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A figura da mulher em cargos de poder foi vista durante muitos séculos como exceção no contexto político. À ótica varonil, pode-se destacar Cleópatra (69-30 a.c) (Egito); Joana D´arc (1412-1431) (França); Indira Gandhi (1917-1984) (Índia); Eva Peron (1919-1952) (Argentina); Catarina, a Grande (1729 – 1796) (Rússia); Rainha Vitória (1819 -1901) (Reino Unido); Rainha Elisabeth II (Reino Unido); Margareth Tatcher (1925 – 2013) (Reino Unido), Michelle Bachelet (Chile), Ângela Merkel (Alemanha), Pauline Marois (Québec), Dilma Rousseff (Brasil), entre outras.

No Québec, a presença de mulheres no contexto político tem certo destaque. Em 1951, Thérèse Casgrain foi a primeira mulher eleita chefe de um partido (parti de la Fédération du commonwealth coopératif – CCF). Não podemos desconsiderar o papel que outras mulheres tiveram no contexto social/político, mas são poucas as que se destacam e alcançam cargos de importância na esfera política. Nesse sentido, pode-se sublinhar o nome de Pauline Marois, segunda mulher a ser eleita chefe de um partido no Québec e primeira mulher a assumir o posto de primeira ministra do Québec. De acordo com a enciclopédia canadense (2014, p, n/d.), Pauline Marois é uma figura pública no cenário político quebequense há mais de 30 anos. Sua trajetória política se mescla com a história do Québec desde a Revolução Tranquila. Madame Marois, como é conhecida, se formou em Serviço Social pela Université Laval e em seguida completou um

MBA (Master Business Administration). Desde então, iniciou sua militância em instituições comunitárias e no Parti Québécois.

Em 1979 se tornou chefe do gabinete ministerial da condição feminista, na época comandado por Lise Payette. Em 1981, durante o governo de Lévesque, Pauline Marois se lançou oficialmente no cenário político quebequense. Sua candidatura teve uma votação expressiva e ela venceu com grande vantagem seu concorrente do Partido Liberal. Sua atuação foi tímida até 1984, quando assinou a lettre des douzes na qual metade dos ministros de Lévesque se opunham contra a estratégia de « beau risque27 ». Essa carta propunha que a questão da soberania quebequense estivesse no centro das discussões para a próxima campanha eleitoral que seria realizada, à época, em 1985.

Pauline Marois continuou sua carreira e após a morte de Lévesque pleiteou o cargo de presidente do Parti Québécois, defendendo sobretudo a questão da soberania da Província. Seus intentos não tiveram muito êxito e Madame Marois perdeu o pleito para Pierre Marc Jonhson. Nos anos seguintes, até 1994, Marois concentra seus trabalhos no apoio a organizações feministas.

Com o retorno do primeiro ministro Jacques Parizeau em 1994, Pauline Marois voltou à cena política quebequense com uma visibilidade muito maior. Parizeau lhe confiou a pasta de ações sociais e, entre 1994 e 2003, Marois passou a ocupar os cargos de: presidente do conselho do tesouro nacional; ministra de administração e da função pública; ministra da família; ministra das finanças; ministra da educação; ministra da saúde e serviços sociais; ministra da ciência, pesquisa e tecnologia; ministra da indústria e do comercio e vice primeira ministra do Québec (2001-2003). Em 2005 concorreu pela segunda vez ao cargo de chefe do Parti

Québécois com a promessa de um referendo (SONDAGE28) sobre à questão da independência do Québec já no primeiro ano de seu mandato, entretanto mesmo com apoio crescente, especialmente fora da esfera de seu Partido, Madame Marois não é eleita. Em 2006, Pauline Marois anuncia sua saída da vida pública declarando “le cœur n’y est plus”, contudo já no ano seguinte, após a demissão de André BoisClair, Madame Marois faz sua terceira tentativa e se candidata novamente ao cargo de

27 Essa foi uma das ideias principais do governo de René Lévesque após o referendo

de 1980. A sugestão era a repatriação da constituição canadense mesmo sem um acordo com o governo do Québec.

28SONDAGE, barrado em negrito, com letras brancas é uma imagem a ser revisitada

na charge examinada nesta tese. Por isso, cabe observar que o destaque intencional, realizado com vistas a remeter o leitor ao objeto de estudo investigado.

chefe do Parti Québécois. Sua proposta era audaciosa, dessa vez ela põe em segundo plano o projeto do referendo e propõe uma mudança no partido de acordo com o desejo dos quebequenses.

Marois recebe, então, apoio quase total dos membros do partido e, em junho de 2007, se torna chefe do Parti Québécois. Ainda em 2007, Marois anuncia sua candidatura para a eleição de 24 de setembro de 2007, a qual vence com 59% dos votos.

