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3 BREVE HISTÓRICO DA COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

3.2 DIFERENÇAS ENTRE COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

3.2.1 Sobre a comunicação

Faz-se relevante observar os aspectos da comunicação, uma vez que tal fenômeno implica profundamente as relações humanas e é “um processo fundamental constitutivo de toda sociedade”19. Por meio desse dispositivo se estabelece a relação entre o sujeito falante e seu(s)

interlocutor(es). É um fenômeno complexo no qual instaura-se uma ligação de reciprocidade entre o pensamento e a linguagem (CHARAUDEAU, 2016, p. 68). Relação que se estabelecerá em qualquer que seja a forma de comunicação. O autor faz a seguinte explanação ao que se entende por comunicar:

“Comunicar” é proceder a uma encenação. Assim como, na encenação teatral, o diretor de teatro utiliza o espaço cênico, os cenários, a luz, a sonorização, os comediantes, o texto, para produzir efeitos de sentido, visando um público imaginado por ele, o locutor – seja ao falar ou escrever – utiliza componentes do dispositivo da comunicação em função dos efeitos que pretende produzir em seu interlocutor (CHARAUDEAU, 2016, p. 68).

Por esta descrição muito apropriada de Charaudeau, demonstra-se que, neste trabalho, é fundamental aludir-se a disciplinas que tratam da linguagem e da comunicação. E ainda necessário se faz um estudo multidisciplinar, para entender o cenário no qual se estabelecem os discursos nas mídias sociais que, por sua vez, são envoltos de intenções e sentidos.

Uma outra questão que se deve estar atento ao se observar as postagens nas mídias é quanto ao seu contexto. Embora tratemos de questões conceituais da língua, neste momento, as observações não serão feitas quanto ao contexto linguístico (que designa, segundo o autor, “a vizinhança verbal de uma determinada palavra, variável em dimensão”) mas, no contexto

discursivo, que por seu turno, “designaria os atos de linguagem existentes (aqueles que já foram produzidos) numa determinada sociedade e que intervêm na produção/compreensão do texto a interpretar” (CHARAUDEAU, 2016, p. 70).

Convém destacar os componentes de uma situação de comunicação, observando que não há uma oposição simples, nítida entre a língua falada e escrita, tendo as diferenças dadas de acordo com a combinação particular nas diversas situações que se estabelecem a comunicação. No caso das comunicações pelas mídias virtuais, em resumo, pode-se considerar particularidades no que diz respeito a algumas características que o autor destaca (físicas, identitárias, contratuais) que trataremos a seguir (CHARAUDEAU, 2016, p. 70-71).

Quanto às características físicas, os parceiros podem estar presentes no diálogo ao mesmo tempo, no entanto em locais físicos diferentes. Mas há a possibilidade de uma presença concomitante no espaço virtual, como também as trocas dialógicas podem se dar em momentos diferentes; os parceiros, após uma postagem na internet, podem não aparecer, alguém pode ler a mensagem, mas simplesmente não interagir, como também pode ser correspondida por dezenas, centenas de parceiros (sem limitações), sem qualquer limitação de distância, ou seja, podem estar próximos ou em qualquer ponto do planeta Quanto ao canal de transmissão, o autor aponta a possibilidade de ser oral ou gráfico. Aqui expõe-se poder usar, nas mídias virtuais todos os tipos de canais, por via oral ou por via gráfica, os recursos são utilizados direta ou indiretamente, com códigos semiológicos diversos.

