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3 BREVE HISTÓRICO DA COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

3.2 DIFERENÇAS ENTRE COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

3.2.2 Sobre a linguagem

Se a comunicação é, numa relação, um processo no qual ocorre troca de mensagens, informações, por sua vez carregadas de diversos sentidos e intencionalidades, a linguagem é a forma pela qual essa comunicação se manifesta. Vejamos a trajetória do estudo da linguagem, seu significado e como se manifesta.

Percorrendo a lição sobre a história do estudo da linguagem, de Fiorin (2015), temos que a linguagem, segundo ele, começou a ser estudada por volta do século IV a.C, no continente asiático, mais precisamente na Índia. Razões religiosas fizeram com que hindus estudassem sua língua para preservar o Veda22 e, em seguida, gramáticos hindus descreveram minuciosamente

sua língua. No continente europeu, na Grécia, a preocupação de Platão quanto à linguagem se voltou para definição da relação entre o conceito e a palavra que o designa e o seu significado. Já Aristóteles fez uma análise precisa da estrutura linguística elaborando teorias da frase, separando partes do discurso e elaborando categorias gramaticais (FIORIN, 2015, p. 12).

Na mesma direção dos gregos, o latino Varrão dedicou-se à gramática definindo-a como ciência e arte. No medievo, a estrutura gramatical é considerada universal, independente da língua.

22 Nome de cada um dos quatro antigos livros sagrados nos quais são baseados os preceitos do Hinduísmo. Fonte: DICIO – Dicionário Online de Português. Disponível em https://www.dicio.com.br/veda/. Acessado em: 20/04/2018.

Em 1502, segundo Fiorin (2014, p.12), surge o mais antigo dicionário poliglota, do autor italiano Ambrosio Calepino. Na época da Reforma Religiosa (1517), período de turbulência religiosa no qual Martinho Lutero, que pregava a teoria agostiniana da predestinação, negando jejuns e outras práticas ordenadas pela Igreja Católica (como a venda de indulgências), publicou as 95 Teses, colando nas portas das igrejas católicas severas críticas à igreja católica e ao Papa. Nesse mesmo período, tanto as ideias reformistas tomaram propulsão como influenciaram as publicações da Bíblia em outros idiomas. Através dos diplomatas, passou-se a conhecer outras línguas espalhadas no então conhecido mundo.

Já no século XVII, tivemos a Gramática de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, a qual demonstrava que a linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento. O século XIX é marcado pela busca do estudo das línguas vivas. Até então já se tinha o conhecimento da existência de muitas delas. Assim surgem novas gramáticas, e os estudos linguísticos preconizavam a análise dos fatos observados. Comparando-se as línguas, percebeu-se que elas se transformam com o tempo. Do século XX em diante, a linguística se torna estudo científico após as investigações de Ferdinand de Saussure. Por fim, Chomsky traz as ideias de: a) competência linguística – regras para aquisição da linguagem que o falante construiu ao longo de sua vida para expressar – b) desempenho linguístico, conceito importante que auxilia na compreensão do que compõe a informação passada pelo falante, sendo o “comportamento linguístico resultante também de fatores não linguísticos como: convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre atitudes do interlocutor, bem como o funcionamento dos mecanismos psicológicos e fisiológicos da produção de enunciados”. (FIORIN, 2015, p. 12 e 15)

E o que é a linguagem?

Portadora de diversos significados e sentidos, a linguagem é capaz de produzir sentidos em variados graus por meio de signos, sinais, etc. A interpretação também é resultado da capacidade de linguagem, mas essa capacidade aliada a outras condições como visto antes, por exemplo, a relação pessoal com o meio social em que se vive.

Entre as várias definições, Bagno (2014) considera como definição de linguagem:

faculdade cognitiva da espécie humana que permite a cada indivíduo representar/expressar simbolicamente sua experiência de vida, assim como adquirir, processar, produzir, transmitir conhecimento (BAGNO, 2014, p.58).

E dessa definição decorre outro conceito: o de que a linguagem é

todo e qualquer sistema de signo empregados pelos seres humanos na produção de sentido. Isto é, para expressar sua faculdade de representação da experiência/conhecimento (BAGNO, 2014, p.59).