O ano de 2012 foi de grande importância para Madame Marois, pois ela se candidata ao cargo de primeira ministra do Québec. O Parti

Québécois recebeu apoio considerável logo após denúncias de corrupção

que teriam ocorrido durante o governo anterior de Jean Charest. Na ocasião, o Parti Québécois alicerçou sua campanha sobre bases temáticas mais flexíveis, deixando de lado a possibilidade de um outro referendo a muito esperado por uma parcela significativa dos quebequenses. Pauline Marois foi assim eleita primeira ministra do Québec em 4 de setembro de 2012. O retorno do Parti Québécois ao poder pela quinta vez, desde Réne Lévesque, todavia não foi bem visto por todos os quebequenses. A possibilidade de um referendo independentista acabou dividindo opiniões desde o primeiro referendo realizado em 1980.

Durante o discurso de posse de Madame Marois no teatro Metrópole em Montréal em 4 de setembro de 2012, um homem armado disparou contra um técnico do teatro, atingindo-o mortalmente e, também, contra um outro senhor que teve ferimentos graves. O atirador durante sua prisão declarou « Les Anglais sont arrivés » (Os ingleses chegaram) explicitando sua posição contrária ao governo do Parti Québécois e uma possível independência do Québec. Esse atentado e a declaração do atirador inflamou a discussão sobre a possibilidade de um referendo e todas as suas implicações futuras.

Durante sua gestão foram efetivadas algumas ações de lei. Eis alguns exemplos: definição de uma data fixa para realização das eleições; investimentos sociais importantes; uma nova política industrial, etc. Madame Marois também teve um papel conciliador importante durante o « Printemps érable » (greve estudantil de 2012).

A greve promovida pelas associações estudantis foi declarada após as medidas impostas pelo governo antecessor de Jean Charest que aumentaria as taxas escolares e, sobretudo a lei 78, que obrigaria os estudantes a retornarem as salas de aula. Pauline Marois prometeu anular tal lei caso vencesse aquelas eleições, ação posta em prática já nas primeiras semanas de seu mandato. Uma outra ação do governo de Marois foi propor medidas mais efetivas relativas à lei 101 e posteriormente, a seu pedido, a criação de uma lei sobre a laicidade – lei 60 (Charte des

valeurs québécoises). Se as ações de Marois até a proposição da lei 60

foram em sua maioria bem vistas pelos quebequenses, a criação da Charte

des valeurs québécoises inflamou os ânimos por toda Província e gerou

repercussões a nível federal.

Os debates calorosos dividiram os quebequenses. A lei 60 continha algumas disposições que interferiam nos direitos de determinadas comunidades minoritárias, especialmente a comunidade mulçumana, de exprimirem suas convicções religiosas, sobretudo relativas a vestimentas quando do se uso no âmbito de instituições públicas. A proposição da lei 60 representou um possível retrocesso se comparada a uma outra lei proposta anteriormente no Québec - La Charte québécoise des droits et

libertés de 1976.

Segundo Marois, a concepção da lei tinha como objetivo estabelecer uma política de neutralidade religiosa no Québec. O Projeto de lei foi colocado em votação na Assembleia National do Québec sob o nome : Charte affirmant les valeurs de laïcité et de neutralité religieuse

de l'État ainsi que d'égalité entre les femmes et les hommes et encadrant les demandes d'accommodement. A Charte des valeurs québécoises foi

uma tentativa de adequação/resposta às propostas do governo federal do Canadá conhecida como accommodements raisonnables, que prevê tentativas de “acomodar” diferenças culturais de grupos considerados minoritários. Neste sentido, os destaques em negrito e sublinhado são explicitamente propositais, tendo em vista que são pontos presentes no objeto de estudo examinado. Logo, de grande importância no escopo desta Tese.

Sendo o Canadá um país formado, em sua maior parte, por imigrantes, essas disposições visam acolher e respeitar (ou até mesmo tolerar) diferenças apresentadas por grupos considerados como minoritários. A charge analisada nessa tese reflete esse momento no contexto do Québec. De fato, uma questão que se estende aos dias atuais, em razão dos grandes movimentos migratórios em trâmite.

Em 2014, na ocasião das eleições, Madame Marois é acusada de irregularidades, sobretudo concernentes ao financiamento de sua campanha e tem que enfrentar ataques dos partidos de oposição, que doravante canalizaram seus esforços contra a proposição de lei 60 e do partido liberal que baseou sua campanha enfatizando que se o Parti

Québécois continuasse no poder seria correto realizar um terceiro

referendo. O Parti Québécois perdeu as eleições e o Partido Liberal comandado por Pierre Karl Péladeau assumiu o governo da Província.

O ano de 2015 marca o fim da vida pública de Pauline Marois, A trajetória política de Madame Marois esteve fortemente marcada por suas

ações sociais, seu comprometimento, por permitir o acesso à educação a todos os quebequenses e representou a continuação dos ideais propostos durante a Revolução Tranquila, sobretudo sua proposta da Charte des

valeurs québécoises que retomaria aqueles ideais de laicidade que

transformaram a história do Québec a partir dos anos 1960 separando Estado e Igreja.