Já nas características identitárias, não há, a princípio, como determinar questões de identidade claras, verdadeiras e seguras no que diga respeito a atributos sociais (idade, sexo, raça, classe), socioprofissionais, relacionais (se os parceiros entram em contato pela primeira vez, se tem relações sociais, familiares) e psicológicas (inquieto, nervoso, sereno, frio, espontâneo, amável, agressivo, ingênuo...). Este último aspecto é delicado porque é justamente este fato que envolve os discursos agressivos enquanto ação e reação na internet. Um sujeito falante pode fazer sua postagem e o receptor estar aberto a julgar se a fez de forma intencional, movido por ódio, nervoso ou serenamente, de forma debochada para o atingir. A recepção fica totalmente aberta, no entanto a consequência da mensagem comunicada possui efeitos que

veremos no decorrer do trabalho. Nessa dimensão, precisa-se saber que, na internet, aparecem certas figuras chamadas de sockpuppets20. Tal denominação

é um termo pejorativo para uma identidade falsa usada para fins fraudulentos dentro de uma comunidade da Internet. De acordo com o Word Spy, "Um sock puppet ... é uma identidade falsa através da qual um membro de uma comunidade na Internet se manifesta enquanto finge que não o faz, como faz um titereiro manipulando um fantoche".

Nos casos mais simples, um sockpuppet defende ou elogia seu titereiro. O que os unifica não é meramente postar algo sob um pseudônimo, mas ocultar a verdadeira motivação por trás da opinião expressa (Fonte: Wikipedia 25)

Por fim, quanto às características contratuais, sobre a admissão ou não de uma troca ou não troca dialogal, na internet, se o sujeito falante posta algum conteúdo por seu perfil aberto, ou seja, acessível para todo o público da rede indistintamente, está suscetível a uma troca referente a sua postagem, na qual ele pode dar prosseguimento ou não. Caso o tenha fechado, apenas acessível para seus contatos, também pode haver a troca, mas restrita a eles, e sempre sob risco de ser propagada através de um print ou repostagem, o que poderá perpetuar aquele conteúdo comunicado. Tratar-se, nesse caso, de situações dialogais, e, nelas, o local de conflito de pensamentos e conteúdos sensíveis. Nessas situações, ocorridas no ambiente virtual, há uma fragilidade na percepção das reações do(s) receptor(es). Na presença física, pessoal, é possível obter informações que vêm da entonação da voz, dos gestos e a mímica para reforçar o que foi expresso, o que não é possível na internet.

Trazer à luz essas questões se torna relevante porque, em se tratando de discursos que atingem diretamente o estado psicológico e os direitos relacionados à dignidade da pessoa, todas as informações e sintomas que circundam um diálogo afetam na resposta dos interlocutores e seus comportamentos consequentes, uma vez que são seres sociais e psicológicos.

À luz da teoria da informação21 e de forma bastante simplificada, temos o conceito de

comunicação de S.F Shanon continuado por Malmberg e que Fiorin (2014, p. 27) traz como sendo a “transferência de mensagens, como a transmissão, de um emissor a um receptor, das

20 O termo foi empregado pela primeira vez na Usenet em referência a Earl Curley, que usava vários pseudônimos para defender seu caráter e argumentos e denegrir seus oponentes. O termo tentáculo foi também comumente utilizado com sentido similar na Usenet em meados dos anos 1990. Fonte: Wikipedia. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Sockpuppet> Acessado em: 08/03/2019.

21 A teoria da informação examina a comunicação sob perspectivas e objetivos diferentes dos da Linguística, quais sejam os da medida da informação (qual a quantidade de informação transmitida em uma dada informação) e os da economia da mensagem (questões como codificação eficiente, capacidade de transmissão do canal de comunicação ou de eliminação de ruídos (Fiorin, José Luiz. Introdução à linguística I, p. 26).

mensagens organizadas segundo um código e transformadas em sequências de sinais.” Segundo o mesmo linguista, este conceito fora ampliado por Jakobson, o qual diz que

Há na comunicação um remetente que envia uma mensagem a um destinatário, e essa mensagem, para ser eficaz, requer um contexto (ou um “referente”) a que se refere, apreensível pelo remetente e pelo destinatário, um código, total ou parcialmente comum a ambos, e um contato, isto é, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacitem a entrar e permanecer na comunicação (FIORIN, 2014, p. 28).

Note-se que a conexão psicológica é um dos fatores mais importantes a se observar na comunicação violenta nos meios virtuais. Ela é força motriz para ajudar a desencadear uma onda de violência nas redes sociais.