Disso decorre a divisão da linguagem em dois tipos: a linguagem verbal (oral, escrita ou sinalizada) e a não verbal (gestos, placas sinalizadoras de trânsito, cores do semáforo, música, teatro, cinema, dança, pintura, escultura, fotografia, as linguagens cifradas, etc (BAGNO, 2014, p. 60). As mídias virtuais constituem um campo especial de exercício da linguagem, pois ali há a possibilidade da expressão da linguagem verbal e não verbal, ou seja, de diversos formatos: a informação, qualquer que seja o teor, pode ser transmitida através de recursos textuais (escrita), imagéticos (emoticons, inclusive), áudios, vídeos, colaborando para que haja a comunicação e, no caso dessas mídias virtuais, a súbita possibilidade do diálogo entre qualquer um que responda ao que foi divulgado.

Esse diálogo pode ser entre: o transmissor e o(s) receptor(es). E no lugar do receptor se encontra qualquer pessoa que, propositadamente ou não, chegou àquela postagem e teve a liberalidade de interagir num dado processo comunicativo. Nessa interação pública é possível perceber muitas vezes a diversidade de interpretações para uma mesma informação veiculada ou percebê-la como meio e aprendizagem (com resultados positivos ou negativos a depender do conteúdo). Quaisquer que sejam as relações entre os envolvidos na comunicação virtual é indiscutível o poder da faculdade da linguagem, que nasce da capacidade e necessidade humana de se relacionar com seus iguais, seres sociais e culturais que são (BAGNO, 2014, 60).

A linguagem tem função comunicativa e, por meio de palavras, compomos nossa relação com o outro, dialogamos, amamos, odiamos, ensinamos, aprendemos, etc. Logo, manifesta sentimentos, pensamentos e valores, exercendo uma função conotativa. Durante a leitura deste trabalho é importante ter em mente a função conotativa da linguagem, uma vez que nela, “uma mesma palavra pode exprimir sentidos ou significados diferentes, dependendo do sujeito que a emprega, do sujeito que ouve e lê, das condições e circunstâncias em que foi empregada ou do contexto em que é usada.” (CHAUÍ, 2012, p.190).

Conhecendo-se essa função, ao dispor e/ou ler mensagens na internet, deve-se ter a cautela de racionalizar o contexto (e o tempo) em que foram postadas além de, se possível,

tentar compreender as ideias do emissor. Mas sabe-se que essa tarefa, no que diz respeito aos campos virtuais, torna-se quase impossível, seja por não conhecer o emissor, por não ser possível acompanhar o contexto que o levou à fala (que pode ter sido no meio virtual ou ‘real’), por ruídos23 que por ventura tenham ocorrido no processo comunicativo, ou, até mesmo, quando

a conexão psicológica envolvida na relação emissor x receptor x mensagem compromete o diálogo pacífico e útil.

Chauí, (2012, p. 190), os intelectualistas “afirmam que a capacidade para a linguagem é um ato do pensamento ou de nossa consciência”, muito mais que a possibilidade corporal (fisiológica e anatômica) de ouvir escrever e ler, ditada pelos empiristas.Tudo o que constrói um indivíduo na sociedade é refletido nas suas ações e pensamentos. Na sinergia entre os pensamentos e a inteligência ocorre a linguagem, que se torna responsável por interligar as ideias. Chauí resume claramente a relação entre inteligência e linguagem:

Comunicação, informação, memória cultural, transmissão, inovação e ruptura: eis o que a linguagem permite à inteligência. Clarificação, organização, ordenamento, análise, interpretação, compreensão, síntese, articulação: eis o que a inteligência oferece à linguagem (CHAUÍ, 2012, p. 201).

Fazendo uma relação entre linguagem, pensamento, inteligência e a comunicação violenta, o que será trabalhado mais adiante, vale trazer, seguindo ainda os ensinamentos de Marilena Chauí, que, como resultado da conexão entre a inteligência e o pensamento, tem-se o conceito, a ideia. Segundo a autora, os conceitos ou ideias são

Uma rede de significações cujos nexos ou ligações são expressos pelo pensamento por meio dos juízos24, pelos quais estabelecemos os elos internos e necessários entre um ser e as qualidades, propriedades, os atributos que lhe pertencem, assim como aqueles predicados que lhe são acidentais e que podem ser retirados sem que isso afete o sentido e a realidade de um ser (CHAUÍ, 2012, p. 201).

Trazendo-se essas ideias para o campo das relações virtuais, se poderá tratar de dois temas: o campo da intolerância e do preconceito e o da violência verbal nas mídias digitais.

23 Segundo Fiorin (2014, p.27), ruídos são diferentes elementos que interferem na comunicação. Podem ser ísicos, psicológicos ou culturais,

24 A autora traz em destaque a explicação de que juízo relaciona negativamente ou positivamente um sujeito e um predicado ou conjunto de predicados (Chauí, 2012, p. 201).