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2.2 Representação do Conhecimento

2.2.2 Sobre a construção dos significados

Quando falamos de Semântica, reportamo-nos fundamentalmente ao estudo que tem por objeto a descrição das significações próprias às línguas e sua organização que dá sentido a algo. A significação associa um objeto, um ser, uma coisa, uma noção ou um acontecimento a um signo capaz de evocá-los, e está vinculada, entre outras coisas, às representações mentais que fazemos dos conceitos e das construções nos quais estes participam. (TAMBA-MECZ, 2006; FODOR, 2007).

A questão da representação do conhecimento suscita debates interessantes e multidisciplinares no que diz respeito à construção dos significados. Segundo Morris (1976), Semântica é o ramo da Semiótica que trata das relações entre os signos e os objetos da realidade que eles designam. Para Sowa (2000) o estudo dos significados é indissociável da linguística e principalmente da lógica, que dão base para as semânticas formais, estruturas indispensáveis na modelagem de sistemas computacionais com vistas à representação dos recursos. No contexto da web semântica, Almeida e Souza (2011, p. 36) apontam que “a especificação semântica não corresponde precisamente ao significado dos termos, mas sim ao significado de sentenças de acordo com uma função interpretação” sobre expressões sintaticamente bem formadas de um dado modelo de mundo.

Fundamentalmente, para representar mentalmente o mundo que o cerca, o homem precisa articular os seus processos cognitivos utilizando conteúdos generalizados e abstraídos da realidade e guardar tais modelos na memória (MACEDO, 2008). Dessa forma, os conceitos são armazenados em conjuntos ou campos semânticos representados por meio de um modelo mental, a partir do qual ele deriva a experiência e evoca uma realidade ausente.

O processo de significação envolve também a expressão, ou seja, a organização mental dos significados daquilo que se quer dizer para possibilitar a sua exteriorização. Vygotsky (2001, p. 479 apud MACEDO, 2008) afirma que “o significado media o pensamento em sua caminhada rumo à expressão verbal”, ou seja, conhecimento é algo que existe na mente das pessoas, mas pode ser compartilhado através de sua representação linguística. A construção do significado é, portanto, não só a compreensão de um conceito, como também a descoberta da sua expressão adequada. Através dos termos como concretização do pensamento é possível representar o mundo e interagir com ele.

A web tradicional, sintática, exibe para o usuário somente as informações na página, ficando ao critério dele estabelecer os relacionamentos de sentido que lhe são válidos. A web semântica, por outro lado, tem como intuito minimizar esse esforço de discriminação, a partir das relações semânticas estabelecidas entre os conceitos que compõem os recursos. Representações de informação têm dois objetivos fundamentais: descrição e discriminação, e devem mapear o “índice intelectual” de um corpus particular de informação. Entretanto, segundo Gracioso e Saldanha (2010), as baixas taxas de sucesso percebidas nos SRIs podem ser diretamente atribuídas à indeterminação do significado da linguagem natural nesse

processo de descrição. Para David Blair (2006), a Pragmática30 ajuda a compreender esse problema, cujo ponto central estaria no estabelecimento de sentido daquilo que é descrito: o que realmente desejamos quando descrevemos o que queremos (sentido)?

Os elementos que interferem nessas ações de descrição e de discriminação de conceitos extrapolam as questões representacionais e atingem configurações comunicacionais. A semântica dos textos é atribuída por pessoas que os indexam manualmente. Isto pode levar a erros infelizes quando, por exemplo, o indexador interpreta equivocadamente o conteúdo de um documento ou não o classifica nas categorias mais relevantes. É comum também encontrar pessoas utilizando os mesmos termos para ideias diferentes ou termos diferentes para as mesmas ideias. Desconsidando os erros crassos de interpretação, percebe-se que a causa de imprecisões e ambiguidades é inerente ao processo de comunicação: em geral, é muito difícil transmitir significados através da linguagem. O significado (semântica) está na mente das pessoas e não na sua representação simbólica.

Frohmann (1990) considera que, para fins de indexação, não basta a compreensão dos processos cognitivos individuais, porque esses não existem isoladamente. Segundo ele, a proposta de Wittgenstein, desenvolvida em seu segundo momento31, tem grande mérito justamente por demonstrar que a possibilidade de compreensão da forma de pensar do homem está relacionada à sua forma de viver, de se expressar e de se fazer entender pelos membros de sua comunidade. Wittgeinstein rompe com a visão tradicional de que aprender uma língua é dar nomes aos objetos. Para este autor, a linguagem não é uma coisa morta em que cada palavra representa algo de uma vez por todas, ao contrário, é preciso considerar as influências que participam do processo de construção do pensamento socialmente instituído, e, por conseguinte, do significado das coisas. Ou seja, em última análise, se você deseja saber o significado de uma palavra, você deve primeiramente perceber como ela é de fato utilizada e em que contexto. Somente considerando esses princípios será possível representar um recurso de maneira a atribuir-lhe relevância para seus potenciais usuários.

