

As definições dos termos em Ciência são especifi- cadas de forma que se generalize seu significado. Em Filosofia, um termo ou expressão pode ter diferentes significados a depender do contexto e da formulação argumentativa do autor. Exemplo: a palavra “átomo”, em Química, e a palavra “sujeito”, em Filosofia. É comum usarmos expressões como “o entendimento da palavra sujeito” em Marx, em Foucault, em Deleuze ou em Descartes.

Filosoàa e Literatura

Filosofia e Literatura abordam temas em comum; a Literatura problematiza situações do cotidiano e provoca reflexão, assim como a Filosofia.

Literatura: busca suscitar em nós emoções; tem um caráter fictício; representa situações universais (o universal) sob a forma de um conjunto de represen- tações individuais.

1 SAVIANI, Dermeval. A Filosofia na formação do educador. In @@@@@. Educação: do senso comum à consciência filosÓfica. Campinas

Autores Associados, 2007. p. 24. http//XXX.autoresassociados.com.br. Lembramos que o tema citado já foi abordado nas Situaç×es de Aprendizagem anteriores.