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PARTE 2 NO ENTREMEIO CONTRADITÓRIO EM QUE SE PRODUZ A FUNÇÃO-

2.1 SITUANDO UM PROJETO DE INVESTIGAÇÃO: O QUE NOS

Outro fator de perturbação da boa escolha das palavras [...]. (ROCHA LIMA, 1972, p. 451). A epígrafe que abre esta seção produz um efeito de fio condutor sobre o que tem nos mobilizado para a escritura deste trabalho, cujo objeto é o (não) lugar da significação na produção gramatical de Rocha Lima. Outro possível efeito produzido é o da contradição instaurada que nos constitui: a posição de professora de língua que “deve” saber a gramática normativa (e por isso Rocha Lima) e a posição de pesquisadora que estuda AD (e por isso Pêcheux). Se de uma posição gramatical temos Rocha Lima incomodado com a perturbação, no que se refere às palavras homônimas, de um outro lugar, deparamo-nos com o interesse de Pêcheux, também com a perturbação. No entanto, as preocupações pechetianas concernem à metáfora e à metonímia, nos estudos discursivos.

Ao tratar da Estilística Léxica, Rocha Lima inicia afirmando que

A parte da significação de uma palavra que diz respeito à função representativa da linguagem é o que se chama- denotação; aquela outra, referente à capacidade dela para funcionar como exteriorização psíquica, ou apelo- eis a conotação. Uma e outra se combinam para a significação integral da palavra. (ROCHA LIMA, 1972, p. 448, grifos do autor).

Conforme a explicação do sujeito-gramático, a palavra pode ter seu sentido denotativo/literal e um outro conotativo. Daí advém a possibilidade de se refletir sobre o não fechamento dos sentidos de uma palavra. Logo adiante afirma que “Outro fator de perturbação da boa escolha das palavras é a existência de homônimos” e prossegue dizendo que “ [...] costuma-se entender sob essa designação todas as palavras que, possuindo forma idêntica, designem coisas distintas”. (ROCHA LIMA, 1972, p. 451, grifo do autor). Esses excertos nos ajudam a dar forma à nossa investigação, pois sinalizam o modo como a posição sujeito- gramático trata da significação em sua produção gramatical sobre uma língua que se encontra “perturbada”, ou seja, que escapa à normalidade (imaginária), tão desejada na produção do saber gramatical.

A perturbação, também, está na voz de Pêcheux, que fala de outro lugar, em

Metáfora e interdiscurso, para tratar de metáfora como “uma perturbação pode tomar

a forma do lapso, do ato falho, do efeito” (2011 (1984), p. 160). Em Análise

automática do discurso, Pêcheux (1997 (1975), p. 89 - 90) aponta que “as

perturbações do comportamento narrativo [...]", caracterizadas pela perda do fio do debate, o incessante retorno ao início etc. poderiam ser interpretados como uma perturbação desse mecanismo. Em Papel da Memória, Pêcheux (1999, p. 52) explica que Achard chama a atenção para o fato de que a regularização discursiva “[...] é sempre suscetível de ruir sob o peso do acontecimento discursivo novo, que vem perturbar a memória”. O autor prossegue expondo que o uso linguageiro é “sempre um jogo de força da memória”,

[...] um jogo de força que visa manter uma regularização pré-existente com os implícitos que ela veicula, confortá-la como ‘boa forma’, estabilização parafrástica negociando a integração do acontecimento, até absorvê-lo e eventualmente dissolvê-lo; mas também, ao contrário, o jogo de força de uma desregulação que vem perturbar a rede dos ‘implícitos’. (PÊCHEUX, 1999, p. 53).

De acordo com Pêcheux (1999), esse jogo de força funciona tanto para integrar, confortar e até mesmo dissolver, quanto para desregular e provocar perturbações. Desse modo, a partir do que nos ensina Pêcheux, compreendemos que se de um lado temos a “boa forma”, aquela que estabiliza e regulariza, de outro lado temos a má forma17 que justamente movimenta-se pela desestabilização e que

desregula e perturba o bom funcionamento da língua. Trata-se de relações, ou podemos dizer de (co)relações que se complementam, não podemos as considerar como excludentes em uma perspectiva discursiva, porém aos olhos do sujeito- gramático, essa má forma, esse “diferente” não poderia (co)existir no mesmo espaço que a “boa forma”. Como é um jogo de força que se dá pela (co)relação e (co)existência em um espaço, entendemos que, dessa perspectiva, há a possibilidade de uma má forma e, também, há a possibilidade de uma má escolha.

A perturbação apontada por Rocha Lima é da ordem de uma desregulação, é da ordem do “diferente”. Assim, pensar a questão da “perturbação”, neste trabalho, permite-nos, também, estabelecer relações com as noções de normal, normatividade

e anormal18, uma vez que entendemos que o que perturba é aquilo que escapa à ordem da normalidade prescrita na Gramática Normativa da Língua Portuguesa, que se constitui como um instrumento linguístico de grande relevância para a história da produção do conhecimento linguístico da língua portuguesa no e do Brasil.

Rocha Lima e Pêcheux argumentam, cada um, de um lugar sobre o que perturba a/na língua e propomo-nos a falar de um terceiro lugar, interessamo-nos em analisar como, na produção do saber sobre a língua, como a significação é tratada no instrumento linguístico gramática. Trata-se de uma tomada de posição sujeito- pesquisadora. Entendemos que a posição de pesquisadora é parte do caminho trilhado (querendo ou não). Tal posição se enlaça com a de professora, que toma a língua como objeto de trabalho e com a de falante que é tomada pela língua.

Para o desenvolvimento deste trabalho percorremos diversos caminhos para do arquivo delimitar um corpus com os recortes e sequências discursivas que dão corpo ao trabalho. O corpus é constituído por recortes das 1ª (1957), 7ª (1962)19, 15ª (1972) e 31ª (1991) edições buscando compreender os efeitos de sentido que as regularidades analisadas produzem. Nesta parte, apresentamos a análise do Recorte Discursivo I (RDI) - Do sujeito à função-autor, na qual voltamos nosso olhar para a historicização da produção gramatical, situando o trabalho de Rocha Lima em relação ao seu tempo, mas também na relação com o horizonte de retrospecção e de projeção, nos termos de Auroux (2008). Em nosso movimento de análise dos recortes, mobilizamos em nosso Dispositivo Teórico (DT) noções pulsantes da AD, as quais pretendemos apresentar na medida em que se fizerem necessárias ao gesto de interpretação nesta escritura.