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Pragmática é o ramo da linguística que estuda a linguagem no contexto de seu uso na comunicação. A pragmática está além da construção da frase, estudado na sintaxe, ou do seu significado, estudado pela semântica: ela estuda essencialmente os objetivos da comunicação, o uso concreto da linguagem.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pragmática. Acesso em: 15 de janeiro de 2011.

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O pensamento de Wittgenstein, um dos principais filósofos da linguagem, geralmente é dividido em duas fases. A primeira é marcada por estudos que tentam explicar como a linguagem consegue representar o mundo. A segunda avança sobre temas da filosofia da mente ao analisar conceitos como compreensão, intenção e vontade. http://pt.wikipedia.org/wiki/Wittgenstein. Acesso em: 15 de janeiro de 2011.

Nedobity (1989) avalia os diferentes métodos de investigação do significado da linguagem e constata que, enquanto Wüester32, na Teoria da Terminologia, analisa o significado como sendo construído a partir da relação entre conceitos, Wittgenstein defende a impossibilidade de se prever, estabelecer e reutilizar essas relações conceituais, tendo em vista que elas se constituem exclusivamente em contextos específicos de formas de vida. Ou seja, Wittgenstein busca definir condições gerais de construção da linguagem, enquanto Wüester procura estabelecer leis orientadas para a sistematização de conceitos em contextos específicos. Para Nedobity, a Teoria da Terminologia promoveria condições de sistematização conceitual, mas, dadas as implicações oscilantes de construção de significados, essa precisaria buscar subsídios teóricos mais amplos para expandir suas possibilidades de aplicação, e, mesmo, sua própria concepção, o que poderia ser sustentado por Wittgenstein.

Em Epistemologia e Ciência da Informação, Capurro (2003, p.12) afirma que há uma integração entre a perspectiva individualista do paradigma cognitivo e o contexto social nas quais “diferentes comunidades desenvolvem seus critérios de seleção e relevância”. Ele argumenta que em um sistema de informação os dados registrados são concebidos por um usuário que desempenha papel ativo em um contexto cultural.

Para Clarinda Lucas (2000) a construção dos índices está indissociavelmente ligada à leitura que os profissionais da informação fazem dos documentos e sua capacidade de sugerir palavras, as instituições em que atuam e o uso que essas instituições fazem da memória. Diz a autora:

“O método de leitura do bibliotecário não garante a equivalência de sentido entre o texto-fonte e a sua representação. As operações de análise e síntese para fins de análise documentária estão sujeitas a muitos outros fatores para além daqueles que uma metodologia possa disciplinar, administrar, conter.” (LUCAS, 2000, p. 63)

Quais seriam as implicações destas questões no domínio da História? De acordo com Hjørland (1999) toda informação deve ser analisada a partir de princípios situacional, pragmático e do domínio específico, a fim de que possa ser adequadamente representada nos sistemas de informação. Como em todas as áreas de conhecimento, os historiadores também

32 Eugen Wüester, engenheiro austríaco que na década de 1930 fundou os princípios da Teoria Geral da

se agrupam em torno de correntes de pensamento, objetos de estudo e métodos de trabalho, formando grupos muitas vezes divergentes que debatem e defendem seus pontos de vista; isso faz parte do processo de validação do conhecimento histórico e impulsiona seu avanço. Ao longo do último século, algumas abordagens influenciaram a forma de “fazer história” no Brasil33, e este pode ser o ponto de partida para reflexões metodológicas sobre este domínio e determinante no exercício de criação de um modelo conceitual de representação.

A web semântica não visa resolver os problemas de indeterminação do significado no processo de descrição da informação. Ou seja, ao se propor a construção de modelos conceituais não se estabelece o fim das diferenças conceituais ou de significação, até porque, como já mencionado, eles são fruto da cognição particular de cada um e envolvem motivações, crenças, modos de raciocínio e tantos outros estados mentais necessários ao processo de comunicação. Mas um dos pressupostos é que se trata de modelar conhecimento cuja conceitualização será compartilhada e consensual para um determinado universo do discurso, e por isso deve refletir um aspecto da realidade observada. Como aponta Almeida e Souza (2011): na semântica formal, “saber o significado de uma sentença equivale a conhecer suas condições-verdade, o que não é o mesmo que saber o seu valor-verdade, ou seja, se o fato é verdadeiro ou não”. Dessa forma, através de relações conceituais bem formadas e instrumentos adequados de representação, é possível estabelecer pontes que atravessam as múltiplas e diversas interpretações atribuídas para o dado domínio.